quinta-feira, 9 de maio de 2013

O ROSTO DA POBREZA

A professora não tem vindo. O que aconteceu com a professora? O tempo está virado. Está doente? A professora não tem vindo e na virada da semana houve um feriado. Talvez aproveitou, a professora, para gozar de um fim de semana maior. A professora não veio ainda. O tempo anda virado. Ora frio, ora calor.
Coitada da professora. Anda assustada. Não consegue sair de casa. Levaram o carro. Ainda sente o frio do revólver na cabeça. Coitada da professora. Boa professora, a coitada de fonte gelada, que aquece a vontade da criançada para ler e escrever. Vive com a mãe, com o padastro porque do seu salário de funcionária pública nunca poderia habitar naquelo bonito bairro de classe média. Um bom bairro para acontecer tal azar (?), dizem. Coitada da professora que viu a sua vida por um fio, dependente de uma mão de grossas veias pulsando uma revolta ancestral. Coitado de quem a mão pertence. Uns olhos pedindo calor, enregelados pela discrepâncias que teimam em persistir.  Coitados dos olhos e da mão. Coitada de mim por me apiedar.

Apiedar é aquele ato passivo que num rasgo de paternalismo achamos que estamos por dentro, mas estamos completamente por fora. Completamente por fora do trajeto daqueles dois até chegar aquele momento de colisão. Um momento fugaz sem fim. Um momento de colisão de dois trajetos. Talvez uma colisão inevitável não no particular, mas no coletivo, no social. Depois, varre-se o que não interessa para debaixo do tapete. Enchem-se as cadeias de indesejados nunca incluidos, por isso revoltados. Por indesejados serem, segregados, excluidos adornam os seus pensamentos os seus atos com mãos que ja não transpiram. Mãos paradas contendo raiva, desprezo.

Sem apiedamento. Sem paternalismo: Coitada da professora de fonte enregelada e do homem de olhos vazios de calor, de grossas veias nas mãos.  Coitados de nós que ainda não conseguimos erradicar momentos fugazes sem fim; momentos pendentes por um fino, muito fino de fio que segura a vida ao descalabro.

a piu
Br, 9 de Maio 2013

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