sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

SER PALHAÇ@ É UMA MODA OU É TRABALHOSO? - SÉRIE 'EU SOU LIVRE'


Naquela época, isto na década passada, estavamos todos muito abananados no nosso Portugalito... Em 2015 eu já me encontrava em solo brasileiro há 3 anos. Os primeiros 3 anos destes 10 de resiliência, resgnificação de tudo mesmo ( ou quase tudo vá... Também ainda há um tudo que eu desconheço,porque o mais dificil é a mudança dos nossos hábitos e de todos os paradigmas entranhado em nós mesmes, Seja a mudança que quer ver no mundo, já dizia o Grandi Gadhi).
Este é um trabalho a solo que eu criei comigo mesma, pois além de não ter como pagar a ninguém para me dirigir, não é da minha natureza pedir às pessoas, principalmente artistas, que trabalhem para mim de graça. Ou, então, nós negociamos uma contrapartida.
Neste caso, deste solo, era e ainda é uma necessidade visceral de criar, de transmitir as minhas inquietações e delirios conscientes em cena. Inquietações dum periodo politico em Portugal que afetou profundamente a minha vida nos anos seguintes. A minha e a das minhas filhas. Não é uma lamúria, é só um adendo para olharmos para as artistas independentes mães solos sem leviandade.
Este solo, aliás foram dois que levei a duas edições deste encontro, tinha a ver com a crise financeira e de valores que se vivia no meu país natal e com a minha crise existencial: Qual o sentido de tudo isto? Desta sociedade onde o capital está acima de tudo? Se não há solidariedade plena como continuar a viver da arte? Como podemos levar alegria, delirio, brincadeira, reflexão, esperança, amorosidade, emoção aos outros se estamos feitos em cacos por motivos vários?
Um dos meus professores de palhaçaria para hospital, Sergio Claramunt, dizia: "melhor palhaç@, melhor pessoa". Isso é uma frase mestra que se adequa a qualquer oficio, em que cada um de nós tem de fazer a sua parte e não dá para exigir aos outros o que não praticamos.
Com o passar dos anos ( deixa fazer as contas.... TRINTA!!!! EU FAÇO TEATRO HÁ TRINTA ANOS!!! Ê lá iá! É muito ano! Uma vida adulta!) percebi que das artes mais desafiadoras, para não dizer dificieis, é a arte de estar em cena diante do público como actor/ator, actriz/atriz. Mas mais dificil ainda é arte da palhaçaria, da palhaçada, da bobagem, da brincalhotice. Escolham o termo que melhor se adequar para as vossas referências. Para mim isso não é debate teórico. Esta arte faz-se na prática e no meu ponto de vista deve-se escrever e sistematizar o oficio a partir da prática de estar com o público, de prender a sua atenção, das pessoas sairem emocionadas, tocadas independentemente se riram até cair para o lado ou não. Isto no modo como eu trabalho. Não é uma verdade absoluta, como tal há outras formas de fazer. Isso é o coração da criação, da criatividade. Sermos livres dentro das nossas referências, vocabulários. Também serve para a vida no geral. Afirmar diariamente: " EU SOU LIVRE! EU SOU LIVRE!"
Ser palhaç@ a tempo inteiro é desafiador, pois precisamos de alimentar uma outra lógica dentro de nós que não a racional, uma lógica que desconstroi, transgride nós mesmes. É uma arte do exagero, da inversão da lógica: olhamos para algo banal, sem importâncioa e damos uma importância hiperbólica, olhamos para algo importante ou que os outros dão muita importância e abordamos com desplicência. Isto para dar dois breves exemplos. Não existem fórmulas, pá. Existe trabalho. E quando trabalhamos sabemos o quanto dá trabalho e sempre se pode ir mais longe, por isso não dá para entender as rivalidades. Dá, mas não dá.

Um outro professor, o Andre Riot Sarcey, dizia: " Um bom palhaço é um bom ator". Eu concordo dentro da abordagem que ele desenvolve e eu também. Mas quem somos nós para dizer isso para todos os outros artistas? Para um artista circense de familia tradicional que vai para palhaço em idade avançada porque já não pode apresentar a sua virtuose como acrobata, por exemplo.
Existem bons atores que não bons palhaços, mas nesta abordagem ter uma boa atuação cênica enquanto palhaç@ é fundamental, caso contrário é uma atriz ou ator de teatro com um nariz vermelho onde se carece de ritmo, surpresa inusitada. Isso o público agradece. Qualquer público agradece quando é convidado a viajar numa outra dimensão e deixa de criticar intelectualmente ou por comparação com o seu trabalho, quando se trata de público do meio artistico. A arte de ser e estar em estado de palhaç@ é tudo menos intelectual. É jogo. Celebração da vida, mesmo quando o roteiro leva-nos para lugares sombrios que nada tem a ver com a fofura putchi do palhaçinho quiducho delico doce. Palhaçaria é irreverência e a maior irreverência é respeitarmos o trabalho uns @s outr@s, independentemente se apreciamos ou não. Respeito e acolhimento, se não for pedir muito. Eu desconfio dos palhaços muito institucionalizados, ou tão bem sucedidos que se esquecem de olhar à volta, em algum momento perderam pelo caminho a humildade que se requer nesta arte da vulnerabilidade enquanto força cénica e humana.
Mesmo assim, a vida é a arte do encontro embora já haja tanto desencontro nesta vida, como diz o poeta Vinicius.
A Piu
Br, 07/01/2021

 in Encontro Internacional de Palhaços de Vila do Conde, Portugal, Outubro 2015. " As desaventuras de Má Ri Bô"

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