segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

MARIA BONITA PRESENTE!


Aquele ano, provavelmente, foi o  mais temido na minha vida. 2014. Não é que eu seja profetiza em relação a esse ano, mas foi quando a minha avó partiu, a que cuidou de mim. Março de 2014. Dois anos depois de ter chegado ao Brasil e para me lembrar quem eu era e continuava a ser exilei-me até um certo ponto do mestrado de Antropologia Social para voltar ao palco e sentir-me inteira em coletivo. Novembro de 2014, Teatro Cacilda  Becker no Encontro de Mulheres Palhaças de São Paulo. Antes de entrar em cena, no aquecimento em grupo chorei. As lágrimas cairam de comoção... Apesar de tudo continuava a sentir-me viva. Pouco importava se eu passasse por iniciante da palhaçaria, apesar duma trajetória de décadas a trabalhar em coletivo com " grandes mestres" sem me preocupar em me auto promover. O que interessava sim era estar no meio de todas aquelas mulheres palhaças no encontro de São Paulo. Sim, era o cabaré das noviças ( acho que era assim que se chamava) e eu estava radiante e muito comovida de voltar a pisar o palco, de sobreviver ao luto e viver alternativamente às dinâmicas académicas, que na minha experiência foram fascistas porque humilhantes. Procurava e procuro calor humano, rir junto, criar junto, sem disputas de ego. Já trabalhei com" grandes mestres", mas nãos os idolatro. Um bom mestre, para mim, é o que não precisa de se afirmar como tal tampouco rivalizar co outros mestres.

" Aqui em São Paulo eu me sinto como uma poeirinha infima", comentou uma mulher palhaça considerada mestra no Brasil e em Portugal, anos mais tarde depois do episódio de esta ter entrado no camarim e que além de não me cumprimentar passou por mim de cara fechada. Na época não entendi, com o tempo fui entendendo todas essas inseguranças fruto das disputas entre mestras. Entra elas? Eu teria alguma coisa a ver com isso? Se sim, sai para lá que este corpo não te pertence e não vou entrar nesa onda. Como eu trabalhava com outra mestra e era considerada iniciante provavelmente incomodou todo aquele meu tcham em palco. Mas esse meu tcham é fruto de muito trabalho durante anos. Não aprendi em meses com uma só pessoa. Poderia catalogar tudo isto como mediocre, mas depois daquela frase da poerinha em São Paulo... Senti tanta compaixão pela sua vulnerabilidade, apesar de ser uma senhora de idade avançada e ser tão querida no meu país por amigas intimas e colegas de formação teatral deste oficio de estar em cena e levar alegria, reflexão, utopia ao público que quase a perdoei. Perdoou agora que escrevo sem citar nomes e expondo que a união entre mulheres palhaças e outras artistas seja das cénicas e de outras áreas é estarmos juntas sem preconceito, disputas de ego tampouco escolher somente considerar alguém que possa ser benéfico numa lógica individualista. Eu sei que romper com essas dinâmicas de competição entre mulheres, que almejam a emancipação e  afirmação do feminino,   mas que derrapam na lógica patriarcal é uma longa caminhada. Porém, precisamos de nos avisar umas às outras, além de nos valorizarmso independentemente da instituição que frequentamos ou deixamos de frequentar. Para todos os efeitos, a instituição académica precissa de ser revista urgentemente. Até hoje penso o que esta tem a ver com a prática artistica na sua plenitude, porque tudo o que vira demasiado teórico, conceptual com muito status  desvitaliza porque se torna chato. Não? Falei demais? É essa a arte d@ palhaç@: expor o que vai na alma.

A Piu

BR, 03/01/2022




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