terça-feira, 18 de janeiro de 2022

HONRANDO AS MINHAS RAÍZES - XXX


Menina dos olhos tristes/ O que tanto a faz chorar/ O soldadinho não volta/ Do outro lado do mar. (...) A lua que é viajante/ É que nos pode informar/ O soldadinho já volta/ Está quase mesmo a chegar./ Vem numa caixa de pinho/ Do outro lado do mar/ Desta vez o soldadinho/ Nunca mais se faz ao mar.
- Célebre canção portuguesa de intervenção com poema de Reinaldo Edgar de Azevefo e Silva Ferreira e composta por José Afonso -
Ontem o meu pai veio logo me avisar que a minha mãe não tinha somente o curso de datilografia, que poderia ser feito apenas com 4 anos de escolaridade. Ela tinha completado o ensino secundário. Coisa incomum para a época, principlamente para a classe mais baixa e para as mulheres. A dita professora que era Carmen, mas não era a Miranda, como fascistazinha que se prestava não incentivava os seus alunos a seguir os estudos, fossem meninas como meninos, sendo que uns iam no turno da manhã eos outros à tarde. Isto é, azulinhos para um lado e cor de rosinhas para outros. Onde é que eu já ouvi isto há pouco tempo? Além de não incentivar, não apoiar, ainda boicotar os alunos no exame de admissão do primário para o secundário. Há que lembrar que o analfabetismo em Portugal até 74 andava em torno dos 90%. Manter as pessoas na ignorância era um projeto politico.
Mas a minha avó, que tinha o quarto ano, mas que não pudera seguir os estudos para ser alfabetizadora como desejara era magana, muito mais sagaz e inteligente que essa Carmen. Mexeu-se pelos seus próprios meios para que as suas duas filhas dessem continuidade aos estudos. Há uma história lendária da minha avó e mãe com essa fascistazinha. Certa vez, foi enviado um problema de matemática para a minha mãe resolver. Ela resolvia, e voltava a resolver e dava sempre errado. Resultado: réguada atrás de réguada, Ela levava o problema para casa, a minha avó resovia com ela. Voltava à escola... Réguada atrás de réguada. A professora nunca resolvia o problema na frente da menina com a menina. A réguada era a mestra.A minha avó dizia que era impossivel dar outro resultado. Até que a Carmenzita percebe que as soluções, que só vem o resultado e não a equação toda, no final do livro estava errada!!! Onde é que eu também já assisti a isto, mas duma forma mais sofisticada em meio académico?
Para os mais precipitados que adoram tirar conclusões muito rápidas e orgulham-se muito da sua assertividade, este casal, que são os meus pais, SÃO MUITA RICOS, PÁ! BRANCOS PRIVILIGIADOS, CARA! Também já me indispus com essas precipitações pirralhas de quem se acha muito militante, ativista mas na tal da hora da escuta generosa acionam a sua meritocracia ganha, provalmente com muito esforço porque as suas origens são igualmente lá de baixo. Mas como eventualmente entraram na lógica da competição, num país como o Brasil em que o acesso à educação ainda não é para todos, como há cinco décadas atrás em Portugal, a coisa precipita-se num ataque verbal com base em desconhecimento de causa.
Este é um aerodromo (aeroporto pequeno) perto de casa. E era um dos passeios dominicais ou sabáticos! Ao sábado ou ao domigo, vá. A principal razão do meu pai não ser convocado para a guerra em África é que este fez o serviço militar obrigatório na Força Aérea. Além de ter o secundário completo, já era qualificado para outros postos de trabalho, não sendo somente carne para canhão, como uma grande maioria. Lembrar que os soldados eram tramsportados em navios de Portugal para Angola, Guiné, Moçambique não nas mesmas condições dos escravos mas com sentença de trauma, mutilação e morte rápida ou lenta. Muitos desertaram e uns tantos se oposeram a esta guerra. José Afonso, José Mário Branco só para dar um exemplo dos mais emblemáticos, mas muitos outros eram igualmente contra.
Então, care leitor brasileiro: Portugal, enquanto um todo, precisa de assumir todos estes últimos 500 anos com honestidade e ter consciência dos estragos que causou, mas a História não é linear e antes de arrotar postas de pescada sobre uma só versão como se fosse a única e colocar-se de fora pense bem qual o lugar que vossa excelência ocupa na perpetuação de privilégios, desigualdades, atrocidades fruto de resquicios escravocratas E observe bem se um parente, um irmão amigo (?) não tem comportamentos fascistazinhos. Avise-o, por favor, antes de querer chutar os outros. Não precisa de chutar o seu irmão, como não precisa de chutar ninguém. Há uns fascistazinhos que precisamos de manter muita distância, há outros que talvez só precisem de serem avisados da sua babaquice e freados. Porque tendem a zombar das mulheres e não só como do seu próprio irmão. Custa assumir? Acredito, mas tenho a certeza que é libertador para todas as partes.
E assim podemos-nos olhar nos olhos uns dos outros com leveza, rir junto de tudo, menos rir das mulheres, duma nacionalidade porque acha que são todos burros, duma pigmentação dérmica, da fé alheia, das orientações sexuais alheias, da pessoa ser muito gorda ou muita magra. Isso... bilhaque. Só vale rir com ética e de quem oprime porque se acha acima dos outros. Concluindo: dar muito espaço para o Amor e erradicar o ódiozinho de estimação.
A Piu
Br, 18/01/2022


 

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