segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DIÁRIO DE BORDO (penúltimo fim de semana depois de Setembro)


DIÁRIO  DE BORDO (penúltimo fim de semana depois de Setembro)

Sexta- jantar marroquino. Sou bom garfo, boa mão, boa boca. Gosto de todo tipo de comida. A única coisa que o meu estômago reclama é da comida fast food...da. Nêê! Comida vietnamita, chilena, turca, japonesa, mexicana, chinesa, francesa, portuguesa, brasileira, indiana, paquistanesa. Nesse jantar conheço uma moça do Paquistão. Conversamos. Tem outra moça da indonésia que entende bem português, mas quando fala é em inglês. A moça do Paquistão faz o doutorado em Química. Pergunta-me se o meu marido é português. Oooops responder significaria contar-lhe uma parte considerável dos meus últimos anos de vida. Respondo-lhe vagamente, porque se trata da minha intimidade, que muito menos iria expô-la publicamente no facebook e depois a intimidade fala-se, como o próprio nome indica, com pessoas da nossa intimidade. Mas fico um pouco apreensiva, também, quanto a dar-lhe uma resposta que não fira susceptibilidades (cai o p e fica o p. Por via das dúvidas mantenho. Eu falo com p, além de escrever! Toma!). A amiga que está ao lado diz que se separou, ao que a amiga do Paquistão responde: ”Parabéns!” Hmmm, sendo assim, penso, a abertura para o diálogo talvez seja maior do que eu pensava. Conversa puxa conversa e a menina pergunta: ”Vc é católica?” ‘hmmm Agora como é que me desenvençilho desta sem ferir a tal da susceptibilidade?”; “Bem, a minha família tem uma educação católica, mas eu não sou praticante. (cof cof) Na verdade, não apoio uma instituição que cometeu e comete tanta barbárie. “Inquisição, perseguição e fomentação de ignorância, opressão.” Oooops E agora, será que fui longe demais?
A conversa continua. Vai dar no casamento gay e adoção. Eu e uma amiga do México defendemos tais causas, dizendo que onde há amor, cuidado e respeito porque não? Agora fomos longe demais!!! A menina escuta e mantém tranquilidade, mas sentimos algum desconforto. Ela fala da importância da família no Paquistão e que se não se falar muito da homossexualidade não se vai dar ideias às pessoas. Antes de sair pergunta-nos se gostávamos de ir uma mesquita. Eu gostava! Não pelo lado exótico nem com o objetivo de me deixar converter, mas pela curiosidade de conhecer e saber e tentar entender o que por lá se pensa e a acredita. Conhecer as práticas sem juízo de valores. No entanto eu a minha amiga do México ficamos na dúvida se não chocamos a moça.
Sábado-  ando a pensar o que vou falar na escola das meninas sobre Portugal. Não tenho vontade daquela conversa de carácácá do Pedrito que chegou numa caravela e depois isto e aquilo. Acho que é carácácá para ambos os lados. Apetece-me falar do Gil Vicente, dramaturgo da época dos descobrimentos/ achamento, que faz um retrato ainda atual do português e da sua mania de ser mais do que o que é. De ostentar o que não tem, de se endividar por dá cá aquela palha. Gil Vicente é bom. Porque posso ainda falar sobre a evolução da língua. Que ler no original é um desafio hercúleo para os especialistas. E como a língua é viva cada um fala do seu jeito e que essa questão de homogeneizar a língua é também conversa de carácácá. Ooooops Estarei outra vez a ferir susceptibilidades? Gostava de falar também do Agostinho da Silva e da sua vinda para o Brasil durante a ditadura portuguesa, da música do Chico Buarque “Tanto mar”. Também gostava de falar da pintora Paula Rego e da sua visão de Portugal. Oooops será que vai sair muito do que é esperado? Aaaaaahhh! O interessante destes encontros é nos surpreendermos-nos e exercitarmos a nossa capacidade de escuta e de aceitar que não pensamos todos da mesma maneira. Uffaaaa! Ainda bem!

Domingo- a minha amiga do México dá-me a escolher três colares do seu país. Fico indecisa entre dois. Um é feito com uns pauzinhos vindos do deserto intercalado com finas conchas lilases. O outro é feito de pequenininhos búzios  e de pequenas conchas menores que as de berbigão (nunca percebi como se encontra junto ao mar conchas do mesmo tamanho... Um mistério para mim...). O último é mais frágil, mas assenta-me no peito como um imenso mar. Experimento o do deserto e sinto a minha respiração mais tranquila com o das conchinhas. Sinto-me mais perto do mar, que tanta falta sinto. Depois cuidar da fragilidade deixa-nos mais atentos, mais susceptíveis de sermos cuidadosos conosco e com o que nos rodeia.
Despeço-me das minhas amigas e sigo rua afora, imaginado histórias para partilhar aquilo que penso salvaguardando a intimidade e as ilações errôneas. E de repente lembro-me duma história que estou a escrever para a Marta em Portugal sobre “Princesas, Bruxas e Lobos”. Mostro um dos textos a uma pessoa amiga. Ela gosta, mas diz: ’Vais publicar no face book!? Vê lá o que a comunidade do bidê público vai achar!” Pois é, tem razão a moral e os bons costumes tanto estão no Paquistão, como no Japão, como no Brasilão ou no Portugalitão. Acabamos por sermos feitos da mesma massa, só que com algumas nuances. Claro! Quanto a mim, gosto de dar de caras com as nuances. Dá cor à vida!

(imagem: A família, Paula Rego)
A piU
BR, 20 de Agosto de 2012

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