DIÁRIO DE BORDO (penúltimo fim de semana depois de Setembro)
Sexta-
jantar marroquino. Sou bom garfo, boa mão, boa boca. Gosto de todo tipo de
comida. A única coisa que o meu estômago reclama é da comida fast food...da.
Nêê! Comida vietnamita, chilena, turca, japonesa, mexicana, chinesa, francesa,
portuguesa, brasileira, indiana, paquistanesa. Nesse jantar conheço uma moça do
Paquistão. Conversamos. Tem outra moça da indonésia que entende bem português,
mas quando fala é em inglês. A moça do Paquistão faz o doutorado em Química.
Pergunta-me se o meu marido é português. Oooops responder significaria
contar-lhe uma parte considerável dos meus últimos anos de vida. Respondo-lhe
vagamente, porque se trata da minha intimidade, que muito menos iria expô-la
publicamente no facebook e depois a intimidade fala-se, como o próprio nome
indica, com pessoas da nossa intimidade. Mas fico um pouco apreensiva, também,
quanto a dar-lhe uma resposta que não fira susceptibilidades (cai o p e fica o
p. Por via das dúvidas mantenho. Eu falo com p, além de escrever! Toma!). A
amiga que está ao lado diz que se separou, ao que a amiga do Paquistão responde:
”Parabéns!” Hmmm, sendo assim, penso, a abertura para o diálogo talvez seja
maior do que eu pensava. Conversa puxa conversa e a menina pergunta: ”Vc é
católica?” ‘hmmm Agora como é que me desenvençilho desta sem ferir a tal da
susceptibilidade?”; “Bem, a minha família tem uma educação católica, mas eu não
sou praticante. (cof cof) Na verdade, não apoio uma instituição que cometeu e
comete tanta barbárie. “Inquisição, perseguição e fomentação de ignorância,
opressão.” Oooops E agora, será que fui longe demais?
A conversa
continua. Vai dar no casamento gay e adoção. Eu e uma amiga do México
defendemos tais causas, dizendo que onde há amor, cuidado e respeito porque
não? Agora fomos longe demais!!! A menina escuta e mantém tranquilidade, mas
sentimos algum desconforto. Ela fala da importância da família no Paquistão e
que se não se falar muito da homossexualidade não se vai dar ideias às pessoas.
Antes de sair pergunta-nos se gostávamos de ir uma mesquita. Eu gostava! Não
pelo lado exótico nem com o objetivo de me deixar converter, mas pela
curiosidade de conhecer e saber e tentar entender o que por lá se pensa e a
acredita. Conhecer as práticas sem juízo de valores. No entanto eu a minha
amiga do México ficamos na dúvida se não chocamos a moça.
Sábado- ando a pensar o que vou falar na escola das
meninas sobre Portugal. Não tenho vontade daquela conversa de carácácá do
Pedrito que chegou numa caravela e depois isto e aquilo. Acho que é carácácá
para ambos os lados. Apetece-me falar do Gil Vicente, dramaturgo da época dos
descobrimentos/ achamento, que faz um retrato ainda atual do português e da sua
mania de ser mais do que o que é. De ostentar o que não tem, de se endividar
por dá cá aquela palha. Gil Vicente é bom. Porque posso ainda falar sobre a
evolução da língua. Que ler no original é um desafio hercúleo para os
especialistas. E como a língua é viva cada um fala do seu jeito e que essa
questão de homogeneizar a língua é também conversa de carácácá. Ooooops Estarei
outra vez a ferir susceptibilidades? Gostava de falar também do Agostinho da
Silva e da sua vinda para o Brasil durante a ditadura portuguesa, da música do
Chico Buarque “Tanto mar”. Também
gostava de falar da pintora Paula Rego e da sua visão de Portugal. Oooops será
que vai sair muito do que é esperado? Aaaaaahhh! O interessante destes
encontros é nos surpreendermos-nos e exercitarmos a nossa capacidade de escuta
e de aceitar que não pensamos todos da mesma maneira. Uffaaaa! Ainda bem!
Domingo- a
minha amiga do México dá-me a escolher três colares do seu país. Fico indecisa
entre dois. Um é feito com uns pauzinhos vindos do deserto intercalado com finas
conchas lilases. O outro é feito de pequenininhos búzios e de pequenas conchas menores que as de
berbigão (nunca percebi como se encontra junto ao mar conchas do mesmo
tamanho... Um mistério para mim...). O último é mais frágil, mas assenta-me no
peito como um imenso mar. Experimento o do deserto e sinto a minha respiração
mais tranquila com o das conchinhas. Sinto-me mais perto do mar, que tanta
falta sinto. Depois cuidar da fragilidade deixa-nos mais atentos, mais susceptíveis
de sermos cuidadosos conosco e com o que nos rodeia.
Despeço-me
das minhas amigas e sigo rua afora, imaginado histórias para partilhar aquilo
que penso salvaguardando a intimidade e as ilações errôneas. E de repente
lembro-me duma história que estou a escrever para a Marta em Portugal sobre “Princesas,
Bruxas e Lobos”. Mostro um dos textos a uma pessoa amiga. Ela gosta, mas diz: ’Vais
publicar no face book!? Vê lá o que a comunidade do bidê público vai achar!” Pois
é, tem razão a moral e os bons costumes tanto estão no Paquistão, como no
Japão, como no Brasilão ou no Portugalitão. Acabamos por sermos feitos da mesma
massa, só que com algumas nuances. Claro! Quanto a mim, gosto de dar de caras
com as nuances. Dá cor à vida!
(imagem: A família,
Paula Rego)
A piU
BR, 20 de
Agosto de 2012
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