Todos os anos, ali pelo Verão, quando voltava do Algarve a minha avó sempre dizia: " 'Tás preta! Vens sempre preta da praia!" Além de gostar de voltar com o sol na pele ( ainda não se falava dos seus maleficios) essa frase soava musical: semPRE PREta da PRAia. E daí eu pensava: " Se nós pegamos muito sol ou o sol nos pega ficamos pretas. E qual é o problema?" Mesmo assim eu prefiro viver com sol do que sem ele, meses a fio num céu baixo e tristonho à espera que ele acene timidamente. Já tentei viver debaixo da pouca luz berlinense por pouco tempo, hoje quase acredito que não me aguentaria a essa bronca. Vielen Dank. Auf Wiedersehen. Ciao ciao que eu good fico!
Estamos em Julho de 81, dali a um mês faço 8 anos. O Verão passa-se entre mergulhos gelados da Olá. por aqui sorvetes da Kibon, a série televisiva da vizinha Espanha " Verano Azul" que acompanha um grupo de crianças numa praia andaluz que vão viver momentos e aventuras que requerem solidariedade e união. Andam todxs de bicicleta e são amigxs do pescador Chanquete que num episódio quase é despejado do seu barco atracado em terra, onde vive, pelos especuladores imobiliários. Esse grupo de crianças juntamente com a adulta Julia que é pintora cantam fazendo barricada: No! No! No nos moverán! D'el barco de Chanquete no nos moverán!"
Os anos que se seguiriam,tanto no litoral português como espanhol foi o inicio da especulação imobiliária para lucrar com o advento do turismo em massa que se estendeu para as cidades e vilas de Portugal estejam perto ou não da praia. Nesta época, nós portugueses que ousavamos usufruir das praias algarvias que se iam se tornando colónias britânicas de veraneio já eramos tratados como cidadãos de segunda. Lugares haviam que estava tudo escrito em inglês com um custo para o nível de vida do operário britânico que mesmo assim ía pagar em libras que valia muito mais que o escudo. Quando o euro chegou 30 anos mais tarde tudo aumentou para o dobro, agora nos últimos 5, 6 anos Lisboa até está cara para os alemães viverem, segundo um relato que escutei dum berlinense... Enfim...Portugal e Espanha, depois da crise que durou ali entre 2007 e 2017 é vendida pelos próprios governos ao turismo. Em Barcelona e Girona surgem movimentos contra o turismo, "turismofobia" é o termo, e com a sua razão. É INSUPORTÁVEL! SUFOCANTE ESSA FEBRE DE TURISTAS QUE DEAMBULAM DE FORMA DESLUMBRADA, PATÉTICA, CONSUMISTA PELAS CIDADES SEM RESPEITAR QUEM LÁ VIVE E NEM SE DAREM CONTA DO PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO.
Em 1981 muitos portugueses que viveram e alguns nasceram em África, principalmente em Angola e Moçambique, foram forçados a sair de lá e uns tantos voltaram para Portugal e outros tantos seguiram para o Brasil. Compreensivel... A independência desses países africanos era uma menina como eu mais nova dois anos. Faço parte da primeira geração portuguesa sem colónias nem fascismo. Esses países, desafortunadamente continuaram a guerra desta vez civil. As feridas ainda estão abertas e lamentavelmente Portugal ainda sofre dum racismo estrutural e dum saudosismo colonialista, mas existem portuguesxs na contra mão dessa lógica mofa e dacadente. Como tal não precisamos que brasileirxs brancxs ou embranquecidos nos valores mas sem abrir mão dos seus privilégios ou não tendo a consciência dos mesmos venham dar lições de moral entre uma foto turistica um pastel de Belém mal mastigado enquanto ocupam Portugal sem sequer conhecerem as crises de desemprego e a luta dos trabalhadores portugueses e outras injustiças sociais. Em suma, retire o seu pé de cima do meu e o seu cotovelo de dentro do meu olho e não me atire areia para os olhos . Gratinados.
Ainda não tenho aquela real vontade de visitar Portugal, vou esperar um pouco mais que a moda e a febre de Portugal passe, mas o que eu sinto muitas saudades é da minha casa no centro de Lisboa com muitos amigos de todas as cores, comidas angolanas e cabo verdianas com muita música boas vibrações. Muitas dessas pessoas sairam de lá. Umas voltaram para África e outras subiram mais a norte da Europa. Mesmo assim eu prefiro o hemisfério sul não só por ficar preta da praia mas para conhecer com humildade e respeito terras que um dia foram invadidas com avidez ganância e violência.
A meu eterno respeito e admiração aos povos originários cujas culturas são riquissimas em sabedoria, resistência, re existência e bem viver. Axé! Haux haux!
A Piu
Br, 23/11/2022
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