segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ESCUTAR COM OLHOS DE SENTIR

#eumeamo #eumecuido #eudecido

" Não são agora os brancos que vão decidir como nós manifestamos a nossa dor", escrevia Djamila Ribeiro num dos seus livros e que aqui parafraseio. Aquela frase tem vindo a ecoar e a ecoar aqui dentro deste meu corpo onde habita uma alma e um espírito. Um corpo com uma pigmentação para uns mais clara e para outros mais escura consoante a paleta cromática do lugar. Por falar em lugar! Sabermos de que lugar falamos e em que circunstâncias falamos é muito importante para não incorrer em equívocos e desmerecimento das dores alheias e das próprias dores que urgem serem olhadas, trazidas para a luz da consciência, e transmutadas em energia vital para desenvolvermos a nossa melhor versão que sirva ao individual e coletivo.

" Não são agora os brancos que vão decidir como nós manifestamos a nossa dor". Concordo. Porque não haveria de concordar? E mesmo que não concordasse quem sou eu ou somos nós para impedir que alguém que sofre há séculos não só preconceito, que é já uma violência, como subjugação, perseguição, exclusão não grite de dor e até imponha que, enquanto tira esse enorme prego do seu pé que traz há gerações e gerações, os brancos e as brancas mantenham-se a uma distância considerável e em silêncio para que possam escutar a sua dor sem contra argumentar.

Sim, as pessoas sentem dor e por consequência também raiva. É humano. Não permitir isso às pessoas é desumanizá-las. Para as mesmas livrarem-se de toda essa negatividade precisam de pôr cá para fora para que possamos caminhar juntos livres de ódios acumulados e até distorcidos porque nunca manifestados.

Grada Kilomba, nascida em Lisboa com raízes angolanas a morar em Berlim, chama a atenção para a seguinte questão: " Em vez da pessoa dizer que não é racista ela deve se perguntar como desmontar todos os resquícios de racismo estrutural que traz dentro dela."

Por outro lado, depois da catarse de tirar o prego do pé, que é o trauma do racismo, da xenofobia, do machismo, da misoginia, da homofobia, e deixar a ferida cicatrizar precisamos de olhar realmente umas e uns para as/os outras/ outros e encontrar pontos em comum.

No Brasil as questões do recorte de classe social são muito fortes. Nesse aspecto ainda me sinto muito estrangeira para entender todos os contornos dessa mentalidade que ainda é colonialista, porque a criadagem ainda existe muitas vezes com escassas chances de sair dessa condição. De facto da  minha parte tenho alguma dificuldade, além de não me identificar, com os estilos de vida de mulheres brancas privilegiadas em muitíssimos sentidos e entender os seus discursos feministas. Soa sempre a uma lógica Maria Antonieta: " Ai nos anos 80, quando descobri que a minha funcionária ( é politicamente correto falar hoje assim da mulher que faz toda a lide da casa vai se saber se a sua remuneração e condições de trabalho são dignas) pode congelar as refeições. Foi uma descoberta muita emancipatório!" Eu ouvi isto há pouco tempo duma acadêmica paulista que faz parte dum grupo de estudos de gênero. Só um exemplo, entre vários, que presenciei na maioria das vezes calada entre a estupefacção e a intimidação. Nitidamente eu não fazia parte daquele meio académico constituído em parte por dondocas e outras carreiristas que somente pensam nas suas teorias e publicações mesmo que estudem nas Humanas. Sinto muito, mas esta também trazia aqui entalada principalmente quando me rotularam de incapaz. Isso é uma prática patriarcal que essas acadêmicas feministas perpetuam. Pela primeira vez tive a oportunidade de me confrontar com um meio acadêmico que na sua estrutura é reaccionário. Isso foi traumatizante!!! Assim como foi traumatizante estudantes homens brancos, desse mesmo instituto, me assediarem moralmente nas redes sociais invadindo as minhas contas de mensagens sem nunca se empatizarem com o facto de ser mulher, artista performática, mãe solteira, alvo de assédio pelo progenitor duma das filhas, estudante de mestrado de antropologia hoje de arte terapia. Estudantes esses que acham muito engraçado serem como aquelas vizinhas beatas que não sabem cuidar da sua vida e querem dar uma de misóginos para cima aqui da "coroa portuguesa Anarca", achando talvez que vão encontrar nudes para me expor. Eh pá, vão beber chá de erva doce para as cólicas passarem! Eh pá vão mudar a fralda que até essa face as minhas filhas já passaram e é para elas, para as meninas moças da idade delas e para nós todas e todos que escrevo. NÃO PODEMOS ABRIR MÃO DA NOSSA LIBERDADE E DESEJO DE EMANCIPAÇÃO COLETIVA E QUEM SENTE DOR PRECISA DE PÔR CÁ PARA FORA PARA QUE SEJAMOS PEGXS PELO AMOR SEM EXCLUSÃO DE NENHUMA DAS PARTES.

Para rir também precisamos de chorar. Para nos libertarmos precisamos de olhar para aquilo que nos aprisiona, nomeadamente os nossos preconceitos e não permitir que sejamos reprodutorxs de subjugação nem nos deixarmos subjugar por ninguém!!! E isto toca a todxs. Quem nunca foi preconceituoso e agressivo? Quem nunca foi alvo de preconceito e agressividade? Eu já, principalmente no Brasil, por ser branca, portuguesa, artista, trabalhadora, muitas vezes a contar os trocados para o básico e perder a vergonha na cara de pedir ajuda. Sinto muito por todxs nós, mas continuo a ter esperança na Humanidade!!!

Beijinhos e bom final de ano pleno de encontros auspiciosos no mundo inteiro e arredores e neste Brasil que tanto amo, respeito e estou grata por todas as oportunidades de crescimento espiritual, artístico e intelectual

A Piu
Brasil, 16/12/2019





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