Como portuguesa a viver há um bom par de anos no Brasil, um dos meus grandes interesses é entender como tem sido o processo histórico da condição da mulher e da sua emancipação tanto em Portugal como no Brasil. Conheço relativamente bem o Brasil e como a maioria dos homens se relacionam com as mulheres, como as mulheres se relacionam com as mulheres e homens com homens e outros géneros assumidos. Mas infelizmente ainda é gritantemente patriarcal. Porém ainda preciso de observar mais, escutar mais e vivenciar mais este imenso país duma diversidade imensa de trajetórias e modos de vida.
Como tal vou, de momento, focar-me na realidade de onde venho que é Portugal. Desde já devo dizer que é um enorme prazer mostrar ao Brasil que tem acontecido em Portugal nas últimas décadas como luta feminista, anti fascista e anti imperialista. Se por um lado considero que é um gesto generoso, considero ainda que é uma forma de desfazer alguns equivocos, logo preconceitos. O preconceito, por ser injusto, não é amistoso.
No inicio dos anos 70 as três Marias juntaram-se para escrever " As novas cartas portuguesas", assumindo o risco que corriam. Pois com um olhar critico em relação à época que se vivia duma guerra colonial, ao fascismo e à condição da mulher. Maria Teresa Horta escreve " Senhora de mim" e é perseguida pelo PIDE e pelos mentalidadezinha portuguesa que tratava as mulheres como criadas, freiras e devassas. Isto em 1970/ 71. Depois duma sova em praça pública resolve convidar mais duas autoras para escrever a três mãos " Novas cartas portuguesas", tendo como referência as cartas ardentes da freira Mariana Alcoforado. Resultado foram processadas judicialmente pelo teor obsceno e subversivo do livro. Houve passeatas fora de Portugal, nomeadamente em Paris onde Simone de Beauvoir estava.
Obviamente, que para muitos em Portugal, o Maio de 68, a contracultura, a revolução sexual antes de 74 passsou completmente ao lado, elas são umas devassas armadas em intelectuais. Mas isso é próprio duma mentalidade mesquinha que enfatiza a cruz do sofrimento católico apostólico romano. E as mulheres que mexem com o poder das plantas, da inteligência emocional e que querem assumir a sua própria libido sem se submeterem são enviadas, ou tentam enviar, para a fogueira. Por vezes nem são enviadas para a fogueira, mas são alvo de escárnio daqueles que acham que as mesmas ou são mal comidas ou são umas devassas. Aqui no Brasil esse perfil másculo é bastante comum, mesmo vindo de homens aparentemente informados e emancipados. Já em Portugal, alguns, parecem assumir um arzinho de que não sabem do que se trata porque muitos acham um horror os jogos de sedução então ficam só pelos juizos de valor e pelo " A credo! ". Os mesmos que comem nas beiradas dum casamento aparentemente estável e ainda metem a mão no peito e com aquele ar saudosista olhando para a torre de Belem choramingam: " Nós demos novos mundo ao mundo!" Mas resta lembrar que o projeto foi de saque até hoje no Brasil, por exemplo, assim como em Angola e que muitos dos aventureiros faziam com as nativas o que não ousavam fazer com as suas castas esposas que deixavam do o outro lado do mar com os seus elegantes cintos de castidade. ;)
Em suma, ainda há muito caminho a percorrer, pois o que demora mais nem é deixarem de existir cintos de castidade e sim mentalidades moralistas, por isso perversas. Cada uma e cada um terá de fazer o seu exame de consciência, porque esse formato já deu o que tinha a dar de sofrimento. E nós queremos é amor e prazer com qualidade. É ou não é?
A Piu
Bolhão, Brasil 10/3/2019
" Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei"
José Mário Branco
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