Meu querido diário, ontem na fila (fila!!!
aiiii! vamo lá a ver mais a tal da piadinha de como se fala fila nos
Portugais! ;) ) do banco (banco.... ufff nunca mais me vejo livre dessas
catedrais do endrominanço.Um dia hei-de escrever um dicionário
de giria luso-brasileira, mas para bom entendedor meia palavra basta).
Retomando, estava eu na fila para a caixa do multinando e numa grande e
visivel placa estava inscrito as pessoas que tinham prioridade. Atrás
uma senhora trazia uma criança ao colo. A fila ainda levava umas tantas
ou quantas pessoas. virei-me e falei que ela tinha prioridade. A senhora
hesitou. ficou parada no mesmo lugar e fez um "ãããã" de encolher os
ombros. Quando chegou a minha vez não voltei a oferecer-lhe lugar. Se a
pessoa não está para defender os seus direitos fazer o quê?
Meu
querido diário, no dia anterior numa outra fila (!!!.... aiiiii!) desta
vez do supermercado (um destes dias, quando souber trabalhar a horta
deixo de lá ir de vez. putchiiiii agora sim fui longe demais no
onirismo) uma senhora indignadissima dirigia-se à moça da caixa:"Sabia
que agora os lugares de carros para deficientes são ocupados com mães
com crianças? Eu devia ter chamado era a policia!!" Meu querido diário,
eu sei que à vezes devia segurar-me mas não resisti e disse:" Acha que é
caso para chamar a policia? Bom, eu às vezes tenho mais receio desses
sujeitos do que daqueles que são considerados bandidos." Ao que a
senhora respondeu:" Eu tenho receio dos dois! Mas qualquer dia chamo a
policia! Por isso o Brasil não anda para a frente!" E em fracções de
segundos a fina moeda de ouro da dita senhora caiu na mais profunda da
sua essência. Olha aqui para mim, para o kamikase adestrado, e fala:"E
você vá para a sua terra que lá é que está bom! (o kamikase adestrado
olha primeiramente com uma surpresa genuína e depois com arma de
arremeço, dando aquela pausa e silêncio teatral sem perder o timing que
permite uma resposta considerada à altura do cutucanço) Sim, você é
daqui? É brasileira? Vá para a sua terra!" Vai daí que mantendo a
altivez low profile, abafando aquele kamikase que brota do mais profundo
do ser, respondi num espanto naturalista:" Para a minha terra? Para a
Alemanha?" A expressão facial da senhora estremeceu.A sua boca tremelica
transtornada, desconchavada, desorientada. Balbucia:" Mas voce fala
português." "Pois falo, vivi lá muitos anos. Sou da Alemanha e da
Itália. Se a senhora quiser voltar para a terra vamos juntas, mais os
seus antepassados que vieram para cá sem eira nem beira." (Bom, alguns
não vieram... Mas para o caso não é essa a questão ou até poderia ser.
Mas escolhas tinham de ser feitas sempre num estilo low profile).
Meu querido diário, agora pergunto-me: Até quando as mentes serão
simplesmente sombras de algo que se anseia ir para a frente? Já agora o
que é ir para a frente? Parece-me às vezes que estamos a andar para
trás. E não é por ser aqui ou na Conchichina. Aqueles onirismos de que
os países ditos de primeiro mundo são mais esclarecidos também andam com
a data de validade caducada. Certa vez em Copenhaga,vinda de Berlim,
por momentos fui uma pop star. uuuhhh de Berlim! Que máximo! Mas a coisa
não desenvolveu. A curiosidade ficou só no pé da oliveira. Azeite que é
bom... nada. E depois de eu ter dito o meu nome de sorriso e mão no
peito (foi o primeiro gesto que surgiu) o pessoallá escarneceu entre si
na sua língua, continuando o seu convivio excluindo a "estrangeira" de
seu deleite social noturno. Por momentos fiquei na dúvida se o meu "My
name is Ana" não teria soado "My name is Hanna!" já que o meu gesto terá
soado como um salamaleque árabe. Na verdade, meu querido diário, o que
eu gosto mesmo de Berlim é o bairro de Kreuzberg repleto de diásporas
várias. Gosto do cosmopolitanismo da cidade cheia de parques verdes e
caminhos para bicicletas. Gosto da tranquilidade das pessoas nas ruas.
Dos carros que param para pedestres e ciclitas passarem. Será que é
porque Berlim já viveu tantos tormentos que agora precisa um pouco de
paz? Um dia ainda hei-de viver em Berlim! Pena que não tenha sol
suficiente e aquele calorzinho que tanto me aquece a alma. Mas aquece-me
a alma sair numa cidade de todas as cores e comer fruta vendida pelos
turcos e sushi dos japoneses e rir-me com os espanhois e entabular
conversa com iranianos. Quanto ao resto da Alemanha... Não sei, não.
Bom, mas nada como viajar. Com muitos ou poucos recursos. Por vezes os
fartos recursos até impedem que o ser vivente joge com as
circunstâncias. O chamado jogo de cintura cujas relações que se
estabelecem, ou não, definem de algum modo a forma de ler e estar no
mundo.
foto tirada em Berlim em Setembro de 2011
a piU
Br, 1 fev.2013
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