domingo, 22 de agosto de 2021

NÓS QUEM?


A cada dia que me levanto e que me deito neste imenso território sul americano o meu olhar, a minha respiração suspende-se, inspira-se, expira-se, encanta-se, constrange-se e só posso agradecer a oportunidade de tal experiência. 

Muitos mundos em variados universos, sabendo de antemão que a separatividade  é um bloqueio mental. Olhar e escutar com atenção é um exercício, uma  prática para nos aproximarmos um pouquinho mais.

Eu sempre parto do principio que o 'Outro' está bem intencionado. Ingenuidades, pensarão uns. Pode ser. Mas é também um principio até que os calos se sintam cansados de serem pisados com frequência.

Aqui estou eu no Algarve em Julho de 78. 'Vocesses' sabiam que as palavras e os lugares que começam por 'Al' são de origem árabe/ moura? Algarve, Alentejo, Alfama, alguidar ( bacia), alface ( será? esse pessoal aí, considerados infiéis, trouxeram para a Península Ibérica sistemas de plantio e regadio muito à frente).

Não tem como negar que muites de nós somos de origem moura, norte africana. 

Há uns dois dias assisti a um filme sobre um assunto que eu já desconfiava e há muito que procurava mais sobre o assunto e cheguei a escrever roteiros para teatro lambe lambe acerca de.  'Vocesses'  querem saber do que se trata? Sim ou não? Mesmo se não eu vou falar na mesma e  'vocesses' são obviamente livres de ir ler, escutar, fazer outra coisa do que continuar a ler-me. Eu também tenho separado o trigo do joio e o joio do trigo. Para babozoeiras que não levam a lado nenhum a não ser ser uma reprodução de ideias e práticas preconceituosas a pessoa pega no seu ser recheado de amago e vai às suas babozeiras que não prejudiquem a dignidade de ninguém. 

Então lá vai: assisti a um filme de Alan Fresnot cuja autoria é de Ana Miranda. "Desmundo'. Passa-se em 1570 no Brasil colonial onde meninas, mulheres órfãs portuguesas que agora estão sobre a tutela da coroa e da Igreja são enviadas para serem desposadas pelos colonos portugueses e assim estes procriarem e perpetuarem a raça (?!). A protagonista Oribela tenta rebelar-se, mas em vão... 

Sim, eu como mulher portuguesa nascida no inicio dos anos 70 já num país em vias de democratização. logo de emancipação da condição feminina, - onde os países africanos tornam-se independentes de Portugal mas nem por isso independentes  de outras potências imperialistas - tenho o dever ético de resgatar a nossa história, aquela que não foi contada nem pelos manuais e compêndios muitos menos por aqueles e aquelas que ainda batem muitas palmas a um processo que de civilizatório deixa muito  a desejar. 

Acredito que para falarmos dos nossos direitos precisamos de olhar para os nossos deveres. O direito a me expressar é consequência do dever a escutar os almejos de liberdade e dignidade, a dor, a ferida de povos que foram subjugados e não vir com babozeiras que houve uma 'fusão cultural' e que "nós temos muito orgulho dessas peças forjadas a diamantes que se encontram numa galeria no Porto". Nós quem? Dá licença. Essa converseta sonsa e obtusa já expirou. Tire o seu diamante do caminho que nós queremos passar com o nosso amor e a nossa dor curada. 

A Piu

Campinas SP 22/08/2021

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