Á distância de 40 anos confirmo ainda mais assombrada, numa assombração que surge dum raio e dum corisco que divide uma época de outra, que eu e a minha geração somos fruto dum tempo de "paz" (?) em que o pus colonial e imperialista espirrou em várias direções. Muitos foram atingidos sem saber muito bem o que estava a acontecer, visto a maioria do "meu" povo português viver sob o jugo do obscurantismo duma narrativa única onde a desobediência e o pensar eram severamente punidos tanto pelo Estado como pela Igreja. Um povo cuja maioria vivia até 1974 na pobreza, na desnutrição, no duro trabalho rural iniciado desde a mais tenra idade, muitos sem se quer porem os pés na escola. Falo do povo português que vivia na então chamada Metrópole, Portugal continental e seus arquipélagos.
Em meados de anos 50, enquanto muitos países já viviam a descolonização, o manda chuva Oliveira de Salazar acenava aos portugueses as vantagens de povoar as colónias africanas. Não as queria perder, o malandreco. Luanda, Lourenço Marques ( atual Maputo) passaram a ser cidades muito mais desenvolvidas e cosmopolitas que Lisboa. A mim parece-me que muitos dos brancos portugueses no seu país natal eram uns nada ou quase nada e passaram a ser uns senhores. Um processo idêntico aos brancos brasileiros. Tempos dourados, cheios de regalias, mordomias duma época, como os anos 60, que o consumo emerge. É incrivel assistir a documentários de propaganda nacionalista da época: belas praias com palmeiras, avenidas grandes e modernas, carros, barcos, restaurantes de luxo, mesas ao ar livre onde a cerveja Cuca não falta, pessoas brancas esplendorosas ( nem parecem portuguesas e sim alemãs, como li num comentário num desses documentários. Cof cof... Sem comentários. Eu também já passei muitas vezes por francesa e alemã e nem por isso nego as minhas origens ou sinta necessidade de colocar o bigode que trago dentro da bolsa para confirmar a minha nacionalidade aos desconfiados).
Sim, com a revolução dos cravos que passa pelo movimento das forças armadas dar golpe militar para acabar com o fascismo e a guerra trouxe dissabores aos portugueses que viviam em África e tiveram que vir às pressas, fugir para não serem mortos, muitos deles queimados vivos. É horrivel? Claro quer é! É injusto? Na verdade é dificil de responder a essa pergunta... Que sentimento cria num povo, vários povos subjugados a muitos séculos de mercantilismo, exploração, escravatura, racismo, machismo ? As mulheres foram e são brutalmente violentadas em todo esse processo histórico e não há cá mas nem meio mas, que estas são muito mais desenvoltas e sensuais que as portuguesas. Portuguesas essas vitimas também desse patriarcado doentio que castra e distorce tudo o que há de sensual e espontâneo para dominar/ subjugar. Então caro leitor em vias de desconstrução: não somos pau para toda a obra, tampouco bonequinhas troféu descartáveis e se a coisa apertar muito as vassouras das bruxas giram no ar. E atenção aí em objetificar as brasileiras e acharem que a profissão de todas é abrir as pernas. Gratinados pela compreensão em respeitar as pessoas e as mulheres, no caso. Sejam estas coxinhas, mancas, de punho erguido ou simplesmentes seres humanos que acham fixe viver em Portugal.
Esta foto data do ano lectivo de 1980/81, ano em que a mesma foi inaugurada por um pessoal retornado de Moçambique. Faz sentido, não? Volvidos 5 anos depois da debandada aos milhares para Portugal e muitos para o Brasil, que além de não conseguirem se adaptar ao provincianismo português assim com aos movimentos populares que aproveitaram para gritar LIBERDADE aos quatro ventos, muitas vezes duma forma impulsiva e ingénua, própria de quem tem a existência aprisionada durante muito e muito tempo. Foram tempos de pagar o justo pelo pecador... Os retornados foram mal recebidos em Portugal, porque além de serem vistos como os colonos exploradores ( muitos eram trabalhadores: mecânicos, eletrecistas que faziam a sua vida honestamente sem explorar ninguém e misturavam-se). Mas os tempos eram de revolta, uma grande bolha de pus de 500 anos não é brincadeira!!!! Muitos portugueses ainda são uns reacionários e não entendem o estrago que Portugal fez. Mas outros não, e muitos foram resistência. Então respeitinho a esses. A gerência agradece.
Sim, eu convivi com os coxinhas da época, mas enquanto criança isso não me tirou nenhum pedaço, pelo contrário a escola tinha um imenso recreio de terra e muitas árvores e eu fazia rir os meus amigos, mesmo sendo timida, com as minhas malucadas. Respiravamos liberdade e haviam alunos de várias cores e feitios. Não falavamos de politica mas eu tinha uma amiga que sempre se lamentava de ter tido muitos criados em Moçambique e ela sim tinha o nariz perfeitinho, o meu não era perfeito segundo a sua visão. Era mais abatatado, ao passo que eu seu nariz era duma perfeita branca, Ai ai! Mas eramos amigas e ela era alegre assim como os seus pais. Ah! E os meus primeiros amigos brasileiros foram feitos nessa escola. Olha que eu sou um nó para me lembrar de nomes, mas lembro da Adriana falar: " Você fala maluco como a gente! Você tem de conhecer o Brasil!" Já em casa, por escutarmos MPB eu achava ingenuamente que todas as pessaos no Brasil pensavam como o Milton Nascimento. E esta, hein?
Hoje pergunto-me, se alguns brasileiros que foram para Portugal não são os retornados coxinhas contemporâneos, só que achando que quem está lá é que é escravocrata. Enfim. Nem vos digos nem vos conto as equivocalhadas históricas que eu já escutei por aqui de pessoas supostamente informadas. Ainda há muito racismo e machismo em Portugal, mas conhecer a História com as suas múltiplas dobras e escritores portugueses como Walter Hugo Mãe ( Angola 1971) , Gonçalo Tavares ( Angola 1970) que são pessoas que prezam a liberdade é no minimo digno.
Por exemplo, eu quando cheguei ao Brasil tratei logo de ler Darcy Ribeiro, a biografia de Clarice Lispector, da Olga Benário e procurar escritores e escritoras afrodescendentes como a Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro assim como indigenas Eliane Pontiguara, Daniel Manduruku, Krenak, Kaka Werá e muites e muites outres! Penso que além de digno é digno. E ainda digo mais! Digno.
A Piu
Campinas SP 07/08/2021
foto: Teresa ( eu, porque haviam muitas Anas, com a professora Teresa uma fixola. Uma fixe bacana que tinha uma paciêncioa para as minhas risotas e distrações na aula que só visto!)
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