sábado, 10 de abril de 2021

É TUDO UMA QUESTÃO DE CLASSE?

 

Há exatamente  25 anos, eu ai io io io, pisava pela primeira vez esta terra brasileira. No caso, a tal da cidade maravilhosa onde o Zé Carioca mais o seu amigo Nestor se aventuravam pelas praias e quebradas. Também conheci de raspão Cuiabá, no Matogrosso onde a Cuca e o Saci Pererê aparecem nas áreas ainda não desmatadas. " Cuidado com a Cuca, que a Cuca te pega, te pega daqui, te pega de lá!"

Para mim ainda é um grande quebra cabeças entender a desigualdade social brasileiras e as classes sociais desta e daquela pessoa, assim como ainda não entendi na plenitude em que classe me insiro dentro dessa realidade. E não tem a ver somente com recursos financeiros, oportunidades - que num país desigual rapidamente vira privilégio, até a espiritualidade e as ideologias igualitárias se gourmetizam. Também o que entendo por classe média, que tem a ver com classe trabalhadora que vive dignamente do seu trabalho sem grandes luxos mas sem sufocos, nem sempre se encaixa nas variadas realidades com as quais eu tenho contatado. Mas o que me pega mesmo são os princípios, a (in)capacidade de enxergar a outra pessoa sem rotular com ideias pré concebidas muitas vezes errôneas.

Esta foto leva-nos para o ano da graça do senhor de  1958, num jardim público ou privado de Carcavelos, localidade litorânea perto da capital portuguesa, Lisboa. Esta é a minha mãe que nesse ano tem 11 anos e que acabara de de se livrar dum professora cuja pedagogia era déspota, onde reguadas, puxões de cabelo e humilhações várias são revestidas com uma obediência aos inspetores faxixi. A sô dona professora Carmen, que não é a Miranda, é ilustração duma mulher que deixou a sua humanidade, a potência de ser mulher adoecer por um regime cuja população era na sua maioria analfabeta e pobre.

Pois é, querid@s leitores, esta menina que é a minha mãe é filha de migrantes? Retirantes alentejanos ( o equivalente aos nordestinos com o mesmo tipo de piadola e tudo. embora eu goste de ouvir um alentejano contar piadas de alentejanos. Como nós portugueses no geral contamos piadas de nós mesmos. Já alguém vir fazer piada dum grupo ao qual não pertence ou até pode ser descendente mas simplesmente nem percebe que o que reproduz é preconceito com intuito de desdenhar e escarnecer o outro aí já não acho graça...)

Não sei em que jardim esta foto foi tirada, mas se foi num jardim que não público muito provavelmente é duma patroa da minha avó a quem esta limpava a sua casa. Não sei sinceramente. Sei sim, que as nossas origens não são motivo de vergonha;  principalmente quando são de pessoas trabalhadoras que saem do campo para  a cidade ou seus arredores, pois vislumbram uma vida melhor para a sua família. Muitos nesta época emigraram para o Brasil e conseguiram enriquecer à custa de muito trabalho, sacrifício e em alguns casos com aquela ginga de levar vantagem sobre o outro. Alguns estudo mostram que os alentejanos não saíam do país pois o seu objetivo  não era enriquecer e sim viver dignamente sem ser explorados no campo.

Alguns, provavelmente, olharão para esta foto e dirão: " Olha uma menina loura, branca de olhos verdes rica europeia! Ah E de Portuga! que enriqueceram às nossas (?!) custas!" " Pronto, se chegou até aqui acredito que se pensou isso já não pensa mais, porque escutarmo-nos, informarmo-nos, sabermos quem somos, os contornos da História e suas oligarquias, diásporas e não rotular é um passo muito grande para termos consciência de classe. Defendermos ideologia e praticarmos linhas espirituais é cinco estrelas, mas com consciência de classe. Que a minha realidade e acesso à educação, habitação. saúde, alimentação não é a mesma que a pessoa que está ao meu lado, tenha esta a fisionomia que tiver. Consciência de classe é valorizarmos o nosso trabalho, valorizar o trabalho dos outros. Em suma, respeitarmos e fazermo-nos respeitar por quem somos, com o nosso trabalho ou simplesmente pela nossa presença empática. Isto é o que me vem à cuca, muito resumidamente.

Porque escrevo isto tudo? Para não me sentir só, muita se outras vezes. Como muitos e tantos de nós e muitas e várias vezes por motivos vários. Ser do bem não é só cantar Chico Buarque e vestir saias compridas e erguer punhos e gritar que tá tudo errado ou falar namasté e maravilhoso para tudo. É um pouquinho mais que isso. 


A Piu

Campinas SP 10/04/2021

Sem comentários:

Enviar um comentário