domingo, 3 de janeiro de 2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - II

 Quando penso em " pequeno burguês" vem sempre à memória " A boda dos pequenos burgueses", peça do Brecht escrita em 1919 e estreada em 1926; antes da segunda grande guerra que depois dela foi o grande disparo no consumismo e em todos os valores associados. Resumidamente pequeno burguês é alguém que vem do povão a ascende à classe média remediada e até m ascensão, mas por vezes armada aos cucos. Armada aos cucos é achar que mais que os os outros que fazem parte da sua classe de origem, do qual nunca saiu só mas passou a ter um pouquinho mais de poder aquisitivo porque o que conseguiu é fruto do seu trabalho e negociatas e achar que cada um tem de se virar por si, porque a vida não 'tá para brincadeiras e o coletivo que se lixe. Existem pequeno burgueses que na teoria até são amigos do povo, mas com as devidas ressalvas. São amigos do povo, porque foi de lá que vieram, e como sentem alguma inveja dos ricos criticam-nos. No fundo no fundo o sonho dum pequeno burguês  ou outro é ser patrão de escrúpulos duvidosos e ser rico. Pelo menos ter uma casa na praia e todos os domingos fazer grandes almoçaradas, poder ter um grande carro, de preferência cada um da família ter um: mãe, pai, filho, filha etc.

Da minha parte considero que ter poder aquisitivo e desfrutar da vida não tem problema absolutamente nenhum. Viver num lugar bonito, ter comida na mesa, permitir-se a alguns mimos é digno. Poder viajar, ter acesso democrático à educação, arte e cultura. Principalmente quando isso é fruto do trabalho ou de um investimento que não foi à custa de enganar ou explorar ninguém. Ter hábitos pequeno burgueses mesmo assim é diferente de ter valores sociais pequeno burgueses como aqueles acima descritos: individualismo, ostentação, desejo de ascender ao lugar do opressor. Mas mesmo tendo hábitos de consumo pequeno burgueses, como passar umas férias num lugar incrível, maravilhoso com comida e bebida à descrição, por exemplo, urge repensarmos nesses hábitos, se são ou não sustentáveis e éticos. Existem praias em Cabo Verde, por exemplo,  que são de acesso restrito aos resorts. Os locais não podem ir...

Dando continuidade aos textos em torno da " Irmã outsider" de Audre Lorde que começa com apontamentos de uma viagem à Rússia em 1976 durante duas semanas para uma Conferência de Escritores Africanos e Asiáticos ela escreve de forma honesta sobre aquilo que apreendeu. Diz que o que a irrita nos EUA é a pretensão deste em ser honesto, centrado no lucro e não nos seres humanos. Ao passo que na Rússia se fale mais da importância dos seres humanos, embora a escritora não esteja  convencida. Ela percebe alguma paz podre num discurso propagandístico, embora continue a admirar as mulheres do bloco soviético entende que a luta das mulheres negras americanas estará na boca do dragão como a própria define. Ou seja, unidas unidas mas não muito.

Volvidos 32 anos da queda do muro de Berlim afirmarmos individualmente que não temos tod@s muito ou pouco de hábitos pequeno burgueses é no mínimo desonesto. A questão é estarmos conscientes se estamos preparad@s ou não para sermos solidári@s, independentemente da nacionalidade, cor e género. 

No próximo texto falarei da importância de honrarmos quem somos na nossa condição. Por exemplo eu: sou mulher, branca, da Europa do sul ( Portugal), sou mãe, até onde sei e experimentei sou heterossexual, sou trabalhadora, sou artista profissional, sou formada em artes cênicas, antropologia social e com arteterapia em andamento, moro no Brasil, as minhas origens são camponesas, os meus pais foram a primeira geração de pequeno burgueses, trabalhadores por conta de outrem, sem pretensões de serem mais que os outros ou de passarem por cima de alguém. Eu sou da segunda geração que mesmo assim não teve as mesmas regalias trabalhistas fruto de conquistas da época que atravessa os anos 70 até meados dos 90 nas empresas e repartições públicas. Agora a história é outra nesta sociedade liquida pós moderna neo liberal. Mas novos caminhos se abrem, alternativos a esta pauta que nos levou até aqui como sociedade globalizada.  


A Piu

Campinas SP 03/01/2021






 

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