domingo, 31 de janeiro de 2021

APRENDE A RELAXAR, COMPANHEIR@

    Para mim as memórias de infância são como eixos. Há quem não se lembre da sua infância. A minha vai até lá atrás quando me mudavam as fraldas, que ainda eram de pano e agora quem tem consciência ecológica e tempo para lavar voltou a usar nos seus e suas petizes. Memória do cuidado e da luz doce que entrava pela janela do quarto rosinha bebé próprio de uma menina como eu. ihihih Ainda hoje gosto desse rosa suave, mas dispenso habitar no planeta pink, onde tudo é oba oba e maravilhoso. Uma espécie hiponga de boutique ihihih. Ser hippie ou alternativo de verdade dá trabalho e vamos contradizer-nos e errar muitas vezes. Como tal, a galerada alternativa não faz parte do planeta pink que também é conhecido pela terra do nunca. ihihih

Antes de saber ler eu já conhecia a lombada do ' Cem anos de solidão', do escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez. Passava por ela todos os dias quando ia para o meu quarto. Mais tarde, com uns 12 anos tirei-o da grande estante de livros que contornava o corredor. Na contracapa lia-se sobre a importância da solidariedade. Esse termo começou a reverberar cá dentro desde essa época, como um formigueiro que se alastra e que nos pica, morde e dá coceira quanto ao caminho a seguir e a entender.

Para mim solidariedade é o que pauta a vida. Nela está contido empatia - capacidade de nos colocarmos no lugar das outras pessoas no individual e coletivo; compaixão - capacidade de se dispor a escutar a necessidade alheia e prestar-se a ajudar sem ceder aos benefícios próprios. Isto é, sem almejar que dali tirará vantagem para si; procurar ser justo e honrar a verdade sem ceder a manipulações - embora possam existir muitas verdades consoante as versões, existe algo que une na essência. Ao passo que a mentira não tem ponta por onde se lhe pegue, logo não se sustente. Embora possa se perpetuar no tempo. Mas o que é não deixa de ser, enquanto o que não é nunca foi é mera ilusão e desfoque daquilo já é e sempre foi. E a grande cereja no bolo é A-M-O-R I-N-C-O-N-D-I-C-I-O-N-A-L. Para mim é isso que faz alguém especial.
Para sermos solidários precisamos de estar informados, de várias fontes, ou pelo menos não nos movermos por achismos.
Há uns dias voltei a escutar algo tão evidente mas que precisamos de escutar e interiorizar. ' Se queremos receber amor, precisamos doar amor. Se queremos receber confiança, doar confiança. Solidariedade, empatia, leveza e por aí vai. '
Por vezes só queremos receber, e nem temos consciência que não nos estamos doando o suficiente. Como tal, auto observarmos-nos é importantíssimo. Quando nos comprometermos a esse olhar para dentro largamos os julgamentos. O julgamento de si e do outro. Porque sabemos o quanto é trabalhoso desconstruirmos-nos e a grande chave da grande porta é que essa porta é para todes onde não há perdedores nem vencedores. Todes são vitoriosos nesse caminho de nos despirmos das nossas auto sabotagens, competições, comparações, ansiedades, inseguranças e tristezas de estimação assim como raivinhas.
No próximo texto falarei sobre feminismo vegano, outro grande desafio - pelo menos para mim- de sair do piloto automático para viver duma forma mais consciente e leve. Não é um caminho linear, pelo menos para mim. Sabermos que sempre falamos dum lugar com as nossas experiências, facilidades e dificuldades em nos desconstruirmos é fundamental. Já é meio caminho andado para nos despirmos da fúria de impingir as nossas verdades aos outros, assim como julgamentos, e somente compartilhar processos que inspiram, porque também fomos inspirados por alguém, como uma corrente.
AH.... E confiar no fluxo da vida. Eu descobri um dia, quando quase me afogava no mar, algo muito importante. Relaxar e corpo e manter a respiração o mais coordenado possível, ao invés de nadar contra uma corrente mais forte ou marés vivas, e assim mais tarde ou mais cedo chegamos a terra sãs e salvas. Mesmo quando somos enrolados por uma grande onda confiar no destino. Sempre nos doando.
A Piu
Campinas SP 31.01.2021











 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 A aldeia tupi-guarani Awa Porungawa Dju faz parte deste arvoredo. Aqui o projeto Arvorecer de casa em casa a aldeia compartilha conhecimentos ancestrais, música, fitoterapia, práticas de cuidado e muito mais.


O Arvorecer surge em meio à pandemia e busca criar e espalhar uma floresta de materiais que nos ajudem a viver junto, entre humanos e não-humanos, estes tempos de densidade, angústia, injustiça e indiferença.

Além da aldeia o projeto reúne mais de 20 profissionais que compartilham mensalmente seus saberes e práticas, são artes, ciências e filosofias que buscam nos fazer sentir que estamos mais vivos e juntos do que nunca!

O projeto também visa gerar renda para a aldeia e profissionais envolvidos. Para a produção desses conteúdos precisamos de apoios. Para isso temos uma campanha aberta no Padrim e também é possível colaborar com qualquer valor depositado em conta. Confira os links na bio.
http://www.arvoreceremcasa.com.br/
padrim.com.br/arvorecer

Banco do Brasil, Ag. 6962-0, C/C 46662-0, CNPJ da Associação Ritmos de Pensamentos Educacionais, Ambientais, Artísticos e Culturais 35.687.133/0001-62!

O projeto Arvorecer de casa em casa conta com um grupo de guardiões que atuam nos grupos de pesquisa multiTÃO (do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) no grupo Sementeia, ambos da Universidade Estadual de Campinas- Unicamp, e na associação Ritmos de Pensamentos Educacionais, Ambientais, Artísticos e Culturais.
@vivencianaldeia
#aldeia #tupiguarani #turismo #ecologiapolitica #fitoterapia #culturaamerindia #cosmovisão #arvorecerdecasaemcasa #floresta
  • Photo by Arvorecer de casa em casa on January 29, 2021. A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e atividades ao ar livre.

HANAH PIL

 " É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar." Gilberto Gil

Há precisamente 9 anos eu chegava com duas filhas de malas e bagagens ao aeroporto de Viracopos. Muitos copos já se viraram desde então. Uns quebraram, outros resistiram e outros re existiram. Só tenho a agradecer cada dia que passa, cada desafio, cada superação que a resiliência traz para sair do piloto automático.

Chegámos no auge da crise financeira e desemprego em Portugal. em que muitos conterrâneos migraram para outros destinos planetários.  Hoje, o "meu" Portugalito está maquiado de gourmetização e virou moda. Ainda penso:' Quais são as oportunidades que os próprios portugeses ainda não sacaram? Como são vistos os portugueses por quem migra para lá? Quem migra conhece de facto Portugal intimamente com suas resistências e desistências de si mesmo?" Livrar-me do ressentimento que isso me provocou tem sido um grande desafio, entre outros. Sair da matrix É O DESAFIO. Dá trabalho, por isso é um desafio.

Viver no Brasil é um desejo antigo com um propósito muito maior. Ir ao encontro da riqueza cultural e social que este grande território emana, independentemente de (des)governos.

Artistas , pensadores, pedagogos, escritores, terapeutas, ativistas (populares e não populares sem populismo e pseudo erudição).

Ainda não entendo todos os códigos de conduta daqui, assim como os discursos internos institucionalizados que por o serem são rasos. Por exemplo: " Os portugueses vieram e fizeram isto e aquilo no Brasil..." ( sim, é absolutamente verdade a triste história que até hoje se perpetua de invasão e violência), " Portugal é bom demais para se viver.", talvez seja, para mim já deu e guardo o meu país no coração sem patriotismo agradecendo cada oportunidade de crescimento aprendendo a dizer "sim" e " não". Mas pergunto-me o porquê de tal afirmação. O que se admira e quem se admira em Portugal para virar o paraíso de um dia para outro? Eu admiro muito o Brasil, desde criança.e cada vez mais admiro os indígenas, os afro descendentes, as mulheres, os homossexuais e tran desta terra, assim como todos os periféricos e não periféricos que agem para um país mais justo e emocionalmente sustentável.

Algumas vezes é bastante desafiador ser mulher e também portuguesa neste país. Assim como mãe de duas jovens moças com a sua autonomia em curso. Não dá para negar a história e as nossas origens. Mas eu sei quem sou e qual o meu propósito nesta oportunidade de estar viva. Também agradeço a esse mergulho orientado por muitas pessoas incríveis daqui. Desde pajés, mulheres que resgatam e curam o feminino e o masculino e muitos artistas e educadores inspiradores. 

Aprendi a levar com um humor mais leve as piadas de portugueses e suas conotações. Depois daquele final de 2018 já tenho uma na manga: " É verdade! Tem uns portugueses e portuguesas que só visto! Mas pergunto-me onde andava a inteligência no Brasil para elegerem um coisinho..."

Bom, no último domingo alguns tugas mostraram  a sua " raça" votando num sujeito que tem um discurso faxixi... Que estigmatiza os ciganos e enaltece o Tonecas Sal Azar... Estigmatizar os ciganos infelizmente é secular. A minha avó alentejana, que eu tanto amo, dizia-me quando eu fica sapeca: " Porta-te bem se não vem um cigano e leva-te dentro dum saco!" Talvez por isso eu tenha uma profissão aciganada. ihihih Para minha felicidade nasci e cresci num ambiente anti fascista. Menos mal! 

Beijos e abraços para o Brasil e Portugal num olhar transcendental para lá da matrix!


A Piu

Campinas SP 29/01/2021

Crédito: 
Amanda Dumont






sábado, 16 de janeiro de 2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - V

 

' reciso aprender a me amar antes que eu possa amar você ou aceitar o seu amor. Você precisa aprender a se amar antes que você possa me amar ou  aceiPtar o meu amor. Saber que somos dignas do toque antes de podermos estender as mãos umas para as outras."

LORDE, Audre " Irmã outsider", ensaios e conferências. BH. Autêntica: 2020


Aqui Lorde refere-se a um amor entre mulheres e especificamente a mulheres negras cuja auto estima precisa de subir. Porém pode e deve aplicar-se a toda e qualquer circunstância. Entre mulheres, homens, cis, trans, hetero, homo, pais e filhos, colegas e parceiros de trabalho. 

Sim, o amor aprende-se. Tod@s, sem excepção, quando nascemos temos necessidade de calor humano, de colo, de nutrição, de cuidados e afetos. A gestação e a primeira infância são primordiais nesse aprender a receber amor, carinho, atenção, cuidado. As coisas não são lineares. Há pessoas que cresceram com uma família desestrutura ou sem família que espalham amor, porque trazem dentro delas e porque o alimentam. Outras que cresceram numa família aparentemente estrutura e estável  e passam a vida numa destabilização emocional que vem muito antes da patologia. Destabilização essa que tem a ver com falta de auto confiança, auto estima e com o que é socialmente aceite e promovido e o que não é. 

Racismo e machismo são os eixos do ativismo da Lorde. Sim, normalmente um machista é racista, mas uma feminista também pode ser racista. Um anti racista pode ser machista ou ter condutas machistas, porque estas estão naturalizadas. Atitudes essas mais gritantes ou mais subtis. 

Não podemos exigir aos outros o que não podemos ainda dar. Não podemos exigir amor, confiança se não somos nós a dar esse esse exemplo, a dar esse passo de " Estou aqui à disposição sem (auto) desconfianças!" Aliás, não podemos exigir nada de ninguém. Somente comprometermo-nos com nós mesm@S em aprender à amar e a sermos mais . Se queremos nos entregar a alguém precisamos de nos entregar a nós mesm@s sem projetar na outra pessoa as nossas inseguranças. Ninguém nasce desconstruído, mas talvez a nossa vinda cá seja exatamente para nos desconstruirmos.


A Piu

Campinas SP 16/01/2021



Harmonia Rosales

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

INDO MAIS FUNDO TONS TINS POR TINS TINS TRANS TOINGS E BENS E TAIS


 O que faz um sujeito atormentar a vida duma mulher, tenha sido esta ex companheira, até mãe dos seus filhos ou até mesmo nunca a tenha visto, a viu de raspão mas acha que a conheça porque vasculha sem permissão as suas contas nas redes sociais? Pelo menos com alguém que já tivemos um contato de pele podemos apelar para aquele momento de cumplicidade que nos fez unir, por vezes por razões desencontradas. 

O que faz um sujeito, que no final das contas é um cagado ( vulgus cobarde diante de alguém que lhe abre o peito) para brincar com a lei? O que ele está pedindo, assim num olhar  de compaixão ( dispensando dogmas religiosos)? Ele está pedindo limites. Por vezes, não entende logo à primeira por achar que os outros são burros e ele é que o tal maioral. Pode até levar anos! Porque nós de vez em quando apaixonamo-nos pela remela? Porque não nos cuidamos o suficiente que nem a remela tiramos do olhinho naquela lavagem básica matinal de rosto. 

O que faz um sujeito ser abusivo e ainda tentar convencer no social que ama muito, mas muito mesmo quem abusa? 

A lei da natureza comprova que o predador vai no alvo mais fraco, enfraquecido ou que acha que é fraco porque ele sim é forte, macho, viril, robusto e sabe de tudo. A melhor lei é a da consciência individual e coletiva que cria uma opinião pública. Pessoalmente não acredito em tribunais, cadeias e hospícios e sim numa consciência coletiva em que ninguém larga a mão de ninguém, nem mesmo do babacão armado em espertalhão. Largar a mão de verdade,  mas de verdade, sem estar ao serviço de líderes, mentores e alguns gurus farsolas que dizem o que devemos fazer. Para farsolise já basta o sujeito que vasculha as gavetas da privacidade e até da intimidade sem nunca entender coisa nenhuma porque está obcecado nas suas noias. Desnude-se sujeito! Se vem à procura de nudes bateu à porta errada, mas se encontrar nudes das suas "novinhas" descolonize a sua mente. Não queira ficar só bem na foto e tratar as mulheres e homens como babaquinhas iguais. Se ao fim de tanto procurar não aprendeu nada a não ser apropriar-se do conhecimento e citações para ganhar a sua eventual bolsa académica, quando for o caso, ou do seu status até num circuito alternativo ou para dar vazão às suas dores pessoais, sociais, culturais que vossa  excelência insiste em alvejar uma ou mais mulheres para as culpabilizar das suas frustrações e carências é porque está redondamente equivocado. Desnude-se e a vida será mais leve, livre, solta. Aproveite a oportunidade sem oportunismo! O corpo, a alma e o espirito não são sua propriedade, aproprie-se da sua existência que já é um grande contributo para a Humanidade. E vá em paz! Mas não se esqueça que nós sabemos nos defender. E as presas " fáceis", as mulheres fragilizadas e/ ou ingénuas também despertam com a ajuda do coletivo. Suba você a montanha e contemple a vida ao invés de isolar e tentar silenciar quem um dia você diz ou disse que amou. Procure ajuda como as mulheres que você persegue ou perseguiu e infernizou procuraram. Agora siga em paz! Seja feliz! E desnude-se, por gentileza. As mulheres são muito mais que um nude ou um nugget ou até mesmo um doradito. 

A Piu

Campinas SP 08/01/2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - IV


Não, esta não é Audre Lorde e sim Chimamanda Ngozi Adichie.A primeira escritora negra que conheci através de " O perigo duma história única". Conceituada escritora nigeriana, filha do primeiro professor de estatística e da primeira mulher a trabalhar na secretaria da universidade na Nigéria. Chimamanda além da Nigéria viveu nos EUA. Não sei onde vive agora e também não sei se ela vive de forma abastada ou remediada. Isso é com ela. O que me interessa é a sua obra que é emancipatória e por isso vencedora de vários prémios da literatura. Sim, pela imagem ela pode pertencer à classe média alta da Nigéria. Embora em uma das suas obras ela fale das restrições alimentares num campus universitário nigeriano durante conflitos ocorridos no país. Ela retrata também com muito humor e perspicácia o olhar estreito que uma grande maioria dos norte americanos têm acerca do resto do mundo. Um pouco semelhante aos franceses, mas mesmo assim estes são um pouco mais cultos embora igualmente arrogantes. Nem Portugal, que está ao lado, conhecem direito achando alguns que todos os portugueses vão à missa e de carroça. Tooooodos os vestidinhos de preto e com lenços na cabeça, mesmo no Verão. Fora de brincadeiras! Embora pareça! Uma vez disse a uma parisiense , estudante de artes cénicas, que existem escola de atores em Portugal e Belas Artes na Guiné Bissau. Esta ficou assaz surpreendida.... E ainda fazem chacota dos norte americanos!... Ai os francius!..... ihihih

" Escolher escrever é rejeitar o silêncio." Chimamanda não diz nada de novo, mas é bom lembrar. Lorde diz que o silêncio não nos protege. Precisamos de pôr a boca no trombone. Naturalmente elas referem-se a verbalizar o que elas sentem como algo que precisa de ser visto e transformado. Encontram na palavra uma utopia realizável. Eu subscrevo, embora para falarmos precisamos de nos silenciar, esvaziar e escutar a voz interna. Aquela voz sábia que nos guia diante de distrações e tentações fajutas de grandes verdades que nos levam a grandes ciladas. 

Lorde, filha de emigrantes do Gana, nos EUA diz que às mulheres negras  não lhes é permitido analisar as emoções como as mulheres brancas fazem, pois estão preocupadas em sobreviver e não morrer ou serem mortas. Pois. É uma realidade. O que fazer diante disso para que seja possibilitado às pessoas menos favorecidas poderem se auto conhecer dispensando análises racionais caraterísticas duma lógica patriarcal que somente dá importância ao mental, ao ganho aos cifrões, ao prazer fast foda, ao resultado imediato e ao tudo explicável dispensando a intuição e espontaneidade do corpo, da alma e do espirito. 

A questão não está nem pode estar em estigmatizar as mulheres favorecidas pertencentes, em alguns casos, à classe média alta. Essa estigmatização já é feita pelos misóginos que odeiam as mulheres opacas e as que brilham. E os misóginos estão em qualquer parte. Não só do lado direito da politicagem. A questão está em quem tem acesso compartilhar, democratizar o seu conhecimento e sabedoria com o máximo de seres humanos possíveis. E isso Chimamanda faz, como Lorde, Pinkola e muit@s. 


A Piu 

Campinas SP 08/01/2021

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - III


O que é óbvio precisa de ser dito. Para ser lembrado e até aprendido. Ninguém nasce desconstruído, mas nos prestarmos a rever, a crescer, a amadurecer mais do que um direto é um dever. Nada do que escrevi até agora eu inventei, ouvi doutras pessoas. Então, ser original nem é o caso. O que conta é sermos honst@s com o que nos traz aqui neste plano, tenha 3, 4, 5, 6, 7 dimensões ou mais. 

Inocência e ingenuidade não são a mesma coisa. Posso ser inocente e não ser ingénua. Posso ser ingénua e não ser inocente. É mais lato, mas por ora defino que inocência é não nos corrompermos pela mentira e por ciclos viciosos ao passo que ingenuidade é no desaviso parcial ou total colocarmos umas lentes coloridas em algo que não é bem assim. 

Alguns exemplos da minha parte: até há relativamente pouco tempo eu achava ( ai o achismo...) que uma pessoa oprimida não vislumbrava ser opressora e estava ligada nos mecanismos todos de opressão. Uma mulher enxergaria uma outra como igual e não como rival. Um homem negro, numa sociedade embranquecida, estaria do lado das mulheres, um trabalhador de qualquer cor e parte do mundo enxergaria outro trabalhador de outra qualquer parte, e que uma nacionalidade não define uma pessoa pela sua classe social e económica visto esta estar hierarquizada, um universitário teria mais sensibilidade e estaria mais informado ( PURA ILUSÃO! PRINCIPALMENTE NUMA SOCIEDADE MERITOCRATA).

Lorde chama atenção para o machismo e o racismo nos idos anos 60 e 70 em que o movimento negro não era, ainda não deve ser, homogéneo. Homens negros machistas, mulheres negras ríspidas entre si e com feministas brancas medindo quem era mais oprimida. Lorde propõe algo óbvio, mas não linear: mais escuta, olhar para o que nos une, mais (auto) gentileza ao invés de exigir de outras mulheres ( até de homens) o que nem sempre damos conta. Porém, segundo ela, não há obrigação de ensinar o que cada um precisa de aprender porque a luta já é árdua para ainda ter que ensinar a uma mulher branca da classe média alta que ela precisa de dar a vez à mulher negra, que um homem antes de defender direitos à dignidade da sua identidade e do seu trabalho precisa de respeitar, admirar também, as mulheres sem a fotogenia fake, de preferência. Ficar bem na fotografia sem alma é um isco para @s ingénu@s. Sim, são coisas óbvias que precisam de ser ditas e repetidas as vezes necessárias. Para que o Manawee ( na foto) se empodere da sua masculinidade sã, onde procura conhecer o que o feminino tem para ensinar para ficar de igual para igual e não para dominar, logo oprimir. Caso contrário é sempre o vira o disco e toca o mesmo. Sim, há homens que querem aprender a honrar a vida. Há sim. Dentro de tod@S nós há a imbecilidade, mas há uns que alimentam e outros que a domesticam para florescer a natureza selvagem e sã. Haja esperança.

A Piu

Campinas SP 07/01/2021

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

ANITA E O NA TAL


 Natal de 1977. Esta sou sou com uma grande sacola cheia e presentes/ brinquedos só para mim no meu quarto com um armário onde tem uma maquininha de lavar a roupa e em baixo um serviço de chá de miniatura que se espatifou em parte em cima de num dia que fui pegá-lo durante uma tempestade, duma prateleira mais alta. A manta da cama foi tricotada pela minha mãe e o vestido igualmente feito por ela.. 70's entre o consumo e a bricolage. 

Tenho  4 anos e olho para a minha mãe que segura umas peúgas, presente natalício/ natalino ( olha as variantes do idioma com tranquilidade) da praxe. 

A minha avó Rosária, que nasceu no ano de 1922 como o Saramago, escritor prémio nobel que tão bem retrata o seu Alentejo em "Levantado do Chão", dizia: "Ah! Agora vocês têm tudo e não dão valor a nada!". Também dizia: " Nunca pensei que te tornasses assim. És maluca!"

A minha avó alentejana, que como os retirantes nordestinos brasileiros,  foi viver para perto de Lisboa nos idos 40, partiu no Carnaval de 2014 na mesma época que eu tentava vender  e subsistir dos meus livrinhos de poesia e um sabichão veio se armar em espertalhuço virtualmente, achando que por detrás da  máscara da internet poderia me diminuir, sem me conhecer presencialmente, por ser mulher, artista, estrangeira, no caso portuguesa. Só que antes dele nascer eu já existia e todas as minhas avós que vieram antes de mim e que me passaram valores de dignidade, mesmo subjugadas à obediência duma lógica patriarcal. 


Quando ela partiu, a mãe da minha mãe, que foi minha mãe quando a minha mãe partiu eu senti-me sem chão  e com chão. Com o chão das raízes de sabermos quem somos, quem nunca deixamos de ser, de onde viemos e quem queremos honrar. Ah! E como a Lorde diz e escreve: Poesia não é um luxo. 

Agora ofereço esses textos mas ainda venderei livros e artigos. Me aguardem! Ooops Aguardem-me!

A Piu

Campinas SP 04/02/2021


domingo, 3 de janeiro de 2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - II

 Quando penso em " pequeno burguês" vem sempre à memória " A boda dos pequenos burgueses", peça do Brecht escrita em 1919 e estreada em 1926; antes da segunda grande guerra que depois dela foi o grande disparo no consumismo e em todos os valores associados. Resumidamente pequeno burguês é alguém que vem do povão a ascende à classe média remediada e até m ascensão, mas por vezes armada aos cucos. Armada aos cucos é achar que mais que os os outros que fazem parte da sua classe de origem, do qual nunca saiu só mas passou a ter um pouquinho mais de poder aquisitivo porque o que conseguiu é fruto do seu trabalho e negociatas e achar que cada um tem de se virar por si, porque a vida não 'tá para brincadeiras e o coletivo que se lixe. Existem pequeno burgueses que na teoria até são amigos do povo, mas com as devidas ressalvas. São amigos do povo, porque foi de lá que vieram, e como sentem alguma inveja dos ricos criticam-nos. No fundo no fundo o sonho dum pequeno burguês  ou outro é ser patrão de escrúpulos duvidosos e ser rico. Pelo menos ter uma casa na praia e todos os domingos fazer grandes almoçaradas, poder ter um grande carro, de preferência cada um da família ter um: mãe, pai, filho, filha etc.

Da minha parte considero que ter poder aquisitivo e desfrutar da vida não tem problema absolutamente nenhum. Viver num lugar bonito, ter comida na mesa, permitir-se a alguns mimos é digno. Poder viajar, ter acesso democrático à educação, arte e cultura. Principalmente quando isso é fruto do trabalho ou de um investimento que não foi à custa de enganar ou explorar ninguém. Ter hábitos pequeno burgueses mesmo assim é diferente de ter valores sociais pequeno burgueses como aqueles acima descritos: individualismo, ostentação, desejo de ascender ao lugar do opressor. Mas mesmo tendo hábitos de consumo pequeno burgueses, como passar umas férias num lugar incrível, maravilhoso com comida e bebida à descrição, por exemplo, urge repensarmos nesses hábitos, se são ou não sustentáveis e éticos. Existem praias em Cabo Verde, por exemplo,  que são de acesso restrito aos resorts. Os locais não podem ir...

Dando continuidade aos textos em torno da " Irmã outsider" de Audre Lorde que começa com apontamentos de uma viagem à Rússia em 1976 durante duas semanas para uma Conferência de Escritores Africanos e Asiáticos ela escreve de forma honesta sobre aquilo que apreendeu. Diz que o que a irrita nos EUA é a pretensão deste em ser honesto, centrado no lucro e não nos seres humanos. Ao passo que na Rússia se fale mais da importância dos seres humanos, embora a escritora não esteja  convencida. Ela percebe alguma paz podre num discurso propagandístico, embora continue a admirar as mulheres do bloco soviético entende que a luta das mulheres negras americanas estará na boca do dragão como a própria define. Ou seja, unidas unidas mas não muito.

Volvidos 32 anos da queda do muro de Berlim afirmarmos individualmente que não temos tod@s muito ou pouco de hábitos pequeno burgueses é no mínimo desonesto. A questão é estarmos conscientes se estamos preparad@s ou não para sermos solidári@s, independentemente da nacionalidade, cor e género. 

No próximo texto falarei da importância de honrarmos quem somos na nossa condição. Por exemplo eu: sou mulher, branca, da Europa do sul ( Portugal), sou mãe, até onde sei e experimentei sou heterossexual, sou trabalhadora, sou artista profissional, sou formada em artes cênicas, antropologia social e com arteterapia em andamento, moro no Brasil, as minhas origens são camponesas, os meus pais foram a primeira geração de pequeno burgueses, trabalhadores por conta de outrem, sem pretensões de serem mais que os outros ou de passarem por cima de alguém. Eu sou da segunda geração que mesmo assim não teve as mesmas regalias trabalhistas fruto de conquistas da época que atravessa os anos 70 até meados dos 90 nas empresas e repartições públicas. Agora a história é outra nesta sociedade liquida pós moderna neo liberal. Mas novos caminhos se abrem, alternativos a esta pauta que nos levou até aqui como sociedade globalizada.  


A Piu

Campinas SP 03/01/2021






 

sábado, 2 de janeiro de 2021

NA SENDA DE AUDRE LORDE - I

 Num dia e meio devorei, degustei e ainda a digerir " Irmã outsider" de Audre Lorde, uma escritora negra, poeta, lésbica, mãe solteira duma relação com um branco, ativista, professora académica. Sinceramente a voz dela, a escrita dela representa-me muito mais do que a de Simone de Beauvoir, sem desvalorizar obviamente a importância que esta teve para o pensamento e ação das mulheres, no último século.

Audre Lorde vai no ponto sem papas na língua, sem condescendias, mas com muita amorosidade sem aquela chachada de clichés, vindo principalmente de mulheres brancas ou branqueadas pequeno burguesas para cima que: " Ai! É só amor! É só irmandade! A raiva e o desejo precisam de ser eliminados da nossa luz interior divina."

Audre Lorde distingue com precisão raiva como energia (des)construtiva de ódio como uma lógica destrutiva já instituída. Assim como distingue entre erotismo como energia de criação, criatividade com o gozo e alegria de compartilhar com terceiros com pornografia que é destituída de sentimento para responder a um desejo distorcido fruto duma lógica mercantil, logo patriarcal. Sempre alertando para a importância da (auto) gentileza. 

Dou assim inicio a esta série textos inspirados na leitura do pensamento de Lorde. Série essa que falará da importância de romper silêncios, valorizarmos-mos mutuamente, da solidariedade, do auto conhecimento, consciência de classe, dos estereótipos, das apropriações,  do valor do nosso trabalho e do valor que atribuímos ao trabalhos de quem nos rodeia e da importância de falar do óbvio que não é óbvio unanimemente. Resumindo e concluindo, entender o que nos une e não o que nos divide nesta complexidade  de inúmeros olhares e existências. 


A Piu

Campinas SP 02/01/2021