quinta-feira, 30 de julho de 2020

FILH@S DA TERRA E DAS ESTRELAS

Em cima está a Bete, Elisabete, em baixo a Cláudia. Penso, se a memória não me falha nesta cabeçorra que é péssima para guardar nomes que até me envergonho comigo mesma. Mas os nomes da minha infância guardo incrivelmente na memória assim como episódios. No meio estou eu, que na época era chamada de Teresa, devido ao forte fluxo de Anas fruto da originalidade das nossas mães e pais em colocarem nomes. Teresa é bonito, assim como Ana Teresa, que dá aquele trocadilho com A Natureza. Mas não sou eu. Eu sou a Ana e Piu desde os 16 anos, nome colocado por amigos por ter este narigão com os olhitos de Piu Piu. Enfim. Temos os nomes de nascença e de existência e convivência.
A minha convivência desde a mais tenra e idade tem sido com pessoas com várias tonalidades de melanina, assim como de origens, países e línguas distintas da minha. Normal....( O que é o normal ? É o que está na norma? Norma do quê e de quem?)
Estas três meninas estão a sair duma apresentação de ballet, balé, numa festa de escola. O sonho de ser bailarina clássica atravessou muitas de nós, mesmo as mais matrafonas como eu. Dias a fio na sala de estar a dançar em frente ao sofá, como se fosse uma grande plateia, ao som do entusiasmo de Strauss e Mozart e até do fatal Bethoven e Ravel. Por isso, muitas de nós mulheres palhaças sempre em algum momento montamos uma ceninha ou espetáculo sobre esse grande sonho de donzela delicada que em algum momento chafurda no lago dos cisnes ou quase se afoga, mas sempre se salva pelo Humor Divino! Esse efeito teatral deus ex machina com o selo clownesco.
Ter uma colega de escola ou amiga negra sempre fez parte a minha realidade num Portugal acabado de sair dum fascismo de 48 anos e dum império de 500. Um país que até hoje, volvidos 46 anos, está a aprender o que é democracia. Como será de imaginar, embora o que é óbvio para uns não é para outros mesmo quando se acham esclarecidos, um país que vive uma ditadura seja esta ou não fascista tem um povo subjugado muitas vezes no limiar da miséria com um grande índice de analfabetismo fruto do despotismo e desigualdade. Por isso eu sempre fico com aquela interrogação quando alguém no Brasil afirma que o ensino público na época da ditadura era melhor.... Era melhor para quem? Qual era a pedagogia? E que Portugal vive até hoje do que roubou do Brasil, vejam só!, e de África.. O que oligarquia provinciana portuguesa  fez ao longo de séculos foi esbanjar, ostentar e se endividar.E o povo? Que se lixe! Como sempre ou quase sempre. Então, muito respeito por aqueles e aquelas que lutaram e lutam pela justiça e igualdade dos trabalhadores. Seja estes portugueses, norte americanos, alemães ou japoneses e etc e tal.
Esta foto foi tirada em 1982. Democracia em Portugal e reta final da ditadura no Brasil. Porém, nesta escola que eu frequentei entre os 7 e 11 anos havia um funcionário, que provavelmente já morreu devido à sua idade, que nos contava as suas aventuras e desventuras na guerra em África ( guerra entre 1962/ 1974 entre Portugal e as ex colónias). Contava as suas emboscadas no meio do mato e dos "pretos" , passo a expressão, que matava. Na minha inocência de criança eu perguntava para os meus botões porque ele nos contava tudo aquilo, a nós crianças. Não entendia se para ele era bom ou ruim matar, fossem "pretos" ou outros... Hoje, à distância, sei que ele é ou era um traumatizado de guerra e que não tinha perfil pedagógico para estar diante de crianças. Mas na mesma agradeço a oportunidade, pois testemunhei uma dor, um rancor de mau perdedor e até um ódio de muitos ex combatentes que foram convencidos que os "outros" são como bixos que "nos" devem servir e que a terra deles é "nossa" e que quando estes estão na "nossa terra" devem voltar para a "terra deles". Enfim, o racismo é estrutural mesmo quando alguns acham que não são racistas ou xenófobos. Acredito que o mais honesto é admitirmos que de vez em quando escorregamos no lago dos cisnes mas que conviver com patos, peixes, pinguins e outros seres por longo tempo sem distinção de origem ensina-nos a nadar melhor sem a necessidade do virtuosismo do balé. Talvez uns belos batuques afro lembram-nos da batida do coração e que somos todos filhos da terra e das estrelas.
A Piu
Campinas SP 30/ 07/2020



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