quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

COULD YOU BE LOVE, AND YOU LOVE

Abertura oficial do Carnaval em Bolhão Geral Zen na sexta. Tá fixe bacana de boinha. Aparentemente a rua parece poder ser ocupada por todos. Encontro uma amiga de alguns anos, que pode ter idade para ser minha filha e cujas feições assemelham-se com as da minha mãe. Diz-me ela assim: " Perguntaram-me agora se eu sou hippie e eu não sei o que responder." Digo-lhe eu assado: "Desde os 16 anos que me fazem essa pergunta e também não sei responder, talvez não seja assim tão importante." Lembra aquela vez em Berlim Leste no ido ano de 94 em que alguém me perguntou num barzinho saudosista  do Marx e do Lenin, bem pertinho de casa, se eu era redskin pela forma como me vestia. Assustei-me! Skin sei o que é e com certeza que não sou, mas não sabia o que era red skin *. Perguntei. Hoje responderia que sou uma punk do bem que de vez em quando joga as flores pelos ares quando a mostarda chega ao nariz, queimando horas de meditação silenciosa e outras conexões cósmicas. Quando o saquinho da paciência enche... Quase tudo vira gósmico. Utla! Sai da frente que a bufona vai passar. Sinto muito, mas por mais que queiramos ser espiritualizados existem vezes que fica difícil, porque somos apesar de tudo seres humanos com muitas sombras e também já andamos aqui há algum tempo para aguentar equívocos e distorções históricas e politicas. Desde já comunico que estou como sempre estive em assumir como sujeito histórico e cidadã todas as atrocidades que o meu povo de origem ( poruguês ) cometeu no continente americano e africano. Mas mentirinhas arrogantes proferidas por quem está num lugar de acesso facilitado à informação, já não falando do seu recorte social  da tez clareada lhe conceder privilégios que a uma grande parte da população não é concedida.... Dá licença! Já lá vamos.

Segundo dia do Carnaval no Bolhão, chego num intervalo entre um bloco e outro. Dou aquele rolê básico de bike pelo lugar. Os adolescentes da periferia, maioritariamente negros, são enquadrados pela policia em vários pontos do trajeto. Uma visão um tanto ou quanto deprimente. Não sei se estou a fim de esperar até ao próximo bloco depois desse testemunho visual de medidas segregativas.

Terceiro dia do Carnaval de Bolhão Geral Zen. A casa vai abaixo depois de escutar esta frasezoca que mexe nas entranhas desta sujeita que sou eu: " Portugal tem um sistema social, sistema de saúde e transportes à custa do saque que fez no Brasil.", diz garota branquita que tem idade para ser minha filha e talvez até tenha andado numa escola prestigiada ou não. De aparências está o mundo cheio.  Eu que sei? Diz esta e vira as costas. Sem diálogo. Falou e foi. Tá bom. Remoer é chato. Guardar ressentimentos ainda mais. Mas caiu a moeda ao fim destes anos todos, principalmente depois das eleições de 2018 no Brasil.  Uma pessoa, no caso uma garota que agora está a despertar para a vida, desconhecer a história do seu país e do país que um dia colonizou até há 200 anos atrás, desconsiderar as lutas internacionais dos trabalhadores nomeadamente em Portugal que viveu um período de fascismo de 48 anos onde se vivia no limiar da miséria.... E esse período os meus avós e pais viveram!!!... O barraco vai abaixo. Primeiro pela ignorância dos factos. Segundo por termos nos acabado de conhecer nem lhe ocorre que eu possa ter familiares ou amigos que foram torturados e até mortos numa luta anti fascista em que se levou décadas para se conquistar a democracia e um Estado Previdência manco. Ela, como muitos brasileiros que tem uma relação esquizofrénico com Portugal, entre o deslumbramento duma  Europa por ele idealizada e um desdém, um desprezo por um Portugal de onde os seus pais, avós e bisavós saíram. Essa desinformação  é constrangedora. Essa frase bateu muito fundo porque a escutei em outros momentos quando pedia ajuda ao que me respondiam:" Porque não volta para Portugal? Lá vai receber do Estado." De onde tiraram essa informação? Além de não ser acolhedor é sem noção nenhuma de classe, do que é uma classe precária que hoje existe num sistema neo liberal onde os direitos dos trabalhadores praticamente são nulos.

Depois disto fui pular o Carnaval. Olhando bem um Carnaval branqueado. Oh saudades das festas na casa em Lisboa com o pessoal amigo africano! Black Power forever! Além duma bela moamba ou duma deliciosa cachupa escutávamos Peter Tosh, Bob Marley e ska  para acreditarmos que ainda é bom ter esperança e que somos todos iguais e podemos estar de boa uns com os outros. Na casa uns dos outros e também na rua. Sinto saudades desses tempos, sim. Muitos desses amigos hoje voltaram para Angola, Cabo Verde ou estão por outros cantos da Europa.

Bora nos escutarmos mais e não colocar fasquia por baixo para assim nos responsabilizarmos como cidadãos que possam atuar conscientemente numa democracia participativa onde teorias e retóricas deixam de ser adornos.

Gratiluz  e abraços gratinados de boa vibração e alto astral a todxs nesta quarta feira de cinzas chuvosa para limpar equívocos



*Redskin no contexto da subcultura skinhead, é um skinhead de esquerda comunista ou socialista. Este movimento surgiu em oposição ao movimento bonehead que estava se desenvolvendo no mesmo período.



A Piu 
Campinas SP 26/02/2020



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