sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MÁRIO, O MEU AVÔ ALENTEJANO

A 15 de Janeiro de 1913, 3 anos depois da instauração da República, nascia o avô Mário num Alentejo latifundiário em que a terra não era de quem a trabalhava e a grande maioria alimentava-se de pão, ervas colhidas nos campos, alho, com sorte um fio de azeite e um chouriço daquele porco que se matava anualmente. Muitos saíram para a grande Lisboa e Setúbal em busca de melhores condições de vida. O avô Mário foi um deles com a sua família no final dos anos 40 num Portugal fascista e 'neutro' em relação à segunda grande guerra. A maioria dos alentejanos não migravam para França, Brasil, Austrália, etc com visão de acumular riqueza. Talvez, digo, saibam intimamente que a riqueza acumulada dos latifundiários fossem efemeridades terrenas. Religiosos, mas non tropo, muitos escapam à beatice moralista. Ufa! Da minha parte respiro de alivio!
O avô Mário era um Mário como outro qualquer. Não era nem o Mário de Sá Carneiro, nem o Mario Soares, tampouco o Mário Botas. Era um homem "simples" de boina com os seus óculos de massa, que ouvia o "relato da bola" na telefonia aos domingos à tarde na marquise com o seu cigarrinho de palha no canto das "beças" e ,talvez por ter crescido em casa de chão de terra, cuspia para o chão... Era um homem de origem simples como a maioria de todos nós, só que há uns que por novo riquismo esquecem. Esse esquecimento, no meu ponto de vista, é piroso, brega. Porém, as suas duas filhas tiveram a possibilidade de estudar. Coisa não muito ou nada recorrente nessa época. Muitas vezes até mal vista! Ai os "lerdos" dos alentejanos na grande Lisboa a quererem ser mais que os outros!
O avô Mário poderia ser uma daquelas personagens do "Levantado do chão" do José Saramago. Livro que não consegui acabar pela dureza duma realidade, em que há sempre uns querendo ser mais que os outros.
A 15 de Janeiro de 1995 iniciava-me como profissional do teatro, atriz, nesse Alentejo querido e árido. Estar na estrada já tinha feito parte da minha formação artística uns anos antes em França, mas foi no Alentejo que descobri a importância de ir onde o povo está com a nossa arte, sem panfletarismo e outros dogmas que perpetuam relações caducas de poder.
Ana Piu
Brasil, 15.01.2016
Alentejo bonito, árido, poético e depressivo.
Que a arte seja um modo transformador pacifista para sermos emocionalmente mais sustentáveis.

foto: Ana Piu com a personagem do criado da peça a Estalajadeira do Carlo Goldoni, "Mirandolina" Teatro ao Largo 1995
 — em Vila Nova de Milfontes.

Ceifando no celeiro do Portugal fascista.


Sem comentários:

Enviar um comentário