quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

ONDE COMEÇA A MINHA LIBERDADE E ACABA A DO OUTRE? - série: sorria! você está sendo imaginado!


 Eis-me aqui na cidade de Évora, um dos berços da minha formação como actriz ou atriz ou atroz. Estamos no ano da graça do senhor de 2000 e este espetáculo " El Cubo" é de minha autoria e investimento financeiro, eu tirei do meu bolso para pagar a direção do Juan Ramon Urtera. Pois, de vez em quando para continuarmos o trabalho que para nós faz sentido fazemos dessas coisas. Mesmo assim prefiro pagar o meu trabalho do que ser desvalorizada e explorada por terceiros ou participar de trabalhos do quais eu não acredito que no rol vem as telenovelas ou determinadas abordagens teatrais que considero obsoletas  com todo o respeito por quem as exerce. São escolhas e todas elas teem um preço.

Este personagem, como muitos tantos, que tenho interpretado desde o inicio da minha trajetória artistica e profissional que remete ao inicio dos anos 90 é andrógino. Isto é, um personagens que apresenta caracteristicas, traços ou comportamentos que transitam em que é considerado feminino ou masculino. Algo indefinido entre esses dois conceitos. Na vida do dia a dia também sou, de certo modo assim embora até ao momento me considere uma mulher cisgénero heterosexual. Isso não me faz nem mais nem menos que outras pessoas com outras orientações sexuais. Como teatreia sempre tive colegas e amigos de distintas orientações. Aliás, o meu grande amigo de infância na escola era o Pedro, um menino efeminado com humor que quase ninguém nos segurava na risota durante as aulas até sermos separados. Cresci entre rapazes, sendo a única menina da família e da meninasa que brincava na rua naqueles finais de anos 70 e inicio de 80 num Portugal já democrático onde algumas meninas, como eu, não tinham as orelhas furadas à nascenças nem usavamso lacinhos e folhinhos e sim roupa unisex ou vestidos e saias para rodar e rodar e rodar com a inocencia de sermos crianças e não objeto de desejo de adultos de mente adoecida.

Durante os ensaios deste trabalho eu engarvidei e cheguei a apresentar grávida, quando a barrigota era discreta. Construi este personagem, que é uma moradora de rua com os seus sonhos e delirios poéticos e desejos de consumo e conforto que lhe é negado. Eu nunca morei na rua, embora já tenha dormido na rua nessas viagens de mochilão por cidades da Europa do Leste, assim como pelas praias da Andaluzia no sul da Espanha. Ser roots não é o mesmo que ser morador de rua, vamos combinar. Assim como ter um lado androgino não me faz negar o facto de ser mulher. Por ser atriz, e ter investido nessa formação eu considero que tenho a liberdade de interpretar toda e qualquer personagem, obviamente sem apropriações. Eu não vou pintar o rosto de negro para fazer de negra. São principios éticos. Também não me  vou fingir de homesexual no dia a dia para ser aceite por determinada comunidade ou por que acho que é moderno. Justamente por respeitar quem tem outras orientações.

Bom, no próximo texto escreverei sobre um ocorrido polémico duma atriz trans brasileira que invadiu um palco duma peça de teatro em cena em Lisboa chamando um ator de transfake e mandando-o sair do palco. Enfim, parece que se instalou a prática de se invadir e desrespeitar a democracia, os artistas trabalhadores e suas obras, neste caso por uma causa que considero nobre que é a LGBTQ+. Como cantava o querido conterrâneo Sérgio Godinho: " O fascismo é uma minhoca que se infiltra na maçã ou vem com botas cardadas ou com pezinhos de lã."

A Piu

Campinas SP 26/01/2023

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