quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

EU SOU A SOPA QUE POUSOU NA SUA MOSCA



É isso aí! De perto ninguém é normal e eu também sei ser careta. O que expressa, então, esta imagem? Uma cara de careta ou uma careta cara?
Há uns dias atrás, não sei que algorritmo me picou, apareceu a página da Regina Duarte- Portugal na frente da ponta do meu nariz. "Oh messa! A Regininha mora agora em Portugal como tantxs outrxs que abanam os brincos e dizem: " Vou dar o fora! Brasil não tem jeito, não!" Daí lá vão eles e elas em busca dum Portugal gourmet onde possam afirmar à boca cheia que moram na Europa. Eu não sou de comentar em páginas de ninguém, muito menos de famosos que nem conheço, mas deu aquele formigueiro na ponta dos dedos e fiz este comentário:
" Sonsa. Já foste admirada por muitas portuguesas e portugueses pelo teu desempenho em Malu Mulher. Hoje és só mais uma dos tantos brasileiros privilegiados que se cagam para a classe artística que não a das novelas e que se caga para a dignidade da vida humana. Esse teu olhar delidoce não nos faz esquecer que és filhinha da papai milico e que te benefícias com isso."
Temos aqui duas questões: não tem problema nenhum ser ator de novela. Eu conheço vários e boa gente, consciente. A questão é que a industria televisiva nada tem a ver com as politicas públicas culturais, Esta se auto sustenta e é outra história, diferente de quem vive do teatro, da dança, das artes performativas. É outra lógica de criação, produção e de mercado com finalidades distintas. Já o ser filha de milico e como tal receber pensão vitalicia, que não é pouca pois serão muitas bolsas familias numa só pessoa, aparentemente não teria problema se a mesma usasse esses R$7000,00 vindos dos cofres públicos para levar beneficios à comunidade. Ingenuidade minha, não? Bom, mas o comentário que deixei foi de certo modo catártico, pois só de imaginar Portugal povoado extreminhas direita brasileirxs que defendem a ditadura e a tortura... Não sei se ela mora em Portugal ou se mora aqui perto de casa, visto ela ter crescido em Campinas. Pouco importa. Cruzar-me com ela na rua está fora dos meus sonhos.
Por outro lado, deixo aqui um manifesto da querida amiga atriz Isabel Mões, companheira de longa data desde que começamos a estudar artes cênicas em 1991, tendo como público alvo quem está do lado de cá, dos que defendem a democracia e a não extinção do apoio às artes e cultura. É também para lembrar aquela velha pergunta " Onde está a solidariedae?" aos artistas brasileiros, que mesmo considerando-se de esquerda sabem muito pouco ou nada de Portugal e alguns pensam que lá é a terra de todas as oportunidades. Enquanto não houver conhecimento de causa e união ser de esquerda é só um adorno para ficar bem na fotografia. Ai! Ai! Há sempre uma sopa a cair em alguma mosca....
𝐃𝐞𝐬𝐩𝐞𝐝𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐩𝐨𝐫 𝐢𝐧𝐣𝐮𝐬𝐭𝐚 𝐜𝐚𝐮𝐬𝐚, 𝐨𝐮 “𝐝𝐚 𝐞𝐱𝐚𝐮𝐬𝐭𝐚̃𝐨”.
Neste ofício “morremos todos os dias na praia”,
e juntamos a essa “morte” horas extraordinárias de trabalho em exaustão.
sem nunca deitar a toalha ao chão,
𝗲́ 𝗳𝗿𝘂𝘀𝘁𝗿𝗮𝗻𝘁𝗲, 𝗲́ 𝗲𝘀𝗴𝗼𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲!
No ano em que, dizem, “nunca houve tanto dinheiro para a cultura”, deveríamos, finalmente, celebrar.
Mas desoladas, lamentamos, dezenas de estruturas a fechar.
Centenas de profissionais sem poderem trabalhar.
Milhares de públicos largados, abandonados, não considerados...
Redes de afectos destruídas, relações criadas e excluídas.
(𝗲́ 𝗳𝗿𝘂𝘀𝘁𝗿𝗮𝗻𝘁𝗲, 𝗲́ 𝗲𝘀𝗴𝗼𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲!)
Precisamos de falar!
Queremos ser ouvides!
Depois de dois anos de confinamento das artes, mais um ministro nos calhou, bem intencionado, culto e interessado...
mas não nos conhece, não nos ouve, não se compadece,
não acompanhou o processo, e nunca se candidatou.
Não nutre o diálogo com um sector que é diverso, inovador, audaz,
mas atravessado pela precariedade, ferido de morte, dorido e traído por todas as campanhas eleitorais que o mencionam.
Um sector em que a competência e a qualidade só sobrevivem através de uma resistência a toda a prova, durante toda uma vida.
Toda uma sobrevida!
(𝗲́ 𝗳𝗿𝘂𝘀𝘁𝗿𝗮𝗻𝘁𝗲, 𝗲́ 𝗲𝘀𝗴𝗼𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲!)
𝗣𝗥𝗘𝗖𝗜𝗦𝗔𝗠𝗢𝗦 𝗗𝗘 𝗙𝗔𝗟𝗔𝗥
Queremos ser ouvides!
80% das candidaturas elegíveis, candidaturas de excelência, que criaram o CHÃO para vossa excelência ter CHÃO para governar, NÃO ESTÃO A SER PAGAS e precisam de falar.
(é frustrante, é esgotante!).
Reconhecemos que nenhum modelo é perfeito, que estamos sempre no CAMINHO...mas chegar de novo e destruir de FININHO a trama das artes que tem levado tanto tempo a tecer...
como se podem aumentar recursos fazendo crescer a desigual distribuição?como quem enche o corpo de esteróides e lhe arranca o CORAÇÃO...
Vem o aumento, vem o distanciamento? Aumenta-se o orçamento para a Cultura e distancia-se o diálogo?
Não nos ocorreu chegar a resultados de concursos públicos que não cumprem os avisos de abertura, que incorrem em erros legais e que defendem o contrário dos mais básicos direitos na Constituição.
Estes acontecimentos sujeitam-nos a níveis de indignidade e de humilhação que nos atravessam o corpo diariamente.
O corpo de toda a gente, de todos os agentes culturais...artistas, técnicos, funcionários públicos...os corpos dos ditos públicos e muitos mais…
o corpo dos elementos do júri que saem de cada concurso destruídos com o desgaste das escolhas e que por certo não regressarão (nunca mais!).
(𝗲́ 𝗳𝗿𝘂𝘀𝘁𝗿𝗮𝗻𝘁𝗲, 𝗲́ 𝗲𝘀𝗴𝗼𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲!)
𝗣𝗿𝗲𝗰𝗶𝘀𝗮𝗺𝗼𝘀 𝗺𝗲𝘀𝗺𝗼 𝗱𝗲 𝗳𝗮𝗹𝗮𝗿!
Queremos mesmo ser ouvides!
tantas de nós há anos de " valise en carton" para encontrar alguma integridade na profissão de artista especializada, de cientista qualificada?
-Esta é uma de CARTA DE DESPEDIDA, fomos despedidas POR INJUSTA CAUSA!
Ser competente é punível com desconsideração.
Despedidas por injusta causa....assim sem mais…
Quando o vento muda e a vontade política se esquece de tudo o que tenho feito e gerado para criar mundos onde os filhos, os avós, os adultos encontrem a sua respiração, o seu sabor de viver, os detalhes que a vida apressada faz desaparecer, o ritmo da sua existência... Sou despedida…sem justa causa…assim sem mais nada…só porque o poder pode sufocar a potência de existir… pode dar um tiro no próprio pé e deitar fora anos de crescimento… despede-nos. O que irá acontecer com os meus filhos e os meus pais… sem os quais nunca poderia ter atravessado horas de trabalho sem descanso… porque a criação… como a lavoura… tem os seus próprios tempos, faça chuva ou faça sol… e ainda tenho que planear, defender, estudar, experimentar, escrever, apoiar as outras lavouras, comunicar, encontrar financiamentos...
Nunca quis fazer outra coisa, nunca foi fácil fazer o que faço… e faço-o bem! quer que me ajunte a quem faz o que faz mal? quer que me ajunte às linhas de tristeza e miséria que destroem a vitalidade da comunidade, do país, do mundo?
𝗣𝗿𝗲𝗰𝗶𝘀𝗮𝗺𝗼𝘀 𝗺𝗲𝘀𝗺𝗼 𝗱𝗲 𝗳𝗮𝗹𝗮𝗿!
Queremos MESMO ser ouvides!
com URGÊNCIA
antes que um dia o país fique deserto de sentido. Sem um único serviço administrativo. Sem um único espectáculo,
sem um livro, sem música, sem um podcast,
antes que venha a desertificação, a rádio sem conteúdos, o texto sem imaginação, cultura sem vibração.
𝗨𝗺 𝗽𝗮𝗶́𝘀 𝘀𝗲𝗺 𝘀𝗲𝗻𝘁𝗶𝗱𝗼 𝗽𝗮𝗿𝗮 𝗮 𝘀𝘂𝗮 𝗽𝗿𝗼́𝗽𝗿𝗶𝗮 𝗽𝗼𝗽𝘂𝗹𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼.
𝗤𝘂𝗲𝗿 𝗩𝗼𝘀𝘀𝗮 𝗘𝗫𝗖𝗘𝗟𝗘̂𝗡𝗖𝗜𝗔 𝗮𝘀𝘀𝗶𝗻𝗮𝗿 𝘁𝗮𝗹 𝗜𝗠𝗣𝗥𝗨𝗗𝗘̂𝗡𝗖𝗜𝗔 ?𝗧𝗔𝗟 𝗩𝗜𝗢𝗟𝗘̂𝗡𝗖𝗜𝗔?
- TEXTO DE ISABEL MÕES-

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