terça-feira, 9 de agosto de 2022

UMA ABELHA QUE SERÁ TUDO MENOS VARGAS


Há uns dias atrás soube que o Getúlio Abelha, lá de Fortaleza, viria showzar aqui perto. O meu coração deu pulinhos de alegria. Não poderia perder essa força da natureza LGBTQIA+  que funde forró, com música eletrónica e tem umas pitadas de punk rock. Quando umas amigas lá do Paraná me apresentaram essa figura fiquei grudada no piso, de olhos esbugalhados com o maxilar inferior ligeiramente mais para baixo.O que era aquilo? Um kitch com bom gosto? Uma irreverência nordestina à heteronormtividade? O que mais chamava a atenção era a teatralidade tanto na performance como no visual. 

Ora entusiasmada que estava mesmo indo sozinha a esse concerto, embora tenha chamado um amigo homo ou bi não, sei isso lá com ele, cheguei uma hora e meia mais cedo. Sim! Eu tenho uma estranha mania de ser pontual e até chegar antes do horário. Não significa que não me possa atrasar. Ninguém é perfeito. Cof cof.

Chegando ao lugar era uma casa que tinha virado um espaço cultural. Tudo bem. Chego as 19h e ninguém. " Caraca! Nunca mais aprendo ao fim de 10 anos que quando se fala uma hora é para chegar uma hora e meia ou duas depois! Mas isso também é com shows não é só com festas particulares?", pensei com os botãozinhos. Eis se não quando sai lá de  dentro o Getúlio Abelha mais um dos bailarinos. Não tive o impeto de pedir autógrafo ou para ser mais moderna uma selfie para postar no Instagram. Acho sempre um pouco forçado da minha parte. Pergunto: " Sou a primeira ou sou a única?". " Nem querendo você é a única!". Respirei de alivio e desde então nunca mais lavei o rosto para não apagar aquele momento que uma estrela musical me dirigiu a palavra.

Finalmente, passado um bom par de horas lá começou o show. O coração palpitou como uma adolescente embora me sentisse um pouco antiquada de ter sido a primeira e as pessoas irem chegando tranquilamente ao longo de três horas, enquanto o DJ colocava algumas música de sacanagem ( da gostosinha, do gostosão) que aí já não é ser antiquada é mesmo outra pegada. Para mim essas músicas de sacanagem não deixam de ser conservadoras.

Embora a minha orientação sexual seja hetero, se dissese o contrário estaria ser fake só para estar na onda e ser modena, adoro esse universo artístico LGBTQI+ com a sua teatralidade, a sua irreverência, a sua transgressão e sua luta diária para se afirmarem e deixarem de serem perseguides e até ceifados. O meu primeiro amigo efeminado foi um coleguinha de escola aos 9 anos. Sentavamos-nos na mesma carteira. Aquilo era uma risota pegada. A sua espontaneidade e leveza faziam-me rir e ele ria-se comigo também. Fiquei triste quando a professora nos separou. Anos mais tarde tive um amigo intimo da dança e do teatro que era e ainda deve ser homosexual. Acontecia uma coisa curiosa: quando estava só comigo ele era apenas ele, quando estavamos entre amigos parecia que queria de alguma forma competir a atenção de outros homens, quando encontravamos alguém do meio artístico já virava aquela feirinha de vaidades do " eu isto, eu aquilo", quando estavamos entre amigos gays eu desaparecia quase por completo do seu campo de visão. Eu encolhia os ombros porque gostava dele e sacava que ele tinha uma necessidade imensa de performar para ser aceite. 

Quanto a mim essa é a parte que eu não dou conta: quando o dia a dia e a sociabilização vira show off, uma passerele de máscaras sociais para nos adequarmos aos esterótipos que a nós mesm@s nos impusemos. Como sou atriz de teatro e palhaça não me vejo o tempo todo a fazer palhaçadas e teatrices para os outros assim como passar um dia inteiro com alguém que não sai do seu estado de palhaço ou de ator e não é simplemente. Por outro lado tenho muitos amigos gays que são divertidos e são "sóbrios" no seu jeito de ser e estar. 

Observo dois sujeitos no show. Um dando em cima do outro que já está acompanhado. O paquerado para não ser grosso mantem o mesmo sorriso e simpatia o tempo todo,  quem olha de fora dá aquela tontura como se muitas imagens passasem ao mesmo tempo mas que é sempre a mesma. Para mim assumirmos quem nós somos é assumir o que está dentro de nós, na essência de forma espontanea,  sem ter que agradar ou provar nada a ninguém. Posso mudar de ideias, por enquanto é assim que enxergo. 

A Piu

Br, 09/08/2022

foto: esperando Getúlo Abelha

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