Buchi Emecheta é uma mulher como tantas outras. Poderia ser uma de nós, cada uma com as suas especificidades. Mulher, negra, mãe, de origem igbo e nascida em 1944 na cidade iorubá de Lagos numa Nigéria ainda colonizada pelo Império Brtitânico. Conhecer a escrita desta mulher, que emigra, já mãe e casada, para Londres com o marido negro e igbo é conhecer os seus sonhos tornados realidade, assim como os maus tratos dum homem como tantos outros cujo comportamento é legitimado por uma cultura patriarcal. Ninguém fala isso por ela. É ela que mostra ao mundo nos seus romances que são auto biográficos o que é ser cidadã de segunda classe em Londres, enfrentar a maternidade com um sujeito que se acomoda a que esta o sustente e em troca a mal trata e faz filhos a torto e a direito, punindo-a furiosamente quando ela tenta usar contraceptivos nos idos anos 60. Porém, aos poucos, ela vai-se libertando desse casamento tóxico e violento mesmo que assuma o cuidado integral dos cinco filhos enquanto é bibliotecária, costureira e escritora. Sim, antes de mesmo de falarmos de capitalismo, colonialismo e escravatura, que é mais que importante, precisamos de conhecer e tomar consciência da condição da mulher numa lógica patriracal que atravessa milhares de anos e é planetária.
Ao assistir ao monólogo teatral " Virginia" pela Claudia Abreu com direção de Amir Haddad, baseado na vida e obra da escritora inglesa Virginia Woolf, o público toma conhecimento ou confirma que pelo menos as últimas seis ou sete décadas, que não é nada, foram e são decisivas para que as mulheres de várias cores, etnias, sociedades, culturas, classes sociais para que estas se libertassem dessa lógica machista, misógina que não serve ninguém, nem mesmos os homens que almejam ser felizes.
Nascida em 1882, Virginia Woolf morre em 1942. dois anos antes da Buchi Emecheta nascer. Ambas são vitimas de violência doméstica e escrevem. A Virginia é negado frequentar a escola por ser menina, aprendendo em casa através do seu irmão e circula pela aristocracia londrina. Já a Buchi cresce em Lagos, é matriculada numa escola missionária para meninas, onde aprende as línguas nativas e inglês, no entanto a pobreza e a subnutrição estão presentes.
Virginia Woolf é inglesa e branca. Devo dizer que para muitas das mulheres brancas as origens aristocráticas de Virgina não as representam, por exemplo a mim não me representa. Mas essa sede de liberdade representa sim. Já a Buchi Emecheta é nigeriana e negra e torna-se cidadã de segunda classe quando chega a Londres onde quem a mais estigmatiza são os seus conterrâneos, por ser mulher, não querer dar os seus filhos para adoção, prática comum nessa época em Inglaterra ( 60's) e ter estudos suficientes para ser bibliotecária. Uma mulher faminta de vida e realização pessoal que vai abanar com as estruturas e servir de inspiração para muitas mulheres e homens, que já que estes querem ser felizes que acompanhem os ventos de mudança.
Como canta a nordestina Flaira Ferro:
" E a história é minha, porra
Eu tô cansada
Eu faço meu trampo direito
Pra macho dizer que não tô preparada
Não tenho deslumbre com nomes
Invento o meu ritual
Boto a boca no microfone
Se não me tratar de igual pra igual
Não nasci pra ter sonho pequeno
Sou vanguarda na era do pós
Tenho a força do meu pensamento
E carrego a mudança que sou porta-voz
Eu vou cantar por mim
Por minha mãe
Por minha avó
Por minha bisa
As coisas que elas um dia
Calaram
Sofreram
Lutaram
E morreram
Pra que hoje eu esteja viva" - FAMINTA-
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