quarta-feira, 31 de agosto de 2022

OLARÉPIPU


 Eu não sei se muita coisa mudou em 10 anos. Viver o estado de "não sei" é um estado de abertura, de desapego das verdades absolutas, das ideias pre concebidas acerca disto, daquilo e do outro. E de nós mesmes, também. Já a dúvida que nos deixa em cima do muro da ambiguidade, de qual a intenção que está na raíz da questão do ser que pulsa e que pula e se aquieta não tem graça. Já dizia um professor meu de palhaço hospitalar. 

No meu ponto de vista, a expressão artística, literária, criativa, vá, é livre. Criatividade sem liberdade não soa muito bem. Há quem defenda que a arte d@ palhaç@ não é para tratar de coisas sérias, ou quase sérias ou mais ou menos mais para mais sérias. Palhaç@ é puro entretenimento com gags para o público rir e passar um bom bocado. Sim, é importante que o público ria se vai assistir a um espetáculo de palhaçaria ou palhaçada, yo que sei?  Mas para mim, PARA MAI SELFE MI MISMA, trazer a cena inquietações, injustiças sociais, crises internas ( que tod@s nós temos independentemente das classes sociais, privilégios ou ausências dos mesmos) é um dos meus focos do trabalho. Uma vez uma produtora disse-me que Arte não tinha nada a ver com Política. Essa é boa. Olarépipu! Também pergunto: " Uma produtora que não conhece a História da Arte e é despolitizada o que ela procura?" Sim... a indústria do entretenimento pelo entretenimento. Há lugar para tudo isso, não dá é para obrigar artistas criadores a serem entretainers só por que sim. Uns farão muito bem e está tudo certo, mas questionar através da arte é um caminho como tantos outros.

Por volta de 2012 apresentei este solo em Portugal, quando o mesmo ainda não estava na moda. Eu já vivia no Brasil, porque assim escolhi independentemente dos avanços e retrocessos das conjeturas socio políticas. Em 2012 ainda se vivia o tal "do fundo do poço" ( dívida externa, desemprego, medida de austeridade, o governo a mandar as pessoas migrarem. Uma loucura no carrossel mágico). Depois, não se sabe ao certo que golpe de mágica aconteceu ( cof cof cof pipipiripiu lá lá lá eu não sei de nada eu não sei de nada) Portugal passou a ser a terra dos sonhos para tantos e muitos. Da precariedade dos trabalhadores portugueses passou a ser o paraíso prometido de muitos brasileiros. Foi isso que me surpreendeu e até entristeceu: uma ausência de conhecimento do que se viveu e em Portugal, um deslumbre onde a solidariedade não reina nem é para reinar.

Se dizem por aí que todos os caminhos vão dar a Roma, penso que isso está um pouco ultrapassado visto a Itália não ser o exemplo de país economica e politicamente estável. Mas sei que todos os caminhos, neste momento, vão dar ao neo liberalismo. A essa lógica marafada que faz acreditar que o individualismo em massa com toques gourmetizados fajutos é que é o caminho.

Graças a quem se quer acreditar e ter fé, que para muitos é demodê, esta campanha eleitoral no Brasil não tem sido a mesma loucura de 2018. Salamaleco xangrilá! Ufa! A pessoa também tem a sua sensibilidade e não sei se aguentaria mais uma temporada de histeria. Porém, contudo, todavia chegam noticias do meu país, de Portugal, que muitos dos brasileiros que pediram cidadania portuguesa nas próximas eleiçãos no Portugalito vão votar num partideco fascista. Surpreende mas não, visto terem votado no Coiso quando já se encontravam em terras lusas. Não é que deseje mal a alguém, desejo sim consciência de quem elege boçais. Talvez seja uma utopia acreditar que as pessoas todas do mundo inteirinho tomem consciências das humanidades e desumanidades e assim elevarmos a frequência vibracional e entrarmos todos juntos pelo portal da Nova era. Aí vamos todos leves e soltes numa harmonia universal,

Sei que o neo liberalismo é feito para atender ao lucro duns tantos à custa dum mercado trabalho com direitos trabalhistas muito frágeis ou inexistentes. Por isso quando me perguntam, várias vezes:" Porque você está aqui no Brasil visto todo o mundo estar indo para Portugal?" eu tenho aprendido a respirar fundo para não dar sempre uma resposta torta. Por isso a arte salva-me. É verdade! Ihihih! Eu riu, mas é fora de brincadeiras. E o tema central do meu trabalho é: " Solidariedade". Tema bonito, não? E agora que aprofundo ainda mais o estudo de Paulo Freire, assim como de Carl Jung, tudo vai ficando mais redondinho. E rir com desconforto para mim é a cereja em cima do bolo, embora adore rir pelo prazer de rir. Com consciência, claro. Olarépipu.

Por falar em Freire e Jung! Todos os caminhos podem e devem dar ao A- M-O-R ( em vez de Roma). Olarépipu!

A Piu

Brasil, 31/08/2022

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

AS PALAVRAS SÃO COMO TACADAS

 


Um anjo com um taco de baseball.... Que composição pós modérnica! Adoro! Na frente deste anjo está outro com umas luvas e uma bola. Ahahah. Só este já diz muita coisa. Eu sempre associo o baseball a um desporto -tá um esporte para ser includente - agressivo, bem norte americano, daqueles que uns doidinhos fazem questão de portar o taco na bagageira do carro como uma arma. Uma coisa insana, convenhamos. 

Esta foto pode ir para muitos textos, nomeadamente uma composição que considero artística pendurada no teto dum bar onde outrora foi a boite Djalma em plena praça Roosevelt em São Paulo em que a carismática Elis Regina cantou pela primeira vez em 1964 nessa imensa cidade. Imaginei quais leituras e conceptualidades que esta mesma composição teria numa qualquer galeria de arte sozinha pendurada numa sala branca. Mas não é por aí que trilharei e sim pela afetação que trago cá dentro desde ontem ao assistir a um espetáculo do Lume Teatro aqui no B'Olhão Geral Zen inserido na programação " Tem cena na vila".

" Kin Tsugi 100 memórias" dirigido por Emilio Garcia Werbi tem como elenco quatro dos atores desta companhia com quase 40 anos. Devo dizer que andava e ando ainda um pouco emburrada com o meio teatral consolidado, que não olha com olhos de enxergar artistas independentes forasteiros, deste distrito que pertence a Campinas no interior de São Paulo, mas sacudi a poeira e iniciei a saga antes de ontem no Barracão Teatro,  Assim pretendo dar continuidade a estas idas ao teatro que considero com muita qualidade além de ser importante encontar as pessoas,

Voltei para casa mexida, com uma noite de sonhos e várias insónias. Espetáculo forte, honesto e generoso. Fala de várias memórias tanto antigas como recentes de cada atriz e ator e um trabalho de pesquisa que fizeram com pessoas com diagnóstico de Alzheimer. Mas o ponto central deste enredo, que podemos chamar documental, é um episódio que aconteceu realmente há uns anos atrás no seio do grupo, quando num jantar de confraternização alguém perguntou o futuro do grupo e um dos atores, do alto da sua sombra, diz: "Eu não preciso de vocês para nada!".

Como as palavras podem ser tacadas que ferem mais que um taco de baseball. É profundamente belo que ao fim de uns 13 anos esses mesmos intervenientes tragam isso a cena não como lavagem de roupa suja, visto o mesmo ator estar em cena, e sim como cura coletiva. Num dado momento eles xingam-se uns aos outros a partir do que cada um expõe de si e das suas memórias. É durissimo e ao mesmo tempo libertador entender que podemos ser as pessoas mais afetuosas umas para as outras como as mais cruéis.

Para mim as palavras serem como tacadas não está bem nem está mal, a questão é como as usamos e qual a finalidade. Se é para derrubar por derrubar ou se é para desconstruir para erguer. Tod@s nós,sem excepção, podemos ser cruéis com o que dizemos. "Eu não preciso de vocês para nada!" magoou profundamente um coletivo, mas que ao mesmo tempo soube, creio, perdoar.

Nós sermos responsáveis por o que dizemos e fazemos é não é só digno como revela maturidade. Ontem, por exemplo, falei para uma mulher brasileira que vive em Portugal e que se acha anti racista e anti fascista mas demonstra xenofobia e até lusofobia em relação ao meu povo. Escrevi numa publicação onde ela posta uma foto do seu pai já falecido:  "Todos os pais merecem respeito. Todos sem exceção. O meu "por acaso" é português, já o da minha filha é brasileiro que mesmo com as suas avarias merece o devido respeito com a devida distância. Já as tuas publicações a zoar Portugal e os portugueses são desrespeitosas. A regra básica para se viver num país estrangeiro é respeitar mesmo com os devidos estranhamentos. As tuas stories no Instagram roçam a estupidez e eu sei que és mais inteligente que isso, pelo menos quero acreditar. Para não sermos alvo de estupidez e perseguição também temos que fazer a nossa parte. Pronto, fica aqui o desabafo publicamente para parares com esse complexo de superioridade em relação aos portugueses achando que estás a fazer um grande serviço. Gentileza gera gentileza. Estupidez pode gerar reação." Não fui mais longe por ética, mas isto que lhe disse é algo visceral.

Por outro lado, nós podemos amar alguém com quem nem sequer nunca trocarmos uma palavra nem um dedinho tocou o  dedinho desse alguém, embora observando podemos sinalizar umas avarias de jogar as mãos à cabeça e dizer publicamente sem se dirigir diretamente à pessoa: " Eh pá ó jovem, chavalo do meu coração, larga a mão dessas parvoiçadas, dessas coisadas, de pedir às pessoas que te liguem para te sentires amado e meter ciúmes a alguém. Porque é tu não não ligas e declaraste? Porque é tu não corres atrás de quem tens interesse em vez de disparar para todos os lados? Que coisa chata. Que beco sem saída. Traumático é o que o teu irmãozinho tem feito e de vez em quando ainda faz. Se não mudares essa tua atitude para com as mulheres muito provavelmente ele vai continuar a zoar de ti e com razão. Quando chegará o tempo de nos rirmos juntos de tudo isso com leveza? " Pronto, aqui temos um exemplo de como as palavras são como tacadas. Neste caso é com a esperança de juntos amdurecermos e aprendermos a amar um pouquinho mais com maturidade. 

A Piu

B'Olhão Geral Zen

25/08/2022

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

ELAS VIERAM LÁ DA BAHIA SIM!


 Não sei se pode chamar ao Teatro de Arena um teatro de bolso, sei que esse espaço tem história. Ah pois tem tem tem, Ali na Bila Buarque bem do ladinho da Parça Roosevelt esse Teatro já deu que falar. Abriu nos anos 50 como alternativa ao que se fazia na época. Já começoi off e continuou. Ah! Quem nunca ouviu falar do Augusto Boal é xóxóxululu! Sim, o ícone do Teatro do Oprimido passou por lá até este ser detido pela ditadura militar em 1972. O espaço fecha até 1977, e o Guga Boal exila-se como tant@S outr@s no Brasil, nomeadamente o Paulo Freire da pedagogia do oprimido. Em 77 é adquirido pelo governo federal e incluido no Patrimônio da Fundação Nacional de Artes.

Ontem estive lá na matinê de domingão para assistir às " Histórias do Mundão". Que espectáculo bão! Manu Santiago e Ana Tereza da Ocupação Chegança, de Salvador, presenteiam o público de todas as idades com muita qualidade. Atuação brilhante, muita musicalidade, encenação duma limpeza e escuta milimimétrica, dramaturgia leve e profunda passando principios éticos sem moralismo. Uma hora deliciosa de se viver. Uma história contada aos míudos e graúdos sobre a importância de se sair de  trás das telas, telinhas e telões e  revisitar o prazer de lembrar histórias ancestrais  e contá-las com ludicidade, brincar de fazer de conta sem infantilizações. O PRAZER DE ESTAR JUNTO. Tratar o público infanto juvenil como cidadãos inteligentes e o público adulto como cidadãos que podem e devem resgatar a tal da sua criança interior.

Muito bom Manu e Ana! Mil gratinados por nos termos encontrado neste mundão e conhecer este trabalho inspirador. Sucesso para vocês!!! Sonhar e artistar é re existência!

O espectáculo está em cena até 4 de setembro aos sábados e domingos às 16h.

@ateliercheganca

A Piu

Br, 22/08/2022


@

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

A SITUAÇÃO DA CITAÇÃO

 


Quem nasceu primeiro? A situação ou a citação? Dá sempre aquele estilão fazer uma citação. Ele há casos, situações, em que a pessoa esquece ou faz-se de esquecida e não cita. Em situações acadérnicas, por exemplo, isso pode dar 'burguju', 'proglema memo'! O chamado plágio. Mas também há situações, que também as há. Ah pois há! Ca pessoa já pensou e até já escreveu sobre algo que depois um autor vem a confirmar e aí a pessoa até respira de alívio e num suspiro fala com os seus botões: "Afinal não estou assim tão maluca e se estiver não estou sozinha!"
Há que lembrar que o Paulo Freire mais do que um académico foi um pedagogo que meteu o pé na estrada e foi a onde o povo está. E como ele, eu também não sou contra a o ensino superior, que se estipolou de se chamar Academia e subscrevo totalmente o que ele pensa. Ao serviço do quê e de quem o ensino no geral e a produção académica no particular está? Até então está ao serviço duma classe dominante de pensamento hegemónico, mas existem os pontos de fuga, as manhas de quem ocupa esse lugares ainda elitizados. Por isso as cotas raciais ainda são necessárias enquanto houver desigualdade social. Há que ocupar esses espaços e colori-los.
Para mim, PARA MIM, os estudos académicos é como o dinheiro: são um meio não um fim. A pessoa pode ter muitos estudos e um curriculum esplendoroso mas além de quase nada contribuir para a sociedade vive adoecida por conta dum cabeção déspota que despreza o caminho do coração. Pode até nadar em dinheiro tipo Rei Midas. E?... E?...
Há uns anos eu tive uma experiência académica que foi como ter comido uma coisa estragada, tipo presente envenado. Fiquei anos a desintoxicar. Acho que ainda estou, mas estou melhor. Bem melhor. Depois reencontrei-me nos estudos teórico práticos em Arteterapia e Muñecoterapia e acredito que tudo dialoga com tudo: arte com antroplogia com pedagogia com filosofia com teologia com biologia com a psicologia com a medicina etc etc. A questão é que ainda hoje o pessoal da Academia fica dentro dumas gavetinhas por vezes dificeis de abrir e como tal claustrofóbicas e até prepotentes. Uma espécie de donos da verdade. Mas ainda bem que existem os Paulos Freires da vida que desconstroem essas prepotências e decolonizam o pensamento com as suas ações.
Vamu lá à citação! Ora vamu lá!
(...) eu não proponho que se faça um negócio desse para fazer tese de mestrado na universidade não, defender uma tese e mandar às favas os índios. E publicar isso lá para ganhar dinheiro. Não. Eu estou propondo que essa pesquisa volte ao índio. Ele é o pesquisador também, e não eu o pesquisador dele. Isso aí é instrumento da pedagogia dele. Agora, na medida em que você trabalhasse intensamente como um grupo de indígenas na compreensão da sua própria cultura, se depois alguns exploradores se apoderam desse material para voltar lá e explorar, não vai dar não. Não vai dar, porque o cara assumiu a sua cultura. Como é que ele vai ser explorado? (...) Porque no momento em que um grupo indígena diz: não precisa de vir aqui pra me ensinar a ser iranxe, e diz com humildade mas também com uma cientificidade maravilhosa. (...) Vale dizer, 'não precisa' é sinal de que 'eu sou'.
Freire, Paulo: "Pedagogia da Tolerância", Paz e Terra, Rio de Janeiro: 2022.
Obs: O Freire já faleceu. Ele ainda usa o termo questionável 'índio'. Mas quem conhece o Paulinho sabe que ele se refere com respeito aos indígenas, aos povos originários.
A Piu
Br, 18/08/2022

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

AS COINCIDÊNCIAS QUASE QUASE SINCRÓNICAS


Na última cela do Memorial da Resistência encontra-se este cravo vermelho sobre um caixote. Antes de me sentar para escutar os depoimentos dos ex presos politicos fico profundamente comovida com esta visão deste cravo, que na minha terra é símbolo da liberdade. Este cravo simboliza a solidariedade como em Portugal, sendo que a história deste cravo remonta a 5 anos antes da revolução dos cravos. " No natal de 1969, Elza Lobo, militante da Ação Popular (AP), estava presa no Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, o Deops/SP. Como sua família tinha ciência de sua prisão, eles conseguiram visitá-la no dia do Natal. Para celebrar a data com os companheiros de cela, Elza pediu para que seus familiares lhe trouxessem algo para comer. Eles levaram para ela um bolo e um ramo de cravos vermelhos. No retorno para a cela, Elza compartilhou o bolo entre seus companheiros e distribuiu um cravo para cada cela. A chegada no cravo naquela Natal, marcou os companheiros. Em relatos, os ex-presos políticos, relembram do cravo e afirmam que foi forte aquele momento: a possibilidade de ver a natureza novamente dava a eles esperança. Por esse episódio, o cravo se encontra na cela 4 do Memorial da Resistência simbolizando a esperança e a solidariedade entre os presos políticos, dois pilares essenciais da resistência!”.

Será que existem acasos ou por acaso o acaso são casos de sintonias outras que nem sempre são combinadas? Uma famíla em São Paulo leva cravos vermelhos para a filha em 1969, uma florista oferece cravos vermelhos em 1974 aos capitães de Abril. Pelo menos no " meu Portugal" o cravo vermelho não está necessariamente ligado aos comunistas e sim à liberdade e à queda dum regime autoritário e ao fim duma guerra. A liberdade quere-se p0ara tod@s, respirando democracia.

Ao longo da visita ao Memorial a pressão baixa. Uma espécie de tontura semelhante às que sinto quando vou a Salvador da Bahia. Mal estar esse que é algo que surge mesmo antes de escutar os depoimentos. Coisas que acontecem no corpo subtil.

Resumindo e concluindo: o bixo homem é capaz de criar as coisas mais belas assim como ser um bixo cruel e destrutivo e isso ultrapassa as ideologias e partidos. Dignidade e respeito pela vida já deveria ser algo que não se deveria sequer negociar. Por isso, ao invés de destruir monumentos e estátuas resignificar é não esquecer para não repetir.

A Piu 15/08/2022

DE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE LIBERDADE?



Finalmente encontrei por aqui cravos vermelhos frescos que todos os anos, ali por volta do 25 de Abril, substituo por brancos ou faço à mão para comemorar o dia da Liberdade. Ao que consta esse simbolo da virada dum regime autoritário e imperialista para a democracia foi um quase um mero acaso. Na manhã de 25 de Abril de 74 uma florista ofereceu cravos vermelhos, que era o que tinha, aos capitães de Abril e todo o pessoal que fez parte dessa queda dum regime anti fascista. Uma primavera para não ser esquecida e sempre comemorada, possamos concordar ou não com as dobras e as complexidades da democracia, dos oportunismos demagógicos com vistas a outros autoritarismos, nomeadamente o neo liberal e outros vá. Não sejamos ingénuos. Todas as primaveras eu sempre me lembro de não esquecer de quem sou, de onde vim e quem veio antes de mim. Realmente há dez anos, por viver no Brasil, comemoro as festividades sozinha comigo mesma e com pessoas mais próximas do outro lado do Atlântico. Com quem comemoro mais é com uma amiga de longa data que mora na Alemanha, que também não se esquece das conquistas de Abril, esteja em qualquer parte do mundo.
Para mim, para mim repito, falar de liberdade é agir em consonância. Não se nasce com liberdade e sim cuida-se da mesma e em situações de aperto conquista-se. Antes de falar em liberdade precisamos de pensar e sentir o que é liberdade, para isso temos que estar informa@dos para não cairmos em discursos oficiais que nos levam ao preconceito. O preconceito, seja descarado ou subtil, é uma violência. O preconceito segrega, isola. Eu já tive o preconceito de achar que nunca sofreria de preconceito. Como eu estava enganadinha. Já me senti e sinto-me muitas vezes acolhida neste imenso Brasil, mas também já me senti sozinha e confusa sem entender o porquê do preconceito e do escárnio, em algumas situações. Depois, passo a passo, também fui entendendo que existe uma lógica aí, que se quer oficial, que é feita para que a solidariedade seja esquecida, escamoteada e só lembrada em passeatas dentro duma narrativa muita svezes estreita.
Não tenho que sentir aquele orgulho patriótico nem vergonha de ser portuguesa. O que é eventualmente constrangedor é escutar esta de pessoas, que por terem andando em escolas tão bambambam e serem p'ra frentex coisa ainda abala mais: " Ai! O que acontece é que quando se fala em portugueses eu sempre me lembro dos invasores." Também sempre dá para responder: " Olhe... quando me falam de italianos eu também me lembro sempre do Império Romano, da substituição de mão de obra barata dos escravos para os italianos na virada do século passado no Brasil, mais os que se deram bem à custa de colonizar o continente americano por serem brancos, e também me lembro dos fascista de Mussolini." Podemos assim responder olho por olho, dente por dente ou respirar fundo e relembrar que tanto em Portugal, como Espanha, Itália e outros lugares a história não é única e conhecer as contra correntes mais do que necessário é uma ato de cidadania e um movimento libertador. Sem fim fim fins nem fom fom fons.
Piripipipipéu. Ploft.
A Piu
Br, 15/08/2022

terça-feira, 9 de agosto de 2022

UMA ABELHA QUE SERÁ TUDO MENOS VARGAS


Há uns dias atrás soube que o Getúlio Abelha, lá de Fortaleza, viria showzar aqui perto. O meu coração deu pulinhos de alegria. Não poderia perder essa força da natureza LGBTQIA+  que funde forró, com música eletrónica e tem umas pitadas de punk rock. Quando umas amigas lá do Paraná me apresentaram essa figura fiquei grudada no piso, de olhos esbugalhados com o maxilar inferior ligeiramente mais para baixo.O que era aquilo? Um kitch com bom gosto? Uma irreverência nordestina à heteronormtividade? O que mais chamava a atenção era a teatralidade tanto na performance como no visual. 

Ora entusiasmada que estava mesmo indo sozinha a esse concerto, embora tenha chamado um amigo homo ou bi não, sei isso lá com ele, cheguei uma hora e meia mais cedo. Sim! Eu tenho uma estranha mania de ser pontual e até chegar antes do horário. Não significa que não me possa atrasar. Ninguém é perfeito. Cof cof.

Chegando ao lugar era uma casa que tinha virado um espaço cultural. Tudo bem. Chego as 19h e ninguém. " Caraca! Nunca mais aprendo ao fim de 10 anos que quando se fala uma hora é para chegar uma hora e meia ou duas depois! Mas isso também é com shows não é só com festas particulares?", pensei com os botãozinhos. Eis se não quando sai lá de  dentro o Getúlio Abelha mais um dos bailarinos. Não tive o impeto de pedir autógrafo ou para ser mais moderna uma selfie para postar no Instagram. Acho sempre um pouco forçado da minha parte. Pergunto: " Sou a primeira ou sou a única?". " Nem querendo você é a única!". Respirei de alivio e desde então nunca mais lavei o rosto para não apagar aquele momento que uma estrela musical me dirigiu a palavra.

Finalmente, passado um bom par de horas lá começou o show. O coração palpitou como uma adolescente embora me sentisse um pouco antiquada de ter sido a primeira e as pessoas irem chegando tranquilamente ao longo de três horas, enquanto o DJ colocava algumas música de sacanagem ( da gostosinha, do gostosão) que aí já não é ser antiquada é mesmo outra pegada. Para mim essas músicas de sacanagem não deixam de ser conservadoras.

Embora a minha orientação sexual seja hetero, se dissese o contrário estaria ser fake só para estar na onda e ser modena, adoro esse universo artístico LGBTQI+ com a sua teatralidade, a sua irreverência, a sua transgressão e sua luta diária para se afirmarem e deixarem de serem perseguides e até ceifados. O meu primeiro amigo efeminado foi um coleguinha de escola aos 9 anos. Sentavamos-nos na mesma carteira. Aquilo era uma risota pegada. A sua espontaneidade e leveza faziam-me rir e ele ria-se comigo também. Fiquei triste quando a professora nos separou. Anos mais tarde tive um amigo intimo da dança e do teatro que era e ainda deve ser homosexual. Acontecia uma coisa curiosa: quando estava só comigo ele era apenas ele, quando estavamos entre amigos parecia que queria de alguma forma competir a atenção de outros homens, quando encontravamos alguém do meio artístico já virava aquela feirinha de vaidades do " eu isto, eu aquilo", quando estavamos entre amigos gays eu desaparecia quase por completo do seu campo de visão. Eu encolhia os ombros porque gostava dele e sacava que ele tinha uma necessidade imensa de performar para ser aceite. 

Quanto a mim essa é a parte que eu não dou conta: quando o dia a dia e a sociabilização vira show off, uma passerele de máscaras sociais para nos adequarmos aos esterótipos que a nós mesm@s nos impusemos. Como sou atriz de teatro e palhaça não me vejo o tempo todo a fazer palhaçadas e teatrices para os outros assim como passar um dia inteiro com alguém que não sai do seu estado de palhaço ou de ator e não é simplemente. Por outro lado tenho muitos amigos gays que são divertidos e são "sóbrios" no seu jeito de ser e estar. 

Observo dois sujeitos no show. Um dando em cima do outro que já está acompanhado. O paquerado para não ser grosso mantem o mesmo sorriso e simpatia o tempo todo,  quem olha de fora dá aquela tontura como se muitas imagens passasem ao mesmo tempo mas que é sempre a mesma. Para mim assumirmos quem nós somos é assumir o que está dentro de nós, na essência de forma espontanea,  sem ter que agradar ou provar nada a ninguém. Posso mudar de ideias, por enquanto é assim que enxergo. 

A Piu

Br, 09/08/2022

foto: esperando Getúlo Abelha

sábado, 6 de agosto de 2022

OLÁ CAMARADA!


Certa vez escutei dum pajé que para sabermos se uma comunidade ou sociedade é feliz é preciso perguntar para as mulheres como estas se sentem e se são bem tratadas. Pura sabedoria, não? Talvez na comunidade desse pajé não tenha sido sempre assim ou talvez esse entendimento ainda esteja a ser posto em prática passo a passo. Mas ter essa sacada já é um passo gigante. 

Há, com certeza, várias abordagens feministas, imensas linhas de pensamento e ação consoante o lugar que as mulheres no individual e no coletivo ocupam, as suas necessidades e referências. Ter consciência disso já é outro passo gigante para não borrifar setenças com aquela certeza, aquela verdade emancipatória pasteurizada sobre a condição de outras mulheres. Tampouco falar pelas outras. Uma coisa é escutar e apoiar, outra é querer ser protagonista da causa, por exemplo, do feminismo negro ou indigena, quando se vem de outro contexto ou de outra condição. Já não falando das burkas das mulheres e dos achismos em volta semperguntar a opinião das envolvidas. 

Querer ser protagonista da causa alheia é oportunismo. Ou não? Isso é como aquele pessoal que vai estudar, por exemplo, os indígenas mas além de não entender com mais profundidade a sua cosmovisão não leva beneficios nenhuns à comunidade, continuando esta necessitada de recursos ao passo que @ pesquisador@ fica de boa com a sua bolsa, a sua carreira à custa do seu "objeto de estudo" que no caso são seres humanos... Depois quando um indigena estudante universitário fala isso para uma plateia a antropóloga branca ainda tenta contra argumentar. Enfim, é tempo de decolonizar o pensamento e a ação e empatizar mais.

Romantizar as sociedades não brancas também não me parece que seja o melhor caminho de entendimento para fazer diferente. Certa vez conheci numa roda de conversa aqui na universidade estadual ao lado de casa três gerações de mulheres indigenas duma grupo lá do Matogrosso. Não as escutei como académica porque não é assim que me considero nem é esse o meu grande objetivo na vida, e sim como cidadã, mulher menina e moça. Ali estavam avó, mãe e filha que relatavam que querem acabar com uma tradição no seu povo que consiste em todos os homens da aldeia, excepto parentes mais próximos à menina que entra na puberdade, fazerem uma grande festa onde o ritual de iniciação das meninas é de estas entrarem no rio e serem desfloradas por todos os rapazes e homens da aldeia. Estamos perante um esturpo coletivo. Se estas mulheres, depois que começaram a estudar e a abrir os horizontes, querem pôr fim a esta tradição é porque não se sentem mais obrigadas a consentir, a obedecer a algo que as fere. Não se trata aqui de nomear qual o povo, porque hoje todos os povos deste imenso território precisam de solidariedade, porém os mesmos estão cientes que hoje a flecha precisa de ser certeira no coração da consciência.Os próprios o dizem e isso é imensamente bonito, libertador. Assim como para os mesmos as redes sociais são canais de divulgação das suas vozes e que provam que estão vivos mais que nunca, embora o genocidio continue em curso. 

Ai caramba! Queria escrever um texto alegre, quiçá engraçado, acerca duma visita a uma exposição que visitei à sucapa na universidade aqui ao lado de casa disfarçada de mim mesma para assistir a uma performance dum sujeito charmoso -  espero que não fique vaidoso de chamá-lo assim porque a vaidade tira brilho e torna qualquer um desinterassante - que polia umas moedas de centavos duma imensa bandeira do Brasil. Assisti à distância porque não sabia como me aproximar e nada melhor que observar e ler o entorno. Um sujeito para manter o charme precisa daquele toque de entendimento feminista como o pajé que acima foi citado sem academicismo. Pois não é, camarada? 

A Piu

Br, 06/08/2022



quinta-feira, 4 de agosto de 2022

MUITO ANTES DO CAPITALISMO VEIO O PATRIARCADO


 Buchi Emecheta é uma mulher como tantas outras. Poderia ser uma de nós, cada uma com as suas especificidades. Mulher, negra, mãe, de origem igbo e nascida em 1944 na cidade iorubá de Lagos numa Nigéria ainda colonizada pelo Império Brtitânico. Conhecer a escrita desta mulher, que emigra, já mãe e casada, para Londres com o marido negro e igbo é conhecer os seus sonhos tornados realidade, assim como os maus tratos dum homem como tantos outros cujo comportamento é legitimado por uma cultura patriarcal. Ninguém fala isso por ela. É ela que mostra ao mundo nos seus romances que são auto biográficos o que é ser cidadã de segunda classe em Londres, enfrentar a maternidade com um sujeito que se acomoda a que esta o sustente e em troca a mal trata e faz filhos a torto e a direito, punindo-a furiosamente quando ela tenta usar contraceptivos nos idos anos 60. Porém, aos poucos, ela vai-se libertando desse casamento tóxico e violento mesmo que assuma o cuidado integral dos cinco filhos enquanto é bibliotecária, costureira e escritora. Sim, antes de mesmo de falarmos de capitalismo, colonialismo e escravatura, que é mais que importante, precisamos de conhecer e tomar consciência da condição da mulher numa lógica patriracal que atravessa milhares de anos e é planetária.

Ao assistir ao monólogo teatral " Virginia" pela Claudia Abreu com direção de Amir Haddad, baseado na vida e obra da escritora inglesa Virginia Woolf, o público toma conhecimento ou confirma que pelo menos as últimas seis ou sete décadas, que não é nada, foram e são decisivas para que as mulheres de várias cores, etnias, sociedades, culturas, classes sociais para que estas se libertassem dessa lógica machista, misógina que não serve ninguém, nem mesmos os homens que almejam ser felizes.
Nascida em 1882, Virginia Woolf morre em 1942. dois anos antes da Buchi Emecheta nascer. Ambas são vitimas de violência doméstica e escrevem. A Virginia é negado frequentar a escola por ser menina, aprendendo em casa através do seu irmão e circula pela aristocracia londrina. Já a Buchi cresce em Lagos, é matriculada numa escola missionária para meninas, onde aprende as línguas nativas e inglês, no entanto a pobreza e a subnutrição estão presentes.
Virginia Woolf é inglesa e branca. Devo dizer que para muitas das mulheres brancas as origens aristocráticas de Virgina não as representam, por exemplo a mim não me representa. Mas essa sede de liberdade representa sim. Já a Buchi Emecheta é nigeriana e negra e torna-se cidadã de segunda classe quando chega a Londres onde quem a mais estigmatiza são os seus conterrâneos, por ser mulher, não querer dar os seus filhos para adoção, prática comum nessa época em Inglaterra ( 60's) e ter estudos suficientes para ser bibliotecária. Uma mulher faminta de vida e realização pessoal que vai abanar com as estruturas e servir de inspiração para muitas mulheres e homens, que já que estes querem ser felizes que acompanhem os ventos de mudança.
Como canta a nordestina Flaira Ferro:
" E a história é minha, porra
Eu tô cansada
Eu faço meu trampo direito
Pra macho dizer que não tô preparada
Não tenho deslumbre com nomes
Invento o meu ritual
Boto a boca no microfone
Se não me tratar de igual pra igual
Não nasci pra ter sonho pequeno
Sou vanguarda na era do pós
Tenho a força do meu pensamento
E carrego a mudança que sou porta-voz
Eu vou cantar por mim
Por minha mãe
Por minha avó
Por minha bisa
As coisas que elas um dia
Calaram
Sofreram
Lutaram
E morreram
Pra que hoje eu esteja viva" - FAMINTA-

terça-feira, 2 de agosto de 2022

ENTRE IPIRANGA E A AVENIDA SÃO JOÃO

Mesmo com mapa todo dobradinho, o google maps ou gps a pessoa é falivel. É pois. Em vez de subir a rua, desce e vai ter num outro nº 50. Não tem placa comercial cá fora... Vai que está lá dentro nesse imenso prédio aparentemente residencial! Oh! Lá vai alguém a entrar, vou aproveitar!!! 

"Mora aqui?!Não?! Então fale com o porteiro pelo intercomunicador!!!" fala um sujeito novo com a voz nervosa e o corpo um tanto agitado. PUM!! Porta fechada bem no meio da cara!! " Nossa!", diz a mulher que adotou a gíria local e pensa na sua gíria de origem: " Esse gajo todo cagado de medum e preconceituoso deve pedir umas tantas vezes umas chapadas na fuça por achar que qualquer ser humano que se atravesse no seu caminho é alvo de desconfiança. Deixa p'ra lá, chavala!"

Depois da porta 50 da rua certa a chavala continua a sua movida. Dois moradores de rua passam e um deles de sorriso largo: " Oiiaaaa qui chapéu chiqiu! E ozolhos?! Qui lindo" Pronto! Aqui 'tá um elogio sem segundas intenções vindo dum ser humano que já deve ter com certeza levado com várias portas na cara e chegas p'ra lá. Não se sabe ao certo se tem não tem nada a perder eou se ainda tem alguma coisa a ganhar. Sabe-se sim que não perdeu a sua humanidade, mesmo que a tentem retirar-lhe diariamente,  e isso é o mais precioso.

Quanto a andar com segurança no Brasil nunca escutei histórias de forças policiais invadirem condominios fechados e ceifarem vidas de inocentes, nomeadamentye crianças. Já na periferia é o ponto nosso de cada dia. O sujeito do nº 50 da rua trocada terá as suas razões para andar borrado de medo, mas seja como for é um alienado que com o seu medo muito provavelmente atrai o perigo para as suas bandas.

O centro de São Paulo não é aquele glamour todo duma cidade, deixa ver..., como Copenhaga. Em São Paulo o lixo e o luxo coabitam com uma naturalização própria do fosso social de quem tem o que comer e onde dormir de quem nem isso está assegurado.

A mulher de chapéu chiqui cool no final do dia ao se dirigir para o número 50 certo tropeça num rato que se atravessa a correr. A sorte é que ela tem jogo de pernas para dar uma pirueta e não se estatelar no chão, perto dum boeiro e dum saco de lixo aberto entre um hotel e outro no centro da cidade grande.

Seja como for, é bom ir e voltar ao meio  das árvores, principalmente sem temer a vida  e as pessoas gratuitamente

Campinas SP, 02/08/2022