sexta-feira, 12 de junho de 2020

PORQUE TODOS SOMOS ESTRELAS

Paula Rego





Naquela época, quando ainda isso não era legalizado no meu país de origem, aquelas minhas alunas, que tinham idade para serem minhas mães e professoras da vida disseram:" Eu nunca abortei, mas já fiz vários desmanchos". Para quem me conhece pessoalmente sabe que quando fico estupefacta, surpreendida e sem chão os meus olhos abrem feitos uns faróis, tipo aquela época que passei pela universidade dos unicampeões, muito eruditos mas só até um certo ponto da viagem existencial. Enfim, e eu um peixe fora de água a pensar: O que se passa? Não posso gritar pela minha mãe porque já não a tenho....Onde me agarrar? Amigooooos iuuuuu coleguinhas iuuuuuu ( colegas são as p...tas como diziam as minhas alunas de teatro encarceradas por tráfico de drogas, reclusas do fim da linha do narcotráfico. Arraia miúda como isco para que os maiores lucrem aos milhões).
Ficar sem chão é uma ótima oportunidade de revermos uma série de formas de operar. Quando conheci a constelação familiar percebi que mesmo um ser abortado é uma alma que precisa de ser lembrada, caso contrário a vida emperra. Obstaqueliza-se. Acabei de inventar esta palavra!!!! Muit@s dirão que é viagem! Tá! Tudo pode ser viagem na maionese, principalmente quando não nos aprofundamos em outros campos de conhecimento que não cientifico, o cartesiano, o acadêmico! Onde me senti realmente com a alma adoecida foi no meio acadêmico! Aí tive a oportunidade de encarar o que é a não vida, o conhecimento opaco que brilha nos corredores das vaidades e status, onde as publicações que ninguém lê é um brinde semelhante a um desmancho.
Sim, uma mulher dar à luz ou decidir desmanchar é um ato politico. E isso é direito que lhe deveria assistir em toda e qualquer circunstância de forma consciente sem juízos de valor alheios que em nada agregam. é um direito segurarmos as rédeas da nossa vida com consciência, como deveria ser um direito de não nos nos sentirmos sozinhas na beira da falésia. Deveria ser um direito vivermos em coletivo realmente sem beatices e individualismos egóicos..Assim como é um direito mostrar a língua de fora para uma lógica de produção material e de conhecimento que aprisiona. Na verdade, naquelas reclusas sentia muito mais desejo pela liberdade do que aqueles que se entregam a carreiras que carecem de sentimento, humanidade mas que garantem reconhecimento dum meio restrito e elitizado achando que são únicos e eruditos perante um mundo imenso e belo que vai daqui até às estrelas, passando pelos oceanos e pela cultura e sabedoria popular. Todos somos estrelas quando abrimos mão da vaidade, do orgulho e da ânsia de vencer o nada. O nada é o nada. Não não há nada para vencer. Por isso é nada e é tudo. E quando entendemos isso vivemos, morremos e renascemos com muito mais tranquilidade, logo liberdade.
A Piu
B'Olhão Geral Zen, Kampinas SP 12/06/2020
pintura: Paula Rego

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