sexta-feira, 23 de agosto de 2019

SONS E SILÊNCIOS DA FLORESTA

" Nossos maiores amavam suas próprias palavras. Eram muito felizes  assim. Suas mentes não estavam fixadas noutros lugares. Os dizeres dos brancos não se tinham intrometido  entre eles. Trabalhavam com retidão e falavam do que faziam. Possuíam seus próprios pensamentos voltados para os seus. Não ficavam o tempo todo repetindo: " Um avião vai pousar amanhã! Vou pedir facões e roupas!" ou então " Garimpeiros estão se aproximando! A malária deles é perigosa, vai nos matar!". Hoje, todas essas falas a respeito dos brancos atrapalham nossos pensamentos. A floresta perdeu seu silêncio. Palavras demais nos vêm das cidades. Vários de nós foram até elas para tratar de doenças ou defender a floresta. Suas palavras entram em nossa mente e a tornam sombria. Esses forasteiros não nos param de preocupar, mesmo quando estão longe de nós."

Nosso pensamento fica emaranhado com palavras sobre garimpeiros que comem a terra da floresta e sujam nossos rios, com palavras sobre colonos e fazendeiros que queimam todas as árvores para dar de comer a seu gado, com palavras sobre o governo que quer abrir nelas novas estradas e arrancar minério da terra.  (...)  Os jovens passam o tempo todo jogando futebol na praça central da casa, enquanto os xamãs estão trabalhando ali ao lado. (...) O pensamento desses jovens ainda está obstruído. Por mais que tentem imitar os forasteiros que  encontrem, isso nunca vai dar nada de bom. Se continuarem nesse caminho escuro, vão acabar só bebendo cachaça.
Os maiores não pensavam nem um pouco nessas coisas de branco. Hoje, nossos olhos e nossos ouvidos passam muito tempo dirigidos para longe da floresta, alheios a nossos próximos.
As palavras sobre os brancos emaranham as nossas e as deixam esfumaçadas, confusas. Isso nos deixa aflitos Tentamos então afrouxar nosso pensamento e tranquilizá-lo. Dizemos a nós mesmos que os xamãs irão nos vingar contra as doenças dos brancos e que não morreremos todos."

Davi Kopenewa e Bruce Albert " A queda  do Céu, palavras de um xamã yanomami" Companhia das Letras.SP: 2010. (págs. 226/227)







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