domingo, 14 de janeiro de 2018

DÉCIMA NOITE: AUTO PERDÃO ACERCA DAS DISTORÇÕES DO FEMININO E MASCULINO DISTORCIDO

Naquela noite caminharam durante muito tempo. Em torno duns 6 a 7 meses debaixo dum céu cujo sol se cobria com um véu.  Estavam perto do Polo Norte. Não se sabe ao certo se na Islandândia que é a terra do do gelo, se na Gronelândia que dizem que é a terra pai Natal para uns, papai Noel para outros.
Ali parados. em cima dum bloco de gelo deram as mãos na esperança que esse bloco flutuasse até um outro bloco que assegurasse terra firme. Já em terra firme cada um tirou a sua garrafa para nesta meter as suas mensagens acerca do que desejavam se descartar para mais leves seguirem. Mensagens de auto perdão acerca desse tal feminino e masculino distorcido que a maioria de nós não tem consciência que traz dentro de si. Mas quando alguém nos alerta para tal facto, num primeiro momento ficamos boquiabertos com uma babinha a escorrer no canto inferior esquerdo e até mesmo direita da boca até ao queixo, seguindo para o umbigo. Depois ficamos assombrados e até recusamos que também somos assim. Para depois erguer a cabeça com dignidade e olhar de frente o que é para enxotar.

Cada um e cada uma escreveu uma carta de auto perdão para jogarem à gélida e antártica água. Uma carta de duas frases que sintetizasse tudo aquilo que queriam que fosse embora. Escreveram em silêncio sem conversetas penduretas.

A mulher menina de olhar sério, mas doce escreveu: Amando-me peço licença para que tu, criança interior e inocente que trago dentro de mim, perdoe-me de ter boicotado a minha felicidade e a dos meus queridos desconfiando na palavra amor que nos faz abraçar com ternura e desapego mantendo vínculos duradouros baseados na verdade e somente na verdade, transparência e confiança.

A menina mulher de olhar irreverente, mas transpirando subtilmente insegurança escreveu:
Amando-me peço licença para que tu, criança interior e inocente que trago dentro de mim, perdoe-me de me comparar com as minhas companheiras, irmãs, mulheres achando que o meu status insolente juvenil do meu restrito mainstream é mais esplendoroso que essas companheiras, guardiãs da cura do feminino e do masculino.

O jovem homem escreveu: Amando-me peço licença para que tu, criança interior e inocente que trago dentro de mim, perdoe-me por todas os pensamentos,  palavras, ações invasivas que cometi para com outros, nomeadamente para com quem amava e não sabia lidar com esse amor que por mim era boicotado, culpabilizando/responsabilizando terceiros desse mesmo boicote.

O outro homem ainda escreveu: Amando-me peço licença para que tu, criança interior e inocente que trago dentro de mim as vezes que fui boçal e desdenhei da dignidade dos seres vivos e da igualdade, solidariedade e fraternidade e do valor do trabalho de outros seres humanos achando que isso era coisa de komuna (!?.....) ou outra coisa que achava que não era digna para a lavagem cerebral que me deram desde a escola, passando pela tv e cinema

Uma mulher e um homem e mais outro homem e também uma mulher ainda escreveram, como por magia, a mesma coisa: Amando-me peço licença para que tu, criança interior e inocente que trago dentro de mim para não ter mais mais medo de amar na plenitude, respirando profundamente de olhos fechados e também abertos para que crie espaço para tudo o que é criativo, criador, desconstrutivo de verdades e pequenas certezas que subscrevem relações de poder. Que quando nos colocamos no lugar da vitima é feminilidade distorcida e quando nos colocamos no lugar do inspetor Smart Espertalhuço Que Te Vou Apanhar Em Flagra não passa de masculino distorcido.

Depois uns leram para os outros o que escreveram. O jovem homem que escrevera sobre ser invasivo não se pronunciou. Todos respeitaram, pois invadir a intimidade alheia merece auto perdão sem julgamentos exteriores.

Decidiram, então, por questões ecológicas e práticas que as mensagens seguiriam todas numa mesma garrafa, pois todos, de uma forma ou outra, padeciam das mesmas dores que necessitavam transformar em amor.

Em silêncio viram a garrafa partir. Nas restantes encheram de água límpida, de desejos, pensamentos, palavras, ações, gestos líquidos. E o sol da meia noite surgiu no céu. Nunca duvidar que este  aparecerá. Aparece sim, quando por dentro nos limpamos de tudo o que é tóxico e nos pesa impedindo-nos de abraçar e voar. Amar e deixar amar.

A Piu
Br, 14/01/2017




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