sábado, 14 de janeiro de 2017

OS ENCANTOS DA NATUREZA E AS TRAVESSURAS DOS HOMENS ( acerca do neo colonialismo)


Quem visita e conhece Ubatuba sente a natureza luxuriante secular. Uma natureza imponente de seios verdejantes. A Mata Atlântica resistente no seu esplendor. Por mais que a ocupem e a explorem, esta sobrepõe-se à mão humana; essa mão que pode ser criadora como devastadora.
Da praia podemos imaginar umas caravelas salpicando o horizonte e aproximando-se. O que terá passado na cabeça daqueles que em terra estavam? Alguém estava à beira mar nesse exato momento? E o que passou pela cabeça daqueles que navegavam e navegavam e navegavam? O ponto de vista de quem chega é diferente do ponto de quem já lá está. O ponto de visto é muito diferente de quem, praticamente pelado, é coberto pela natureza e do ponto de visto de quem chega das trevas medievais cobertos de credos, pudores e punições.
Dar novos mundos ao mundo… Como dar novos mundos ao mundo se o projeto foi de derrube com vista a conquistar, usurpar e lucrar? O que ficou das culturas “descobertas” tem sido pura resistência.
Há um tempo atrás esfolhei “ A força das coisas” de Simone de Beauvoir. Por mero acaso abri naquela parte em que Simone e Jean Paul Sartre visitam o Brasil em meados dos anos 60. Surpresa, ela descreve um encontro com uns exilados políticos portugueses do regime fascista vigente entre 1932 e 1974. Segundo ela, eles defendiam o fim do fascismo mas alegavam que a Angola deveria continuar a ser de Portugal. Isto dito no Brasil!!!
Depois entre o 25 de Abril de 1974 e a independência dos povos africanos, sobre o jugo do governo português em 1975, muitos foram obrigados a sair das ex colónias. Uns foram para a metrópole ( Portugal), outros diretamente para o Brasil onde se vivia uma ditadura militar. Alguns dos primeiros não aguentaram muito tempo em Portugal. Por inadaptação, segregação e tudo o que podemos imaginar de alguém que chega dum país tropical com as suas dimensões, melodias, privilégios (justos ou injustos) e depara-se com um país como Portugal. Provinciano, sedento de liberdade, confuso em relação ao que é a democracia e… agora vou tocar num ponto, talvez delicado para muitos. As pessoas que retornavam de África poderiam ser muitas delas direitonas, conservadoras, exploradoras. Nem todas eram, nem são. Mas elas transpiravam liberdade! Soltura nos movimentos! E eram vistas como as “pretas”. Olha a ironia! Os revolucionários estigmatizavam aqueles que viveram os privilégios. Com inveja do que não viveram e chamarem "pretas", como algo pejorativo...
Enquanto escrevo, as janelas estão abertas e uma chuva tropical cai diante dum céu laranja. Essa é uma das grandes fantasias de quem não conhece os trópicos. E leva-me a crer que alguns revolucionários da época sentiam inveja dessa vivência ou então não compreendiam o que é viver diante duma natureza tão imponente e ancestral. Não estou com isto a defender aqueles que voltaram carentes da sua criadagem. Seja como for, muitos dos que ficaram, por serem pró independência mantém a mesma criadagem e privilégios por serem brancos. Eu já conheci alguns que são capazes ainda de falarem mal dos portugueses no geral, sendo que são portugueses igualmente, e eles sim são os colonizadores efetivos a darem uma de independentistas. Ah! E nos depararmos com essa postura num país como o Brasil, temos de ter muita presença de espírito pois os outros, igualmente privilegiados poderão subscrever. E passarmos por bode expiatório é chato. :) Em suma, uma série de equívocos e falta de consciência de classe e histórica. Alguns são negros, normalmente podemos encontra-los em Portugal ou nos países africanos lusófonos. Esses incluem-se nos opressores que uma vez foram oprimidos e em nome da independência seguem o padrão do branco que se diz independentista, anti imperialista. Sim, porque um angolano, moçambicano, guineense, Cabo Verdeano negro no Brasil é estigmatizado. Só para avisar. E já que os brancos que não retornaram em 75 são isso tudo, então que passem o seu capital cultural à criadagem ao invés de defender que criam postos de trabalho. Aprender a fazer a cama onde se deita é um primeiro passo para a libertação, já não falando de cuidar do seu próprio jardim e limpar o lugar onde escoa as suas águas e matérias bio degradáveis interiores. Além de ser muito ecológico, emocionalmente falando, é coerente com o que se defende desde há umas quatro ou cinco décadas a esta parte.
Ana Piu
Brasil, 14.01.2017


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