sexta-feira, 15 de junho de 2012

Karmen

Baptizada na igreja da freguesia de Várzea da Ovelha e Aliviada, concelho de Marco de Canaveses, Maria do Carmo Miranda da Cunha zarpou com apenas um anito de idade dum Portugalito rural que nesse mesmo ano detonou uma monarquia secular dando vivas a uma República que rapidamente se tresmalhou numa ditadura. Talvez, a nossa querida Maria do Carmo se tivesse ficado por Marcos de Canavesses fosse uma ovelha tresmalhada num Portugal tristonho e tacanho. Ou talvez, pelo facto, de não ter permanecido tenha sido um alívio para ambas as partes: para ela e para a moralidade da santa terrinha. Mesmo assim a sua contemporânea Amália Rodrigues, com o seu talento inquestionável e a sua sóbria beleza e sensualidade, deu bom jus à portugalidade. Nunca mais tendo voltado ao seu país de origem à beira mar plantado, Carmenzita com seu estilo foi considerada a percursora do tropicalismo dos anos 60 no Brasil. Dá para imaginar a Carmito no Portugal do Deus Pátria Família cantando com aquele corpo escultural, adorado e invejado por determinadas mulheres, homens e travestis, com um bacalhau na cabeça? Bom, ‘tá bem!... Com peras, cerejas, morangos, laranjas e melancias na cabeça? Apesar de achar que nesse Portugal da tríade onde a fominha era muita, mesmo que a memória seja fraca para muitos, o colorido da fruta lusa seria uma afronta à moral e aos bons costumes. Ainda bem, Carmito que foste cantar para outras freguesias e que te deram o valor devido, mesmo que o teu catolicismo tenha sido uma armadilha para o teu destino!... Em prol desse tal catolicismo foste maltratado pelo teu último marido sem nunca teres querido se separar. Vai-se lá saber quantas mulheres ainda caem nessa esparrela em pleno século XXI? Bom, ele há homens (como mulheres) que passam pela vida dos outros e a coisa torna-se drástica….

    Mas começo a supor porque é que a rainha do samba para muitos nunca foi portuguesa… Pudera! O pai dela era barbeiro!!! De bigoduda estava safa!!... E como teve muito sucesso pelas Américas tanto do sul como do norte tosca não era não! E se foi chamada de Carmen foi porque seu pai, mesmo vindo lá das berças, gostava de ópera. Olha!... Pois, pois. Afinal o corridinho, o vira, o faducho não eram a selecção musical do senhor!! Ora pois! Nem tudo o que é óbvio, afinal o é.

    E mesmo que lhe tenham dito que o mundo ia acabar e que afinal não acabou… E mesmo que o mundo tenha acabado para a Carmen, para o mundo a Carmen não acabou. Se ficou abrasileirada, americanizada diluindo a sua portugalidade  pouco importa, parece-me. Não importa mesmo nada. Talvez o que importa é parar e tentar acompanhar o percurso dum sorriso que se desvanece, como um coração dá sinais que poderá colapsar. Entender como uma força da natureza se torna um produto comerciável. E talvez a pessoa que encarna esse produto comerciável deixe de ter vida própria, porque o esplendor vai para lá do que é humano.

Barão Geraldo, 14 de Junho de 2012

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