quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O BRASIL NO BRAZIL

 



- Por favor Piu, fale três desejos para o Brasil.

- Só três desejos? Não pode ser um?

- Aí quebra a regra dos contos de fadas, mas diga lá um e depois os outros dois.

- Gostaria que os seres encantados da floresta fossem respeitados por quem nunca os viu e até desconfia da sua existência. E que as fadas da Disney dessem um tempo à gente.

- Ai Ana! Ana! Só você para acreditar que cantando o céu não cai e as fadas da Disney deixarão de comer marshmallows. 

- Posso, então, falar os outros dois desejos? Então vai: espero que depois de Outubro não se volte a falar em milagre económico e sim valorizar o trabalho das pessoas dando-lhes condições dignas para viverem, ao invés de sobreviverem. Que em vez de se falar de churrasquinho e consumo desenfreado fale-se de soberania alimentar e dos malefícios do agronegócio, agro tóxico e desmatamento. Já o terceiro desejo para depois de Outubro é aqueles que querem deixar o Brasil o façam sem precisarem de repetir o chavão: ' Ai o Brasil já deu! Não tem jeito, não! Vou mas é pra Europa ou para os States para dar aquele up!"


Mural da história sem moral mas com moral sem moralismo: lutar com um indígena é refazer praticamente todos os hábitos de consumo e lógicas agregadas que se naturalizam pela lavagem cerebral que a midia é muito responsável e que se reproduz sem se pensar realmente, quer se esteja para direita, para a esquerda, para um lado, para o outro, para a frente ou para trás.


Nunca escutei um indígena falar que o Brasil não tem jeito que o melhor é ir embora. Escuto sim a urgência da demarcação de terras, da não invasão e e do fim ao genocidio. Escuto sim e observo a força que estes povos com os seus movimentos teem principalmente nesta era da tecnologia onde a divulgação de quem são e do que fazem é eminente. Escusado será lembrar que um indígena não deixa de ser indígena por usar tecnologia. Pelo contrário, afirma a sua identidade. Pensar e falar que não indígena genuíno é dum cinismo sem precedentes. 


Estes cartazes que aqui publico trouxe do MASP - Museu de Arte de São Paulo. Com fama de elitista, este museu à terça e quinta abre as portas gratuitamente ao público e a sua curadoria tem feito questão de exibir obras de artistas indígenas, afro descendentes, mulheres e outres que não o homem branco de referências eurocêntricas. O MASP está de parabéns. Além de que disponibilizar estes cartazes de movimentos indígenas e do MST  a um público de classe média, média alta é um pauzinho na engrenagem.


Cada vez sinto que faz mais sentido estar aqui do que ter ido para Berlim há 10 anos atrás e depois dos testemunhos de amigas que vivem ou viveram nesse território durante o confinamento percebi que um país industrializado não significa que produza cidadãos conscientes. Mas com certeza que produz consumidores com espírito de clientes. Não serão todos, mas uma grande maioria.


Enquanto isso sigo com o desafio da re invenção do que é mudar o mundo interno e por consequência o nosso mundo externo. Já mudar o mundo na totalidade é uma ingenuidade arrogante. Ou não é?


A Piu 

B'Olhão Geral Zoom 15/09/2022


Cartaz: II Marcha das mulheres indígenas: reflorestamento, corpos e corações para a cura da terra. Brasília, 2021- coleção Edgar Kanaykõ Xabriabá.

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