Há uns bons duns belos anos atrás, nos idos anos 70, o canto-autor português José Mário Branco numa composição sua feita para " Mãe Coragem" do Brecht levada à cena pelo Teatro da Comuna ele perguntava: " Mas afinal o que é o comunismo?". Depois continuava cantando utópicamente sobre os meninos de amanhã, que no caso era a minha geração e as seguintes. Bom... Se nós portugueses nascidos na década de 70 somos filhos da democracia e a primeira geração sem colonialismo, também somos filhos do neo liberalismo. O resultado está à vista, mas agora vamos por partes em jeito de breve texto para redes sociais onde a ponte Portugal/ Brasil, Brasil/ Portugal para mim é o dispositivo deste amontoado de letras, frases vindas de informações, estudos, reflexões e ideias. Só para avisar que não acordei hoje de manhã com uma visão de mundo porque escutei ontem o jornal da noite entre um crime, uma corrupção, mais a Rússia a anexar a Ucrânia e um candidato brasileiro à presidência a dizer estupidezes machistas, ao qual agradeço a oportunidade pois ele enoja homens que também precisam de se auto observar nos seus pequenos e médios machismos quotidianos.
No Museu de Arte de São Paulo, além do acervo residente, estão quatro exposições: Dalton Paula: Retratos Brasileiros; Joseca Yanomami: Nossa terra- floresta; sala de vídeo: Bárbara Wagner e Benjamim Burca ( sobre o Movimento Sem Terra MST) e Histórias Brasileiras. Sincera e honestamente estas eposições poderiam atravessar o Oceano e serem apresentadas no "meu" Portugalito gourmetizado. Quem diz estas exposições, muitas outras que já visitei tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Nomeadamente as exposições do recem inaugurado Museu do Indigena em Sampa. Assim como obras de artistas portugueses anti fascistas que se preocupam e se debruçam sobre a questão do reparo histórico, dentro do que se pode reparar porque as atrocidades que estão feitas, não dá para pedir perdão levianamente e desculpar com um "deixa p'ra lá!". O buraco é mais em baixo. É abalar com o racismo e machismo estrutural, o que dá trabalho.
Numa daquelas conversas de quem viaja em Bla Bla Car ( carro compartilhado) conheço um sujeito que vive num assentamento do MST e é pintor de casas. Um homem com a sexta série e politizado. Ufa! Acho que foi das poucas vezes que conversei com alguém sem retóricas, teorias, demagogias. Mostrei-lhe os cartazes que trazia. Ele perguntou-me a minha profissão, eu respondi artista. " Ah! Eu sou trabalhador trabalhador. Sou pintor de casas e vim agora dum comicio do Lula." Aí eu pensei... Eu também sou trabalhadora trabalhadora. Ser artista dá trabalho porque requer estudo, dedicação e tem um lugar importantissimo na sociedade.
Ele diz que em Novembro vai para Portugal como pintor de casas onde o governo de lá é dito de esquerda e faz um gesto de aspas. Pronto! Agora sim estamos a falar a mesma lingua! Rimos os dois dos governos """ditos de esquerda""" e tecemos algumas críticas aos governos petistas, nomeadamente o descaso com a demarcação de terras indígenas, o impacto ambiental de Belo Monte, mais a campanha populistas do Lula no que toca ao churrasquinho. Ambos concordamos que mesmo assim ele deve ganhar e que ele não é comunista e sim um capitalista que democratizou o cartão de crédito. Aviso o sujeito, que não perguntei o nome, que ele vai encontrar um Portugal vendido aos estrangeiros onde o que se procura é mão de obra barata, mas ele como pintor trabalha em qualquer lugar pois não precisa de dominar a língua desse mesmo lugar. Falo-lhe da classe mé(r)dia brasileira que vive em condominios fechados com porta de serviços em Portugal, coisa que não existia até há pouco tempo. Falo-lhe da reforma agrária frustrada que foi tomada pelas manobras da união europeia e hoje a exploração a emigrantes é escandalosa. Só não lhe falei dos certos artivistas brasileiros brancos que se acham muito informados e fazem podcast para debaterem o porquê de terem escolhido Portugal, sendo o país colonizador, para viverem. Esse artivistas palito as covas da minha dentadura logo pela manhã e dou um arroto libertador: " Escolheram Portugal porque é chique morar na Europa e estão se a cagar para os trabalhadores portugueses e as suas lutas com avanços e retrocessos. Nem se tocam que são descendentes de colonizadores e que agora veem colonizar Portugal. E esta, hein? E como foram por modismo desinformado de empatia zero agora querem dar lições de moral. Mas aqui a artivista tuga a viver no Brasil porque sabe de que lado é que está no que toca a classes sociais e seus recortes responde: " Não estão bem ponham-se a andar. Esquerdice burguesa moralista a dar ares de padre cura pop pode ir dar uma volta ao bilhar grande. Muuuuuu VIVA A REFORMA AGRÁRIA!!! A terra e a vida é de quem se trabalha!"
A Piu
Br, 30/09/2022
1ª imagem: Marcha das Mulheres, pontal Paranapanema, São Paulo, 1996 - Coleção: André Vilaron
2ª imagem:5º Congresso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Brasília, 2007 - Coleção João Zinclar