terça-feira, 26 de abril de 2022

FILHA DA MADRUGADA


 Posso estar a ser tendenciosa, mas tudo indica que aqueles dias no final do mês de Abril até ao primeiro de Maio foram dos dias mais felizes da História do meu país. Falo duma felicidade coletiva, onde muitos que foram pegos de surpresa embora desejassem tanto aquele dia. Eu estava lá, mas ainda não estava para ver. Mesmo assim, se eu já fizer parte da geração indigo ainda não sou dotada de poderes cognitivos desde a mais tenra idade para afirmar: "aos seis meses de idade eu participei ativamente da revolução dos cravos."

 Entre o dia 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974  Portugal respirava euforia, a euforia duma liberdade tanto tempo esperada porque sufocada. Depois do Movimento das Forças Armadas ( MFA)  ter sido bem sucedido de forma pacifica o povo saiu à rua, mesmo havendo apelos para que as pessoas se mantivessem em casa. Até aquele momento uma grande maioria era despolitizada, apartidária, o que é compreensível. 90% da população, além de analfabeta, uma grande parte passava fome, não tinha saneamento básico e muitos migravam a pé, sem passaporte, até França e outros países vizinhos para fugir à miséria e à guerra e ao fascismo. Claro,  que havia a classe remediada, os pequenos burgueses em ascensão com o advento da modernidade e da sociedade   de consumo, capitalista.

Aqueles dias foram de pura emoção. As pessoas podiam rir, cantar, abraçarem-se  na rua com espontaneidade, coisa que lhes foi negada durante décadas. Bem vistas as coisas séculos. Uma das maiores emoções foi as prisões libertarem os presos politicos e familiares e amigos poderem abraça-los como quem diz: " Valeu a pena apesar de tudo e estamos aqui." O primeiro de Maio, dia do trabalhador, as ruas de cidades como Lisboa estavam apinhadas de trabalhadores.

O que se sucedeu nos meses, anos seguintes tem as suas complexidades dum final de século XX onde utopias, sedes de poder também por alguns ditos de revolucionários, globalizações, neo liberalismos, prisões em plena democracia por aqueles que se opunham à entrada de Portugal na União Europeia e outras estratégias de oposição questionáveis no meu ponto de vista. Uma outra complexidade que até hoje está por sanar foi a forma como Portugal deixou os países africanos e como  portugueses e portuguesas que lá viviam, quer fossem ou não reacionários, foram recebidos em Portugal e como muitos seguiram para o Brasil, então em plena ditadura militar. 

Tem duas coisinhas que até hoje me espantam: a solidariedade ser algo muitas vezes abstrato, subjetivo, retórico com dias marcados para sair à rua em passeata e não honrarmos quem veio antes de nós com todas as suas dificuldades, lutas, resignações, limitações, utopias. E esta escrevo não somente para o povo português, que é o meu povo, como para os brasileiros descendentes de portugueses que parece que nem sempre estão interessados em ativar a memória histórica e honrar a sua ancestralidade pelo caminho da ética e da liberdade. Sim, vamos combinar: ir para Portugal porque é-se classe média alta com aposentadoria ou leva-se uma bolsa de estudo e pode-se consumir mais coisas com estilo "gourmet" não me parece que esteja no combo da solidariedade. Assim como ser-se muito sorrisinhos e ser tudo maravilhoso porque dali se leva vantagem individual também não me parece que se insira nesse combo. Já as pessoas voltarem à terra dos seus avós e bisavós nutrindo respeito e carinho por um povo que com certeza não é perfeito e tem as suas m... rdas mofadas, como todos os povos, é voltar às raízes e agregar, fazendo diferente sem apontar dedos com desconhecimento de causa. 

Por hoje é isso. Que os encontros intercontinentais sejam plenos de respeito, permissão, entendimento por um sentimento maior; Assim seja. Assim é.

A Piu

Brasil, 26/04/2022

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