Hoje tomei coragem e trouxe esta foto a público. Digamos, ao circuito restrito, porém não restringido, dos meus contatos interpessoais. Falo da foto da esquerda que me assombrou, traumatizou durante anos e anos. A minha avózinha não fez por mal, até fez por bem e como os meus pais estavam a trabalhar foi ela quem me levou a fazer o meu primeiro documento, na época bilhete de identidade hoje cartão de cidadã. Eu até vestia aquela roupa aprumadinha mas sem botão até à goela, tampouco aquele penteado "como assim?". Ainda hoje trago dentro de mim a dificuldade de trazer o cabelo bem compostinho. Há sempre um toque de descabelo, próprio duma filha da madrugada.
Esta a cores já é do meu passaporte tirado no consulado em São Paulo. No momento exato em que olhei para a câmera, logo depois de tirar a máscara, vi que um pelinho maroto a cair sobre o buço do lado direito! Ahhhh! Não consegui deixar o bigode nascer a tempo para confirmar a minha feminilidade contemprânea ancestral.
Passados umas duas semanas recebi o passaporte em casa, que é um livrinho que a pessoa usa quando está fora da Europa. Dentro do condominio europeu basta o cartão de cidadão. Olhem! Quando eu recebi o livrinho a minha cidadania deu aquela tremidela, como quem diz: " Outra vez, pá?! Não dá p'ra mudar o discurso?!"
O passaporte até que está moderno. Foto a preto e branco e depois a cores e nas páginas seguintes uns desenhos que lembram as notas holandesas antes do euro, só que os florins eram muito mais bonitos. Os motivos eram flores, tulipas claro, pássaros e natureza. Já o livrinho tuga... Só tem uma página com camponeses do antigamente,, do tempo em que os meus avós eram explorados na ceifa. Representam-me como raízes, mas seria fixe bacana outras representações de seres humanos trabalhadores que ganham dignamente e não são esquecidos, construindo um país de outras narrativas onde sonho e liberdade estão na ordem do dia. Mas não! O que aparece são igrejas, castelos, padrões dos descobrimentos e outros monumentos exaltando feitos heroicos a esta altura do campeonato. É verdade.
Refazer narrativas como forma de emancipação e de um possivel perdão quanto a uma dívida histórica por vezes parece que ainda está longe . O que é igualmente curioso é haver um deslumbre por monumentos históricos de circunstâncias boçais e afirmar que no continente americano não há História, porque carece de monumentos. Tá bem abelha. A minha avó, acho, tinha um certo "desgosto" de eu ter um visual que para ela não era duma menina obediente. Compreendo. Mas desobediencia civil é um ato de cidadnia, vó!
A Piu
Br, 21/04/2022
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