quarta-feira, 27 de abril de 2022

RECORDAR É 'BIBER' - série: filha da madrugada


 Para todos os efeitos eu não faço parte do pessoal, da galerada que troca o os vês pelos bês. Isso é mais a norte, 'táshaber'? Mas desta vez, aqui no titulo troco e assim várias recordações chegam até ao 'vevé' que ainda habita dentro do meu ser. 'Biber' remete-me a beber, logo a 'auga' que era como dizia uma das avós ao se referir a água. Como com essa á ( avó) eu não tinha uma convivência diária um dia, vai-se lá saber porquê, eu corrigia:" Não é auga é água. ". No mesmo momento senti as bochechas ficarem quentes. Senti vergonha de mim mesma de corrigir uma avó do qual eu não tinha tanta proximidade e sabendo que ela não sabia ler nem escrever, como a á que me cuidou e deu 'puta' docinha da época. Estão a ver como as palavras podem ganhar outros sentidos que não os maliciosos? Até hoje não sou muito amiga da malicia, daquela intençãozinha duvidosa que tudo o que se escuta, vê e se pensa é putaria. A pessoa fala que tem um amigo ou que pediu um autografo a alguém e a outra pessoa já leva para um lado da suruba, da putaria vá. Enfim... Cada um com as suas referências e inseguranças.

Quando dizia 'enco' referia-me a banco. Acredito que me referia a um banco para sentar. Essa de falar dos bancos como principais responsáveis das crises financeiras veio algumas décadas depois.

Comecei a gatinhar ( engatinhar em português do Brasil)  no dia 8 de Agosto de 1974. Mas ainda não tive fôlego para participar das cooperativas populares e acredito que ainda não conhecesse a palavra camarada. Movia-me mais pelo território doméstico sem grandes massas populares.Com um ano e um mês, Outubro de 1974, comecei a andar mas também era ali por casa. Os vizinhos de baixo que eram um tanto sei lá o quê queixaram-se que se escutava eu a gatinhar e depois a andar. Pelo menos era isso, ao passo que eles de vez em quiando discutiam de tal forma que era de ruborizar as paredes e as portas das redondezas. Eram todos muito amigos mas quando dava para o torto as linguas sujas se estendiam feito tapete vermelho encardido. Se viver com vizinhança é desafio do camandrio, imagina em coletivo. Primeiro precisamos de nos auto educar com profundidade.

No dia 10 de Outubri de 1973 comi a minha primeira papinha ( mingau) Cerelac. sem comentários em relação à multinacional suiça. Adiante. Já os dois primeiros dentes começaram a nascer entre o dia 19 de Março e 20 de Março de 1974. Foi por essa época que houve uma tentativa do primeiro golpe de Estado que se veio a realizar do dia 24 para o 25 de Abril de 74.

Caí pela primeira vez no dia 14 de Abril de 74, no domingo de Páscoa. Pronto. Quem se ergue também cai para depois voltar a se levantar. Segundo a minha mãe que foi quem escreveu este testemunho com a sua bela letra, nada a ver com a minha, caí da sua cama e chorei assustada. Pronto, também é real. Devo ter chorado tanto que já já ninguém me podia ouvir que decidiram pôr fim em 10 dias ao fascismo que durou 48 anos que é a idade que tenho hoje e continuo a curtir falar de coisas sérias como se de babozeiras se tratassem.

A Piu

Brasil, 27/04/2022

terça-feira, 26 de abril de 2022

FILHA DA MADRUGADA


 Posso estar a ser tendenciosa, mas tudo indica que aqueles dias no final do mês de Abril até ao primeiro de Maio foram dos dias mais felizes da História do meu país. Falo duma felicidade coletiva, onde muitos que foram pegos de surpresa embora desejassem tanto aquele dia. Eu estava lá, mas ainda não estava para ver. Mesmo assim, se eu já fizer parte da geração indigo ainda não sou dotada de poderes cognitivos desde a mais tenra idade para afirmar: "aos seis meses de idade eu participei ativamente da revolução dos cravos."

 Entre o dia 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974  Portugal respirava euforia, a euforia duma liberdade tanto tempo esperada porque sufocada. Depois do Movimento das Forças Armadas ( MFA)  ter sido bem sucedido de forma pacifica o povo saiu à rua, mesmo havendo apelos para que as pessoas se mantivessem em casa. Até aquele momento uma grande maioria era despolitizada, apartidária, o que é compreensível. 90% da população, além de analfabeta, uma grande parte passava fome, não tinha saneamento básico e muitos migravam a pé, sem passaporte, até França e outros países vizinhos para fugir à miséria e à guerra e ao fascismo. Claro,  que havia a classe remediada, os pequenos burgueses em ascensão com o advento da modernidade e da sociedade   de consumo, capitalista.

Aqueles dias foram de pura emoção. As pessoas podiam rir, cantar, abraçarem-se  na rua com espontaneidade, coisa que lhes foi negada durante décadas. Bem vistas as coisas séculos. Uma das maiores emoções foi as prisões libertarem os presos politicos e familiares e amigos poderem abraça-los como quem diz: " Valeu a pena apesar de tudo e estamos aqui." O primeiro de Maio, dia do trabalhador, as ruas de cidades como Lisboa estavam apinhadas de trabalhadores.

O que se sucedeu nos meses, anos seguintes tem as suas complexidades dum final de século XX onde utopias, sedes de poder também por alguns ditos de revolucionários, globalizações, neo liberalismos, prisões em plena democracia por aqueles que se opunham à entrada de Portugal na União Europeia e outras estratégias de oposição questionáveis no meu ponto de vista. Uma outra complexidade que até hoje está por sanar foi a forma como Portugal deixou os países africanos e como  portugueses e portuguesas que lá viviam, quer fossem ou não reacionários, foram recebidos em Portugal e como muitos seguiram para o Brasil, então em plena ditadura militar. 

Tem duas coisinhas que até hoje me espantam: a solidariedade ser algo muitas vezes abstrato, subjetivo, retórico com dias marcados para sair à rua em passeata e não honrarmos quem veio antes de nós com todas as suas dificuldades, lutas, resignações, limitações, utopias. E esta escrevo não somente para o povo português, que é o meu povo, como para os brasileiros descendentes de portugueses que parece que nem sempre estão interessados em ativar a memória histórica e honrar a sua ancestralidade pelo caminho da ética e da liberdade. Sim, vamos combinar: ir para Portugal porque é-se classe média alta com aposentadoria ou leva-se uma bolsa de estudo e pode-se consumir mais coisas com estilo "gourmet" não me parece que esteja no combo da solidariedade. Assim como ser-se muito sorrisinhos e ser tudo maravilhoso porque dali se leva vantagem individual também não me parece que se insira nesse combo. Já as pessoas voltarem à terra dos seus avós e bisavós nutrindo respeito e carinho por um povo que com certeza não é perfeito e tem as suas m... rdas mofadas, como todos os povos, é voltar às raízes e agregar, fazendo diferente sem apontar dedos com desconhecimento de causa. 

Por hoje é isso. Que os encontros intercontinentais sejam plenos de respeito, permissão, entendimento por um sentimento maior; Assim seja. Assim é.

A Piu

Brasil, 26/04/2022

sexta-feira, 22 de abril de 2022

HAMAR O UMOR - série: Filha da Madrugada

 

Eu não "vos los disse" que eu também vestia uma roupa aprumadinha mas mais desafogada? Até hoje faço isso! Na adolescencia os outros adolescentes tinham até dificuldade em definir a minha caixinha. Se eu era hippie ou vanguarda ( aqueles que se vestiam de preto e branco e ouviam The Smith e assim). A roupa é um meio de comunicação, como  os gestos e assim. ( "E assim" parece uma daquelas expressões que se usam nos roteiros que ninguém usa no dia a dia. Tipo: " Com os raios! Quiçá esta bruma já se adensa!").

Se a bruma se adensa ou não é a nós que nos compete dosea-la. Por exemplo, estou com a mesma roupa da foto do texto anterior, só que com um colete que a minha mãe me fez. O último botão estar aberto e a foto ser a cores, assim como o cabelo, está em estilo unisexo próprio dos anos 80 para ser mais prático de lavar e pentear.  Cabelo solto e não aquela peruca meticulosamnte penteada com o pente fino saído da bolsa da avó.  A expressão também está mais desconstraída num franzir de nariz como quem diz:  cheiro um tanto a azedo mas bora encarar a coisa.

Estamos no ano de 1982 e esta é uma foto tirada na escola em S. Domingos de Rana. Uma localidade que fica entre o mar e a serra de Sintra. Nesta época, das janelas, de casa já não se avistava a serra de Sintra com o palácio da Pena e o Castelo dos Mouros ao lado. As construções de casas tinham tomado contado daquela área rural, enxotando os tratores para longe. Foi nesse campo que as duas ovelhas do meu avô fugiram e misteriosamente nunca mais apareceram, apesar das emboscadas. Já se vê que nem as ovelhas gostam de serem subjugadas, mas provavelmente fugiram do jugo do meu avô para se "serem acolhidas" em um qualquer quintal da vizinhança. Vai saber.

Ontem foi feriado no Brasil. Tiradentes. Um mártir da Inconfidência Mineira que se insurgiu contra a coroa portuguesa. @ car@ leitor brasileir@ saberá melhor essa História que eu, portuguesa. Ou ser-lhe-á mais cara que a mim,. Não sei. Embora ainda queira conhecer um marco histórico onde a supremacia branca se silencie para dar protagonismo efetivo  ao povo originário e suas urgências em demarcações de terra e outros direitos, assim como o atendimento das necessidades das periferias, quilombolas, sem terra e afins.  A mim é me caro o feriado português  do 25 de Abril , dia da liberdade, apesar da democracia ser uma menina que ora avança ora retrocede.

" Dez anos que você está no Brasil? Já está quase brasileira!" Olhem... Eu amo muito este território de mil povos, mil culturas e ancestralidades mas eu não sou brasileira. Não nasci no Brasil, vivi grande parte da minha vida em Portugal e outros países vizinhos do continente europeu. Não me faz mais nem menos que os outros seres humanos nascidos em outros continentes. Eu admiro muito as culturas e as espiritualidades indigenas. Por admirar e respeitar não passo a andar de cocar e a dizer que sou xamã porque fiz cursos com o Kaká Werá. Por saber quem são os indigenas eu não vou justamente dizer que sou indigena. Por outro lado,ser portuguesa não é vergonha nenhuma. É um facto. Vergonha sentirei se eu for xenofoba com um(a) brasileir@ ou tentar vir ensinar como é o Brasil a alguém que sempre aqui viveu. O inverso também é válido e parece-me que alguns brasileir@s que foram nesta febre de modismo para Portugal nos últimos anos sem se preocuparem em saber quem faz parte da classe trabalhadora portuguesa e todos os contornos socio politicos e históricos já lhes estão a cair a ficha. Espero. Não vir ensinar ao s portuguesezs o que é Portugal ou como deve ser é colocar-se num lugar de escuta generosa e também humilde. Não sabe pergunta ou escuta em vez de dar lições de moral que aprendeu na escola com fortes resquicios de pedagogia militar. 

Hoje é uma data que requer muita reflexão e mudança de paradigma. Há 522 anos as caravelas portuguesas chegavam no litoral, hoje baiano. Não me parece que seja motivo de comemoração, e sim de reflexão e comprometimento com o presente e com o conhecimento histórico com os seus variados contornos onde há disputas de interesses, traições, equivocos de todas as partes dentro dum projeto impertialista e patriarcal numa lógica europeia. Sem dúvida. Mas conhecermos a história do imperialismo e da escravatura que atravessa tempo e espaço é importante.

Esta foto foi tirada no oitavo ano dum Portugal sem colónias. 1982. Eu também tinha oito anos como a democracia. Os reparos históricos ainda são muitos por fazer. Mas aqui a Anita já sabe como gingar diante de eventuais xenofobias e distorções históricas onde o cidadão brasileiro de origem portuguesa ou europeia se acha colonizado. Não pisem muitas vezes os calos à Anita que a Anita tem as suas razinzices, de quando em vez, mas sabe qual o seu propósito de alma e espirito aqui na matéria. Para ela há sempre um lema que cada vez se torna mais claro: Hamar o Umor sem tirar nem pôr para um mundo interior melhôr! Profissional ou amadora a Anita é trabalhadora!


A Piu

Br, 22/04/2022

quinta-feira, 21 de abril de 2022

A NA TUREZA É O GRANDE MONUMENTO - série: Filha da Madrugada


Hoje tomei coragem e trouxe esta foto a público. Digamos, ao circuito restrito, porém não restringido, dos meus contatos interpessoais. Falo da foto da esquerda que me assombrou, traumatizou durante anos e anos. A minha avózinha não fez por mal, até fez por bem e como os meus pais estavam a trabalhar foi ela quem me levou a fazer o meu primeiro documento, na época bilhete de identidade hoje cartão de cidadã. Eu até vestia aquela roupa aprumadinha mas sem botão até à goela, tampouco aquele penteado "como assim?". Ainda hoje trago dentro de mim a dificuldade de trazer o cabelo bem compostinho. Há sempre um toque de descabelo, próprio duma filha da madrugada.
Esta a cores já é do meu passaporte tirado no consulado em São Paulo. No momento exato em que olhei para a câmera, logo depois de tirar a máscara, vi que um pelinho maroto a cair sobre o buço do lado direito! Ahhhh! Não consegui deixar o bigode nascer a tempo para confirmar a minha feminilidade contemprânea ancestral.
Passados umas duas semanas recebi o passaporte em casa, que é um livrinho que a pessoa usa quando está fora da Europa. Dentro do condominio europeu basta o cartão de cidadão. Olhem! Quando eu recebi o livrinho a minha cidadania deu aquela tremidela, como quem diz: " Outra vez, pá?! Não dá p'ra mudar o discurso?!"
O passaporte até que está moderno. Foto a preto e branco e depois a cores e nas páginas seguintes uns desenhos que lembram as notas holandesas antes do euro, só que os florins eram muito mais bonitos. Os motivos eram flores, tulipas claro, pássaros e natureza. Já o livrinho tuga... Só tem uma página com camponeses do antigamente,, do tempo em que os meus avós eram explorados na ceifa. Representam-me como raízes, mas seria fixe bacana outras representações de seres humanos trabalhadores que ganham dignamente e não são esquecidos, construindo um país de outras narrativas onde sonho e liberdade estão na ordem do dia. Mas não! O que aparece são igrejas, castelos, padrões dos descobrimentos e outros monumentos exaltando feitos heroicos a esta altura do campeonato. É verdade.
Refazer narrativas como forma de emancipação e de um possivel perdão quanto a uma dívida histórica por vezes parece que ainda está longe . O que é igualmente curioso é haver um deslumbre por monumentos históricos de circunstâncias boçais e afirmar que no continente americano não há História, porque carece de monumentos. Tá bem abelha. A minha avó, acho, tinha um certo "desgosto" de eu ter um visual que para ela não era duma menina obediente. Compreendo. Mas desobediencia civil é um ato de cidadnia, vó!
A Piu
Br, 21/04/2022

terça-feira, 19 de abril de 2022

ABRIL, ÁGUAS MIL - série: Filha da Madrugada


 " Ana, que estas reflexões alimentem seu espírito. Afeto do Munduruku 2022".

" Abril águas mil" Este é um ditado popular da minha terra natal onde a primavera é  regada a chuvas. As águas representam os nossos sentimentos e Abril  está regado  com aqueles com datas de águas estagnadas, fluidas ou fluidas estagnadas e outra vez fluidas. Poderia começar pelo 1 de Abril de 1964 no Brasil, recuar até ao 22 de Abril de 1500, avançar até ao 25 de Abril de 1974, que para o Brasil não teve o impacto que teve para os países africanos colonizados por Portugal, até chegar ao 19 de Abril, " dia do Indio" - data criada no Brasil em 1940 pelo Getúlio Vargas.

Para o escritor indigena e pós-doutorado em linguistica, Daniel Munduruku, " o dia do Indio é data folcolórica e preconceituosa!. Para o Daniel, esta data deveria ser chamada de " Dia da diversidade Indígena" para afastar-se de ideias falsas sobre o índigena romantizado. ( informação retirada do instagram do próprio).

Há um mês atrás, sensivelmente, o Daniel passou por Bolhão Geral Zen, é um lugar e não lugar entre a terra do nunca e a terra do sempre. Não perdi, claro, a oportunidade de ir conhece-lo pessoalmente e escutar as suas sábias palavras, como de muit@s outr@s escritores indigenas. Obtive este livro: " Sobre saberes e utopias". Ganhei fôlego e deixei a timidez de lado e pedi-lhe um autógrafo com a respéctiva dedicatória que abre este texto. 

Na minha visão, este mês de Abril, como todos os outros, deveria servir para escutar os povos indigenas e negros que foram subjugados pela oligarquia do meu povo, o português. E essa escuta deveria se prolongar até à tal da minha terra natal, Portugal, que outro dia me mandou um livrinho, vulgus passaporte, só com imagens lá dentro de monumentos quinhentistas. Nem uma alusão ao 25 de Abril de 74 ( dia da liberdade, da queda do fascismo e da descolonização). Um cravinho que fosse numa página penso que não seria pedir muito e até caía bem aqueles que pedem cidadania portuguesa e são amantes da liberdade. Acredito que a dignidade passa por não subscrever narrativas caducas, mas ainda vigentes, e sermos gente de verdade como diz o José Afonso, autor da música " Filhos da Madrugada" que foi escrita no ano em que nasci. Eu sou filha da madrugada, aquela que precede a longa noite do fascismo. E ocuparmos o nosso lugar de escuta é abrirmo-nos para encontros auspiciosos entre mundos e cosmovisões.

Assim sendo! Viva a o dia da diversidade indigena onde os mesmos são protagonistas da sua história, sem precisarem que falem por eles com assistencialismo e exotismo. É o minimo, pois não é? :) 

Beijus e a abraçus desta filha da madrugada

A Píu

Br, 19/04/2022 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

ALÔ! TÁ LÁ! QUEM FALA?




Era assim que eu atendia o telefone, na época do fixo nos idos anos 70, 80 até meados dos 90. Em Portugal o telefone foi-se democratizando ao longo doa nos 70, enquanto no Brasil ainda era luxo. No Brasil, qualquer coisinha pode virar produto diferenciado gourmet, nomedamente as práticas meditativas e terapias alternativas. Ter sanemeanto básico, também, para muitos ainda é luxo. Enfim.
Aqui estou eu no ano da graça do senhor de 2002, quando a moeda nacional ( escudo) passou a ser a europeia euro e tudo subiu para o dobro, menos os salários e cachês. De telemóvel/ celular em punho ainda sem todas essas coisas quer há agora. Simplesmente um telefone de chamadas e sms.
Aqui estou numa daquelas tentativas de fazer um book para agências de cinema, publicidade e tv. Dá para ver a partir do descabelo que eu tenho todo o perfil para bookes, castings, carinha laroca da tv e assim. Sou 'memo' é teatreira, pá. Ainda fui protagonista a solo em três spots publicitários e um com o Pedro Alpiarça, em memória. Na época em que os publicitários televisivos apreciavam o humor absurdo a la Monthy Python. Não fiquei " muitaaa' rica com esses trabalhos. Na verdade não era assim tão bem pago - dava para pagar uns três alugueis de casa e olha lá!- apesar de me dar um enorme prazer.
Na verdade o que eu curtia era fazer cinema. Participei sim dos exercicios do conservatório de cinema do meu amigo de adolescência, colega de escola e de grupo de teatro, o realizador luso brasileiro ' conceituadamente conceptual' Sandro Aguilar que também é conhecido no meio cinematográfico brasileiro. De resto, parece-me que terei de fazer os meus roteiros e realizar o meu cinema grunge para adentrar como atriz no cinema.
Ontem assisti a um belissimo filme brasileiro: " Guerra de algodão" de Cláudio Marques e Marília Hughes. Olhem estes diálogos profundamentos belos, elucidativos e emancipatórios:
Dora ( neta) : " Eu não sabia que eu tinha uma avó atriz."
Maria ( avó)" Na minha época não era simples uma mulher fazer as coisas que eu fazia."
Excerto dum artigo jornalistico de Maria nos anos 60 ou 70: " (...) a verdade é que as palavras duma mulher que não escreve sobre comida ou sobre cuidados com a casa com as crianças continuam agressivas"
Quem nunca passou por uma outra situação de ser questionada pelo oficio, seja criativo ou não, que realiza e pelo poder da sua escrita que eventualmente pode incomodar " os mais sensíveis", " acomodados" e " coniventes com o estabelicido, nomeadamente as violências óbvias e/ou simbólicas?
Esta foto tirei em Lisboa. Há coisa dumas semanas, principalmente quando viajo de aplicativo, já não me perguntam porque estou no Brasil visto " todo o mundo estar indo para Portugal". Ufa! Respiro de alívio! Chega uma hora que responder a clichés e comportamentos em manada sem questionamento também dá aquela canseira, cansada, aquela preguiçeira. E a pessoa não é para andar cansada nem com lanzeira e sim de bem com a vida e ter diálogos e encontros férteis assim como silêncios luminosos.
A Piu
Br. 07/04/2022

terça-feira, 5 de abril de 2022

A MINHA PRIMEIRA VINDA AO BRASIL


Ao Brasil ou no Brasil? Como eu me comunico: "ao" é quando vou e volto. Já "no" é quando venho para ficar a médio e longo prazo. Neste ano da graça do senhor de 1996 eu vinha "ao". Fiquei um mês. Visitei uma conterrânea, a Anabela, no Rio de Janeiro e viajamos umas 30 horas de ônibus ( autocarro na minha terra, penso que falar diferente não deveria ser motivo de risinho só por que sim. Mas por vezes acontece. A pessoa fala uma palavra diferente ou a mesma mas com sotaque diferente e a boquinha do interlucotor faz um esgar de escárnio e ri. Além de desagradável é desnecessário.). Enfim, fomos até Cuiabá, no Matogrosso. Visitamos este querido amigo do teatro e do cinema: Amaury Tangará que está do meu lado esquerdo, direito visto daqui ( já se vê que os lados mudam segundo o lugar que ocupamos. Não perder de vista de que lugar falamos e em que circunstâncias com ou sem privilégios, considero importante). Já do meu lado direito, esquerdo daqui, está a Juliana e o Luka que era na época vocalista da banda Paku Atômico, que fundia punk rock com musica popular matogrossense e indigena. Foi com ele que conheci Mestre Ambrósio e Zeca Baleiro. Ainda hoje escuto esses três projetos musicais com carinho e entusiasmo.

Já da minha parte sou uma teatreira. Há um ano como profissional do oficio, continuando os meus estudos em artes cênicas que datam justamente desde o ano da queda do muro de Berlim: 1989. Depois desta viagem ao Brasil, ironicamente (?) em Abril durante a Páscoa seguiria com uma bolsa de estudo para estudar numa conceituada escola de teatro em Paris. A Lecoq.  Vamos agora por partes: porquê ironicamente em Abril na Páscoa? Porque foi em Abril na Páscoa que a comitiva das naus lusas do Pedrito nascido em Santarém chegou à Bahia. Vocês sabiam que existe uma cidade chamada Santarém na beira do rio na floresta amazônica/ amazónica? Eu não sabia? Conhecia uns 4 anos mais tarde nas andanças pelos cafundós do Brasil. É irónica esta coincidencia porque eu vim ao Brasil e para o Brasil por motivos totalmente diferentes dos desbravadores patriarcais da minha terra. Agora há distância ainda posso acrescentar que vim re escrever uma outra história no que se refere a uma mulher, ou várias, portuguesas em terras tupiniquins. 

Por outro lado, o facto de ter ido com uma bolsa duma conceituada Fundação sediada em Portugal, a Gulbenkina, tive a oportunidade há uns anos atrás duma colega brasileira deste mesmo oficio que é petista, mas vive num condominio fechado e é classe média de boa ( nada contra. só penso que a pessoa precisa de estar ciente dos seus privilégios e não falar de cor e achar que porque vota no  PT já está redimida do seu lugar numa sociedade tão desigual porque ainda é explorada a força de trabalho alheia) alerta-me que eu colocar no meu cv que estudei na Lecoq com uma bolsa é coisa de pobre (!?!??!) que cai mal para os avaliadores de projetos e editais. Sem comentários. Ou sim? Essa resalva dela é no minimo mediocre, estreita provinciana, mesquinha, elitista, deesconhecedora da realidade para lá dos muros do seu condominio fechado. 

Enfim, tenho levado todos estes anos, desde 1996, a entender minimamente a complexidade da sociedade brasileira fundada pelos meus conterrâneos desbravadores a mando da coroa portuguesa em 1500. Entrttanto passaram-se 200 anos.Agora a responsabilidade do Brasil ser o que é é dos brasileiros. Bora combinar, né mesmo?

Para não me estender, por ora, só posso agradecer a todos aqueles que viram e veem na arte e na escrita um meio para estarmos mais próximos uns d@s outr@s com escuta generosa. Aqui vão alguns nomes de cidadãos deste imenso território ao sul da América: Kaká Werá, Ailton Krenak, Hugo Fulni-ô, Eliane Pontiaguara, Daniel Munduruku - entre outros escritores e artistas  indigenas- Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Renato Nogueira, Carolina Maria de Jesus - entre outros escritores e artistas afro descendentes- Nise da Silveira, Paulo Freire, Márcia Tiburi, Antônio Nóbrega, Roseane Almeida etc, etc, etc.

Estou num imenso território muito rico em termos culturais, espirituais mesmo que  tenha aquela sensação que alguns brasileiros não conhecem o Brasil. Cospem na sopa dum território que um dia acolheu os seus antepassados em fuga e que se agarraram à vida para sobreviver, viver e a reconstruir. É mais fino ser eurocêntrico e usar expresões em inglês e francês para se diferenciarem e não esquecerem a sua euro centricidade. OH LA VACHE! C'EST CHIEN ÇA! ( ooops eu também uso estas expresssões em francês quando estou indignada.... Principalmente "Oh la vache!". Ninguém é perfeit@.cof cof ihiih.)

AWO!

A Piu 

Br, 05/04/2022

foto: Chapada dos Guimarães, Matogrosso,1996

domingo, 3 de abril de 2022

E EM 1989 ONDE É QUE VOCÊ ESTAVA?

 

Nesse ano, depois de ter entregue um trabalho sobre a condição feminina principalmente em Portugal com base nas revistas " Mulheres" publicadas nos idos anos 80 e em tirinhas da Mafalda com a mãe que cuidava da casa e dos filhos e abrira mão da sua carreira profissional, com a sua amiga Susaninha cujo sonho quando fosse grande era ser mãe, rica e caridosa mais ou menos com os pobrezinhos e da amiga pequenininha Liberdade, que vivia num apartamento minusculo com a sua mãe que era tradutora e pagava as contas por cada tradução que fazia, a minha professora de História chamou-me à parte,e disse:" Tu és das minhas! És radical!" 

Eu tinha 16 anos. Já conhecia algumas coisas, mas não conhecia o significado radical e o que ela queria dizer com isso. Com ela eu chegava a tirar a nota máxima na escala de 20. Eu estudava, olhava aquela reizalhada toda, o poder do clero, mais as batalhas, as conquistas e explorações e para mim era evidente que a História era e é contada ainda na escola pelo ponto de vista de quem tem poder na escala social. Era tão evidente que ninguém precisava de chamar a atenção. Nas provas eu escrevia pelas minhas próprias palavras e interpretação a partir de factos históricos. Lembro-me que me referia à presença da coroa portuguesa no Brasil e países africanos como " o tempo das vacas gordas" onde alguns mamavam até ao tutano, esbanjavam, ostentavam, endividavam-se e depois seguiam caminho. Sempre me perguntava e pergunto porque a História é contada a partir de batalhas, conquistas, derrotas, impérios e não como as pessoas se relacionavam, como se amavam, o que sonhavam, como transcendiam, como se organizavam para não serem exploradas e viverem dignamente. Talvez fosse isso que a minha professora de História, a Berta, considerassse radical da minha parte. 

Perguntei à minha tia o que era radical, a mesma que me empretara as revistas " Mulheres". Ela deu uma explicação com a qual eu não me identifiquei logo. " Alguém que está fora do que é comum, do que é aceite normalmente". Mais ou menos isto. Eu não me via como radical, além de querer estar inserida, para mim era tão evidente que não dava para aceitar o inaceitável e que estudar História servia justamente para sermos cidadãos mais justos, menos ávidos de poder, de ganância. Bem sei que eu tinha 16 anos e que esse pensamento pode ser uma linha, uma corrente,uma escola, uma utopia. O que é facto é que eu ainda penso assim volvidos 32 anos. Termos acesso ao conhecimento deveria ser libertador e não perpetua dor da mesmice.

Agora eu fiz as contas e curiosamente  este episódio coincidiu com o ano carismático da queda do muro de Berlim que deu inicio à Perestroika. Acredito que @ car@ leitor@ saiba o que é. Se não souber não tem problema, o google está aí para ajudar. Espero que na próxima campanha eleitoral aqui no Brasil defendam os direitos trabalhistas mas sem afirmar que o PT é comunista. Por favor! Vamos ter seriedade no debate e na defesa de causas. Este sorriso que trago na foto não é de ironia, é uma tentativa de dar humanidade a uma foto burocrática, mas adequa-se à estupefacção de escutar esse tipo de coisas, assim como, por exemplo, dizer que todos os portugueses são colonialistas exploradores. Eh pá!... É melhor sorrir que gritar, embora algumas vezes é preciso respirar fundo. Moral da História: é melhor estudar História de várias fontes do que abraçar causas pela metade só porquer fica bem na fotografia.

Em 1989 eu tinha 16 anos, estudava na escola pública e frequentava a festa do Avante, festa promovida pelo partido comunista português. Nunca fui filiada no partido e agradeço todas as oportunidade de me cultivar através da arte e da literatura que a festa proporcionou, nomeadamente questionar o partido e seus dogmas. Não abro mão da igualdade social, mas abro mão de dogmas e autoritarismos.

A Piu

Br, 03/04/2022