quinta-feira, 1 de outubro de 2020

MIL NOVECENTOS E OITENTA E NOVE

 

Onde você estava em mil novecentos e oitenta e nove? Provavelmente, alguns de vós outros ainda não eram nascidos ou eram "piquinininhos", fofinhos e inocentes. Mas o mundo já andava aí às reviravoltas anunciando as ruinas dos dogmas, do despotismo maquiado de " para o bem de todos". Foi em 1989 que comecei a fazer teatro amador numa escola pública através dum professor de filosofia. Aquela foto do canto foi tirada por uma das minhas amigas desse grupo, a Djanira que era filha duma portuguesa, a minha professora de inglês, e dum sujeito brasileiro de origem indígena como os olhos rasgados e o seu cabelo escuro e forte confirmavam. Íamos para o laboratório de teatro mesmo em época de férias. Agora lá vai cliché al entrevista com atores das telenovelas que começaram pelo teatro: " Foi aí que o bichinho do teatro me mordeu e eu nunca mais abri mão dessa paixão à primeira vista." Ihihih a questão é que essa é a mais pura da verdade!
Nessa mesma idade, por volta dos 16 anos, também já era A FÃ do querido Quino, que desencarnou ontem dia 30 de Setembro no dia das comemorações da criação do teatro lambe lambe pelas nordestinas Denise Santos e Ismine Lima. Aos 15 anos eu faço um trabalho para a disciplina de História sobre a condição da mulher, onde uso inúmeras tirinhas da Mafalda com a sua mãe. A minha professora de História dá me nota máxima e diz-me à parte: " És das minhas. És radical!" Como eu não sabia o que era radical fui perguntar à minha tia que me tinha emprestado várias revistas " Mulheres" para o trabalho. " É alguém que vai contra o que está instituído. Que se afasta do discurso oficial." Devo dizer que eu não me identifiquei com essa definição, pois achava eu que já seria óbvio para todos nós que as mulheres tem o direito a serem elas próprias, a se realizarem, a trabalhar naquilo que gostam, serem reconhecidas por isso e terem com isso a sua autonomia não só financeira como emocional. Amigas, amigos, amigues admirar, respeitar e amar uma mulher é o kit básico. Sem isso é farsoliçe. Assim como é farsoloiçe ainda acreditar ou defender regimes e ideologias que subjugam, que reprimem e criam muros, visíveis ou invisíveis, entre nós.
A primeira vez que fui para cena foi encarnando a personagem da Lili Marlene. Aquela que cantava para os aliados durante a segunda grande guerra mundial. Fazia um play back em alemão. Essa apresentação foi num bar no Bairro Alto em Lisboa: Janela Indiscreta. Uma alusão ao filme do Hitchcock.
Por falar em janela indiscreta ou discreta! Nesse ano de 1989 nascia uma linguagem baseada nos fotógrafos lambe lambe e nos peep show - a pessoa olha para dentro duma caixa e vê imagens que não são necessariamente obscenas. Como depois o termo foi apropriado para espetáculos " eróticos" com mulheres ao vivo para deleite de homens cuja fantasia ainda passa por objetificar a mulher ao invés da desejar de igual para igual e escuta-la com intimidade e intimismo sem que ela vire alvo de desrespeito e um produto descartável. Essa linguagem, a do teatro lambe lambe, é uma janela que se abre para que nós artistas, tantos profissionais como amadores, possamos nos expressar e levar os nossos poemários visuais ao máximo de pessoas possíveis. Porque a arte tem um poder curativo incrível. Pode ser uma grande ferramenta pacifista e reconciliadora!
No próximo texto falarei sobre a importância da intimidade, do intimismo, do desejo vinculado à nossa criança interior curada de feridas muitas delas ancestrais, embutidas no inconsciente coletivo.
SALVÉ O HUMOR, O AMOR E O DESTEMOR DE SERMOS FELIZES E MAIS PERTO UNS DOS OUTROS SEM MUROS NEM AMEIAS!!!
A Piu
Br, 01/10/2020

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