Vim inicialmente expressar o meu profundo agradecimento a todos os encontros profundos de troca, escuta e aprendizagem que tenho vivido no Brasil principalmente desde 2012, que foi quando me mudei definitivamente para cá. Que território instigante pela sua diversidade! Mesmo vivendo aqui há oitos anos e tendo uma filha brasileira desde o inicio deste século e milénio eu não vou nem quero negar a minha origem e o território que me viu nascer e também fez crescer, ao ponto de a um dado momento já me sentir um tanto ou quanto apertadinha nesse quintalito à beira mar plantado que se chama Portugal, e que em uma dada época foi denominado de Lusitânia.
A primeira vez que eu tive uma espécie de descarga elétrica desde o cérebro até ao dedão do pé, foi quando me veio parar à mãos um livro de capa preta, da Companhia das Letras, organizado pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha com 27 historiadores e antropólogos dum grupo de estudo da USP. " História dos Índios no Brasil. Encontrei esse livro numa biblioteca libertária no interior de Portugal. Essa descarga elétrica deveu-se ao facto de nunca me ter sido apresentado esse lado da História, nem na escola nem em lugar nenhum. Fiquei profundamente impressionada por constatar que quando não se contemplam e escutam todos os lados a História que nos é contada tem um monte de inverdades, mentirinhas e mentironas, manipulações e conveniências perversas. Devo dizer que a Manuela Carneiro da Cunha, que tive a oportunidade de assistir a uma aula dela, é portuguesa. Assim como o João Salavisa, co realizador do filme " Chuva é cantoria na Aldeia dos mortos" falado praticamente todo na língua dos Krahô e legendado, é português. E este filme realizado por uma mulher branca paulista e paulistana e contou com o apoio do Instituo Camões, ICA - Instituto de Cinema e Audiovisual, ambos pertencentes ao Estado português. É no mínimo justo e digno que assim seja para que os encontros e as trocas sejam respeitosas, criando vínculos de confiança e alguns reparos, mesmo que ainda pequenos diante do que tem acontecido nos últimos 500 anos. O filme é incrível, tem uma fotografia que é como pintura.
Hoje é a abertura do incrível festival de documentário DOCLISBOA que está na 18° edição. A sessão de abertura será com o filme do realizador português José Barahona: Nheengatu- A Língua da Amazónia. Ótimo! Com esta me despeço, principalmente dos brasileiros e brasileiras chatos e chatas que desconsideram os indígenas, achando que são estorvo ou que já nem existem, ou os exotizam e os olham com paternalismo querendo vir dar lições de moral a alguém só porque tem nacionalidade portuguesa. " Vocês vieram-nos (?!?!?!?)" colonizar. Ihihih É melhor rir do que chorar, mas o que é facto é que a colonização e o genocídio a esses povos ainda está em curso e não houve ainda um único governo brasileiro que deixasse de ser responsável por isso.
Com esta me vou e me fico para continuar a assistir ao seminário de escritores e escritoras indígenas. Muito bom os brancos abraçarem a causa e produzirem artística e intelectualmente como esses povos, mas agora quero ir na fonte e estar ao serviço do que puder apoiar, sem exotismo nem paternalismo e sim com humildade para absorver as suas vozes e silêncios.
A Piu
Campinas, SP 22/10/2020
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