Naquela terra, até então, quem mandava era o pai, o avô, tio ou tutor. A virada do século estava aí. Já não falando do milénio. Mas a menina moça mulher de gestos certeiros puxava o lustre da bota cardada da entidade patronal. " Filha minha só namora e se casa com sujeito decente e segundo as minhas regras! A filha é minha e não admito aqui faltas de respeito!" Uma irmã sua, tia da moça menina mulher sua filha tinha zarpado, diante de tanta imposição que assombrava até uma noite de lua cheia ou um dia de sol radiante depois dum chuvarada para lavar a alma. Essa tia, já bem longe dessa vibra, tinha tido a fibra de se desenvencilhar de um dito casamento de 20 anos que ela concluíra que era institucional. Já a petiz, por orgulho e insegurança, aceitara as regras autoritárias que ela achava que a protegiam. Sacrificando a sua feminilidade selvagem. A sua voz do coração cantava desafinada. Como tal, qualquer cântico de coração alheio ela logo batia com a bota cardada do pai e certificava-se que ninguém a tomava por parva. Bobalhuda, vá. Isto durou anos. " Se não sentimos alegria plena, mais ninguém pode sentir! E a mim ninguém me engana!", pensava.
Mas a mulher menina moça também não era assim uma carrasca, tal como o seu pai também não era. Era o jeito que conheciam que já vinha dos seus antepassados. Um jeito tradicional, conservador de viver e não deixar viver. Digamos. Há quem chame isso de carma. Assim como também é dármico romper com esse carma, pertença-nos ou não.
Um dia, do alto da falésia entre o mar e as grandes montanhas a perderem-se de vista pôde escutar a voz do silêncio e percebeu que reprimir a sua alegria e alheia, aquela que vibra inocentemente, além de ser um desperdício de tempo era um desperdício de tempo.
A Piu
Br, 26/12/2017
Br, 26/12/2017
pintura: Paula Rego
Sem comentários:
Enviar um comentário