" Ela curaria a alma perturbada do rei simplesmente conversando com ele sobre coisas que haviam acontecido a outros. Levá-los-ia a terras distantes para que observasse costumes com que não estava familiarizado e pudesse assim aproximar-se do que havia de estranho dento de si próprio. Ela o ajudaria a ver a prisão em que estava encerrada: o ódio obsessivo que sentia pelas mulheres. Sherazade tinha a certeza de que, se conseguisse fazer com que o rei visse a si próprio, ele haveria de querer mudar e sentir mais amor. (...)
Assim que entrou no quarto do rei Schahrir, Sherazade começou a contar-lhe um história maravilhosa- interrompida pela narradora espertamente no momento de maior suspense- que o rei não suportou separar-se dela ao alvorecer. De modo que a deixou viver mais uma noite para que terminasse de contar a história. Mas, na segunda noite, Sherazade contou-lhe outra história maravilhosa, o céu clareou e ainda faltava muito para a narrativa chegar ao fim, o que levou o rei a consentir, ainda essa vez, que a moça continuasse vivendo. O mesmo tornou a acontecer na noite .
seguinte, e na seguinte, e na seguinte, mil noites seguidas, o que dá quase um total de três anos, até o ei não conseguir imaginar a vida sem ela. A essa altura, eles já tinham dois filhos, e passadas mil e uma noites ele renunciou a seu terrível hábito de mandar cortar a cabeça das mulheres.
nota ada autora: Fiquei pasma ao perceber que muitos ocidentais consideravam Sherazade uma contadora de histórias atraente por seus encantos pessoais mas um tanto simplória, alguém que diverte com enredos inócuos trajada fabulosamente para apresentá-los. No nosso lado do mundo, Sherazade é vista como uma corajosa herína e uma das fíguras míticas femininas que possuímos. Sherazade é uma estrategista e uma pensadora com poderosos recursos, que utiliza seu conhecimento psicológico dos seres huamanos para conseguir que avancem mais depressa e pulem mais alto. À maneira de um Saladino e de um Simbad, ela nos torna mais ousados e mais confiantes em nós próprios e em em nossa capacidade de transformar o mundo e seus habitantes.
Mernissi, Fatema "Sonhos de transgressão- minha vida de menina num harém, Companhia das Letras. SP: 1996.
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