sexta-feira, 29 de junho de 2012

Maria Tupiniquim do Guará

Proposta/ contrato de Abertura de conta
Proponente/ contratante 1. Maria Caganini Van Scheleka, inscrita no CPF Nº 2012. 2012. 2012 (afinal o mundo ainda não acabou, ufa ainda há oportunidade de se ser pessoa e estar numerado ), capaz (capaz? Do quê? Aiii que a imaginação voa!...), sexo masculino (opa! Será que Maria não corresponde aos padrões femininos em curso?), brasileiro(a) (iuuuu! Maria foi promovida a nativa! Maria já não é estrangeira com visto temporário! Agora Maria quer ser chamada de Maria Tupininquim do Guará!!), natural de Holy issipo (cidade com muitas histórias, umas mais holis que outras) , nascida em ..... (eta! não se diz a idade das senhoritas. E Maria é uma senhorita para todos os efeitos!), filho(a) de Volfe da Gang  Van Scheleka e Fran Seca Caravelonça Caganini, portador(a) do passaporte nº 2012 2012 2012 (utla! Alguma coisa se está passando com a base de dados... Ou será que o nº é o mesmo para que os dados se cruzem e Marias como os Mários e Marias da terra andem direitinhas?) emitido em 36/78/2090 (opa! Agora é que porca torce o rabo! Ficção científica?!}), pela EX REP PORTUGUESA (EX??? O que aconteceu à reles pública. Ooops. À Res p... Bom, MARIA!!! Direitinha!!!), endereço residencial: Rua 3452781818 cápsula *(¨¨***$###@$% Cosmopolis, chip intra dérmico nº0989000999900000000000000, solteir(o), sem união estável (“Como é que sabem?”, pergunta-se Maria. E pensa: ” e se eu proferir o que acho por união? Será que o Lampião que está na porta com um colete de forças e uma pistola com cabo de madeira me abraça por concordar comigo? Ou será que seu disser inocentemente que tenho várias uniões estáveis passe a ser objeto de estudo dum núcleo de pesquisa universitário?)

- Olhe desculpe! Aqui na proposta  de contrato encontrei algumas gafes?
- O quê?
-  Ah! Nada de especial! É que Maria escreve-se com “h”.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Not again

Pedala pela cidade. Zás! Zás! Calcorreia ruas e ruelas. É Verão. Está um pouco cinzento, mas o verde dos parques dá alento. Berlim é das cidades mais verdes da Europa. Dizem. E ela pedala, pedala, pedala. Passa por paredes grafitadas, por edifícios ultra modernos com lojas sofisticadas. Uma pedalada e está no bairro multicolorido: Kreusberg. Cheira a Turquia, a Itália, a China, a Alemanha, a Índia. Cheira a fanzines. Cheira a mundo. Cheira a sonhos. Cheira a paz. Cheira a paz numa cidade que tantas vezes cheirou a morte, a segregação. Berlim é bela por isso, por essa capacidade de se reinventar.
Mais uma pedalada. Postdam. Outra pedalada. Alexander Platz. Frankfurt Alle. Volvidos alguns anos depois da queda do muro ainda é uma sensação forte pedalar por toda a cidade. Pedala e passa por um Mac Donalds embutido num edifício austero da ex RDA/DDR. Curiosa combinação. Pedala e passa por grandes escritórios todos envidraçados. Vai dar a uma grande praça onde estão uns grandes blocos. Parecem tumbas de diferentes tamanhos. É o memorial das vítimas do Holocausto. Estaciona a bicicleta. Entra. Mesmo tendo “visitado” Auschwitz não deixa de se impressionar. As lágrimas caem. Que a História não se volte a repetir. E se repetir? Como é? A paz não é um dado adquirido. Assim como a liberdade. E se uma mão de ferro se poisar nas nossas costas, primeiro muito ao de leve e depois vai apertando e apertando. E de volta à repressão, à proibição de pensar e agir, à difamação, à conspiração, à aniquilação. De volta a nada que rima com coração, nem emoção.

“Que coragem tens em quereres vir para cá com as tuas filhas.”, diz o Jorge. “Que coragem é preciso ter para ficar em Portugal com elas.”, respondo-lhe com um sorriso.
O mundo é redondo e de repente já estamos a escorregar para o outro lado do mundo. Já não é Berlim. Escorregamos para esse lado do mundo que também já viveu momentos obscuros, hoje mais coloridos. Ainda bem. Apesar desse colorido ser pautado com o canto da sereia. A sereia canta:” Visa! Visaaaaa!” Mas só vai no canto da sereia quem não estiver atento, ainda para mais com o exemplo do que está a acontecer lá para sul das Europas. Bom… Nós só ás vezes só vemos e estamos atentos ao que nos convém. Normal(?) Ficamos mais sensíveis quando as coisas passam-nos pela pele? Será?
Que a História não se volte a repetir. E se se repetir? Quem não zarpou que zarpasse. Terá de ser assim? E quem não quer zarpar?

Mais uma pedalada e mais outra e mais outra. E a bicicleta levanta voo por cima dos carros, dos camiões, dos aviões e das constelações. E lá de cima ela deita a língua de fora às petrolíferas que são as principais responsáveis das guerras que daibolizam o pessoal de turbante e a todo o tipo de crise que isso acarreta.

Pedala. Pedala e pedala ainda mais. Pára. Descansa a cabeça. Fecha os olhos.”Não há paraísos, pensa. Mas há lugares que são mais respiráveis, em determinados momentos, que outros. E pergunta-se: será que todos os lugares têm a capacidade de se reinventarem?” Adormece a sorrir abraçada à bicicleta.


A piU
Br, Junho de 2012

segunda-feira, 25 de junho de 2012

- E o que vai ser, menina?
- Sô Mário! Um copo de três!!#
- Espere um pouco menina. Milia! Oh Emília! Vem cá! Atende aqui a menina!#
-Sim, menina! Uma caixa de farinha 33? Mais alguma coisa? Tás grande! Uma senhorinha!

Tão simpáticos. Que ...casal, ãããããã? Nem consigo imaginar o homem a bufar-se por todo o lado. Ou talvez não se bufasse por todo o lado. Talvez se bufasse aos bocadinhos ou aos bocadões para não sobrar para ele. E do que é que ele se bufaria num lugar de espírito pouco alimentado? De quem se bufaria? Quem seria subversivo lá no baile do pinhal onde todos os que fossem fora da terriola eram corridos “padrada”. “Anda cá a ver sés homem! Levas com uma lage nos “pêtos” caté a barriga faz PÃ!!. Vens práqui roubar as mulheres do lugar! Pensas! Qués veri!” Quem seria o iluminado de quem ele se bufaria? Talvez não precisasse de haver um iluminado. Bastava dizer:”Isto tá mal! Hoje dividi, outra vez, uma sardinha com a mulher e os cincos filhos…” ou “ Passa-me aí o sal*(e o sal cai) azar!!” Ele disse o quê? Sal azar com uma expressão chateada! Epa! Vou dizer! Mais vale prevenir! Ou alguém diz:”Nas politica é melhor nem nos metermos!” Aaaah ele disse politica! Vou contar!

Ainda hoje! Politica se associa com partidos e já não presta. E mesmo em meio académico/intelectual, PARECE-ME (digam-me que estou enganada!) quando se precisa de deslegitimar alguém alega-se que fulano é militante. Porém, basta perceber o que cada um entende por militância. Se Marx morreu e Cristo também e eu também já não me estou a sentir nada bem…o que significa ser militante? Posso ser militante da causa solidariedade e/ou sustentabilidade no geral e no particular sem ser dogmática. Por isso ser militante não significa ser sentencioso e tampouco querer vender ideologia.

Bom! Mas voltando ao Mário Novo! Porque seria ele bufo da PIDE? O que ganhava ele? E amigos? Ganhava? Ou perdia? Ou simplesmente gostava de ser temido? Ou então gostava de passar por amigo com um grande sorriso e ZÁS!! Quando menos esperas, o rapaz já deixou o teu nome escorregar pelos lábios.

Mas o mais assustador é que a prática de bufice continue até aos dias de hoje. Camuflado, claro! Politicamente correcta! Claro! De preferência encontrando argumentos éticos para tal falta de ética. Para tal desrespeito para com o outro e principalmente para consigo mesmo.

Bom! Again! Voltando ao Mário Novo!... Porque é que ele se desbroncava? A que propósito? E de quem? Talvez, dentro do panorama de mentalidade mediavalesca existissem mentes despertas pelo privilégio de mergulharem na praia existente a 5km de distância. Assim como assim, ele havia mais que muita gente que ainda não tinha visto o mar mesmo estando a 5 km de distância. Ou que ir à capital a 15 km de distância era uma epopeia memrável até ao final dos dias de suas vidas. E mesmo que a mentalidade roçasse o mediavalesco já haviam viaturas com duas rodas e motor lá nos idos e próximos anos 50/60. Talvez a falta de curiosidade se sobrepusesse a qualquer dificuldade financeira ou de outra ordem.

Porém, o que não me deixa descansada não é, realmente, a conduta do Mário Novo num determinado tempo e espaço. Que a sua alma descanse, se é que isso seja possível. O que me inquieta são os resquícios de conduta a la Mário Novo. “ Ah! Mas eu só comentei. Perguntaram-me e eu respondi!” E de repente quem quer assumir poder, seja em que área for, esfrega as mãos de contentamento dentro do espírito: “Não estás comigo, estás contra mim!” E criar intriga é, obviamente, um mecanismo para exercer poder. E exercer poder não é necessariamente ter de ser boçal. Mas normalmente…No entanto, hoje para exercer poder convém sempre adoptar um “espírito” e discurso do politicamente correcto condimentado com filantropia, de preferência! Vende melhor. E assim continuamos todos numa relação amigável. “Eu lixo-te, mas amigos como sempre!”

- A menina quer farinha 33? Pois faz muito bem! Uma farinha que oferece muitas resistências ao organismo. É tão boa ou melhor que a Pensal! Vai bem servida! Ah pois vai!

#até há bem pouco tempo a venda da terriola era constituida pela mercearia com a taberna/boteco ao lado
*uma reliquia nos tempos de racionamento, mesmo nos países “neutros”

A piU

BR, 24.06.2012

quarta-feira, 20 de junho de 2012

E agora?

-Tá tudo a correr bem?
-Sim, nada a apontar.
-Tem de vir cá ao escritório. Precisamos de falar consigo.
- Passa-se alguma coisa?
- Amanhã aqui no escritório depois do seu horário de expediente.
(…)
-O senhor vai ter que se ir embora. Dispensamos os seus serviços.
-Mas…
- Demos-lhe a última oportunidade e senhor voltou a cometer o mesmo erro. O seu colega informou-nos que é muito difícil de trabalhar consigo.
- Difícil como? Eu propus-lhe ensiná-lo a mexer no computador fora do horário, visto que se não o faz eu fico sobrecarregado.
- Ensiná-lo a mexer no computador? A vossa formação dada aqui é idêntica!
- Bom, não é bem.
-Se ele precisar de ajuda vem ter connosco. Agora, o senhor tem de colocar os dados dos pacientes e ser simpático em frente a eles. Isto é um lar de pessoas idosas e temos de manter uma boa imagem para os nossos utentes.
- Sim, mas não é uma questão de ser simpático. O meu colega chegou agora ao serviço e eu disponibilizei-me ajudá-lo, porque me sinto sobrecarregado. E por querer fazer um bom trabalho, por vezes fico frustrado.
- O senhor cria conflitos com os seus colegas.
- Conflitos? Quando sinto dificuldade no trabalho de equipa tento resolver. Por vezes fico cansado de trabalhar com pessoas que ainda não adquiriram o básico. Bem sei que tenho de ter paciência, mas durante o expediente nem sempre é fácil.
- O senhor está despedido.
- Por favor, não faça isso comigo! A minha mãe está numa cama e precisa de mim.
- Lamentamos.
-Por favor, dêem-me mais uns meses para eu conseguir encontra alguma coisa. Saio daqui e não tenho direito nem a um fundo desemprego! Nunca paguei a segurança social, por causa da carga fiscal que fui obrigado a pagar todos os meses!... Eu que dei tantos anos a esta casa!
- Por favor não insista! Vai ser pior para si! Nós avisámos que não queríamos mais queixas suas.
- Queixas como? Porque o meu colega não falou comigo e não aceitou em  que eu partilharsse os meus conhecimentos com ele?
- O senhor não tem de partilhar nada. Limite-se a fazer o trabalho no horário do seu expediente.
- Por favor!!
- Primeiro colocou em causa a nossa chefia, depois diz que os seus colegas ainda não adquiriram os conhecimentos básicos.
- O que eu questionei em relação à chefia foi o método de trabalho utilizado e a vossa postura displicente durante as formações com formadores externos.
- Se o senhor é assim tão bom vá procurar outro lugar!!!
- Por favor! A minha mãe depende de mim!!
(…)
- Queremos congratulá-lo pelo seu desempenho nestes últimos três meses. Gostaríamos de fazer um jantar não propriamente de despedida deste emprego, mas um jantar em homenagem à sua nova vida.
- Agradeço o facto de me terem deixado prestar os meus serviços por mais três meses, mas creio que não é adequado esse jantar. Não me sinto preparado.
- E a sua mãe onde vai ficar?
- Vou colocá-la aqui na vossa instituição de beneficência. Vou-lhe mandando dinheiro sempre que possa.

A piU

Barão Geraldo, 19 de Junho de 2012

Confissões duma Maria simplesmente Maria



A pessoa tem vontade de beber um copo. Pronto, vá dois, dois e meio. E entabular dois dedinhos de conversa. Vai que não vai e liga à amiga. Não pode. Não tem com quem deixar os filhos. Liga a outra. “Siiiiim! Tás boa? Passa-se alguma coisa contigo? Precisas de conversar? É que hoje não posso. Já tenho outras pessoas…” .....dassseeeee. Quem te manda a ti quereres ser amiga do pessoal da psicologia? Ligas para três copos e três décimos e a pessoa acha que tás mal e precisas de desabafar, falar de ti! Bom, alé! O melhor é sair e depois logo se vê! Deixa fluir!

Passo pelos bares dos artistas. Fiiuuuuu!! “Oláááá! Tás booooa? Tás a fazer alguma coisa? Eu cá tou a ensaiar uma peça com o Edmundo Carrasco. Uma coisa super pra frente! Somos 20 figurantes em cena, mas eu tenho uma fala e despimo-nos todos ao mesmo tempo enquanto toca a Traviata blá blá blá pois EU isto blá blá EU aquilo blá Olha olha! Quem vem lá?! A Maria Robison de Meloooo! Olá Robison de Melooooo! Querida!” Utla! É tempo de sair de fininho. Digo que tou aflita com as minhas necessidades fisiológicas e alá!

Mais a frente um jovem saltitão, estudante de medecina, sorri:”Oi! Voçê é de onde? É daqui?”;”Hmm. Sim e não... Agora sou!’; “Qual o seu nome?”:” Maria.”,”Maria quê?”,” Maria quê? (para que é que ele quer saber o nome da minha família se eu não sou daqui?) “Maria daqui”, respondo lançando a cabeça para trás rindo do insólito da pergunta. O jovem rapaz num salto desaparece, sem eu dar por nada, para o seu grupo de amigos.”Hmmm. Acho que entendi. Se lhe tivesse dito que me chamava Maria Caganini Van Shleka talvez achasse que eu era uma pessoa importante. Uma moçinha de bem e do bem. Hmmm. C est la bie! Non uori bi happy!”

Encontro um conhecido. “Pois EU agora ando a estudar a relação do camponês, ex emigrante em França, com as novas tecnologias. Porque dentro dum contexto blá blá blá.” Interrompo. “É pá a minha experiência com os franceses dum modo geral… Malta xenófoba com a mania que são os tais e os mais.”, digo. “Especifica. Franceses? Que franceses? De que contexto? Que idade? Que classe? Qual o género? Especifica!” Diz irritado o tal conhecido que é antropólogo. Pôôôçaaaass!!! Caraças eu só queria beber 4 copos e um dedinho e posar as mãos numa mesa gordurosa dum tasco ranhoso com toda a gente a rir alto, a dizer disparates, a falar por jogos de palavras ou a ficar calado. Sei lá! Beber dois copinhos. Vá! UM!...E relaxar o plexo solar.

A piU
Barão Geraldo, 19 de Junho de 2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Palavra de honra

- Palavra de honra!... Quantas vezes é preciso explicar-te?
- Mas eu estava a contar com aquele trabalho!...
- Sim, mas a pessoa mudou de ideias!
- Mas a sua mudança de ideias alterou a minha vida! Eu não aceitei outras coisas para fazer aquele trabalho!
- Ela lá terá as suas razões.
- Sim, ela tem as suas razões e eu tenho os meus filhos. E ela além de ter as suas razões também tem filhos. Talvez ficasse mais fácil de entender o quanto é importante para mim trabalhar, além de eu gostar de trabalhar!
- Palavra de honra! Mas tu não entendes? Isto ‘tá mal para toda a gente?!
- Sim, mas o trabalho aconteceu. O que aconteceu é que contaram com outras pessoas. E se eu não tivesse ligado…Talvez só soubesse mais tarde.
- Mas vocês não amigas?
- Somos. Por isso também. Além de sermos amigas existe uma palavra. Essa tal palavra de honra que tanto repetes. E depois também acho que trabalho é trabalho e conhaque é conhaque. Mas já que somos amigas isso deve ser preservado. E amizade não é um dado adquirido
- Mas vocês fizeram algum contrato?
- Não. Mas a palavra não é já um contrato?
- Palavra de honra! Em que mundo vives?
- Neste. Bom, mas quando falo de contrato a alguém é como se falasse que a Laika também já foi a Saturno… Hmmmm. Talvez tenhas razão. Talvez o mundo que eu gostaria de viver não é real. Bom, deixa p’ra lá!… Talvez seja eu que esteja equivocada.

A piU ((Peça em vários aquetos; vidas e obras dos intermitentes do espequetáculo Luz i tanço)
Barão Geraldo, 17 de Junho de 2012

Keep going

Vous devez maintetenir l’incandescence sans que le lait deborde/
Voçê deve manter a efervescência sem deixar o leite ferver

Ariane Mnouchkine

E depois do entusiasmo o que fica? Quando os dias, os meses e os anos diluem a adrenalina do primeiro instante; quando a rotina prensa o entusiasmo, o querer muito. Quando esse furor se torna uma responsabilidade. Um compromisso. O que resta? Quando o ramerrão neutraliza o desejo, o tal ânimo recheado de grandes ideias com mil palavras de esperança e talvez de revolta, revolta contra um cansaço que se quer finalizado. Dum desejo de: “agora vai ser diferente!”. Depois duma fúria, dum regozijo o que subsiste? Quando a perseverança exige entrega, um olhar focado num caminho ainda por desbravar ou já desbravado mais que o mato ocupou. Depois dessa paixão, desse querer muito, desse muito sonhar o que sobrevive? Como perdura? Como manter essa chama cá dentro que ora ilumina tudo ao redor, ora permanece pequeninha mas persistente. Dançando subtilmente e quase ameaçando desmaiar, mas sem nunca se apagar. Como sustentar essa chama sem nos rendermos ao cansaço, sem perder o fôlego?

Unt keep going, keep going com a energia que se tem, que se pode e se quer ter. Keep going! Keeeeeeep……. Goin……..……g

A piU

Barão Geraldo, 17 de Junho de 2012

Diário de bordo

Sexta- Festa Junina. Festa à antiga com chapéus de palha e camisas às riscas, vestidos de flores. Dança-se a quadrilha. A Ninuska é a noiva. ‘Tá feliz e orgulhosa. Dança com o seu par. Apesar de tímida ela gosta de estar no palco. Faço um esforço para me manter na festa. A velha história da enorme caixa de som com um volume altíssimo e a professora falando em cima do microfone aos guinchos, convencendo os pais a gastar dinheiro no bingo, nas comidas e afins. A Flower Power também dança. Tou feliz de vê-las. Tou feliz por elas. Vale o esforço de aguentar aquela estridência durante horas à qual não me consigo habituar e já lá vão uns aninhos de festas nas escolas. Aquela estridência tira-me do sério, faço um esforço para que o meu cavalo selvagem fique mansinho no lugar. Oh cavalo maldito que às vezes se solta e galopa por ali afora! Um cavalo chamado mau génio. Faço um esforço e dou-lhe torrõezinhos de açúcar, mas às vezes o cavalo não quer saber e vai. Fica intolerante com aquilo que considera intolerante e boçal. Ohhh cavalinho vem cá! Não sejas boçal, também! Não sejas boçal com aquilo que achas que é mediocridade. Olha que ficas também medíocre! O cavalo fica manso. É o dia das meninas. Ohhh que investimento este de vir às festinhas da escola!! Quantas sessões no terapeuta poupadas para resolver traumas de infância:”Aaaaahhh a minha mãe não estava na festa quando eu fui de noiva ou de Chiquita Mariquita na festa Junina!”, diz a calmeirona já com 30 anos numa sessão de psicanálise.
Vale o esforço! Mesmo que transporte um cansaço com uma ligeira enxaqueca durante o fim-de-semana todo.

Sábado- mais festa Junina. E uma roda de capoeira e um cabaré no casarão. Rio-me como uma criança da personagem do Ivans. Gosto das coisas estúpidas que diz e faz. Identifico-me e riu-me.Gosto também da personagem da Joana. O outro lá dá-lhe um copinho de quelque chose e sai. Ela bebe e há uma vela na sua frente. Dá um gole. Glu. Glu. Vários momentos de má indisposição, um arroto sobre a vela e Frrrruuuuuum  uma grande chama. Gosto de ver uma personagem feminina cuspir fogo dentro dum enredo. Bem esgalhado.

Domingo- bebemos caldo de cana com gengibre na praça do coco. Nham nham Fazia tempo que não bebíamos tal beberaje. De tarde despedimo-nos das duas cachorrinhas que adoptamos durante 20 dias. Damos um passeio pela fazenda que tem o caminho para o ônibus. Exploramos a fazenda à procura da manada. A Mary Flower toda espevitadiça leva um pau para fazer frente à vacaria e aos bois. Assim que avista a dita congregação… Ala que se faz tarde! Não! Brincas!! Invento um jogo perto da cerca: Esperamos que elas se aproximem e á pertinho zarpamos para o outro lado. As bichinhas teem um olhar meigo. Uma delas aproxima-se de nós e mete a língua para fora para alcançar umas folhas da árvore. “Que língua tão grande!”, diz a Florzuska. Penso no belo cozinhado com aquela língua. E logo tenho compaixão do animal. Como posso eu contrariar este gosto que tenho por carne? Não consigo aderir à moda do vegetarianismo, porém quando estou com amigos vegetarianos a carne não me faz falta. Mas prefiro assumir que gosto de carne, do que às escondidas comê-la como se se tratasse dum ato pecaminoso. Acho absurdo! Desculpem amigos vegetarianos, vegans e defensores dos animais se ofendo alguém.

Voltamos para casa e vou assar um frango. Lá dentro vem uma sacola com as respectivas miudezas do animal. Abro: Aaaaaaahhhh! Surpreendo-me com a minha sensibilidade coquete, igual à de quando vejo um rato. Aaaaaahhh! Uma cabeça duma galinha!! Que tétrico!! Lhhhhharrrrrrgaaaaa. Pego na sacolinha e deito-a direto para o lixo.
Hmmmm. Talvez fosse uma estratégia de deixar de comer carne de vez! Visitar mais vezes as vacas e dar de caras com um frango degolado. Coelho já tá fora do cardápio por essas e por outras! A avó a matar o bicho e o fzzzzzzzz do casaquinho do bicho a sair da carcaça…. E o quadro sinistro do bicho na montra do talho/açougue com aqueles olhos esbugalhados e o seu corpito atlético? Llllllllhhhharrrgaaaaaa… Passa a outro. Já não falando dos pombos que esvoaçavam pelo quintal da minha infância e quando poisavam no arroz do meu prato a minha avó dizia que era arroz de pato. “Arroz de pato?!?!? Olha os ossos pequenininhos!! Não me enganas, pá!”

As galinhas também por lá andavam e avó cortava-lhes o pescoço. Nunca tive muita pena delas. Terá haver com o seu olhar, que considero inexpressivo?! Pode ser? Curtia muito ver o meu cão Flash (Gordon) atirar-se para cima da rede da capoeira e elas correrem feitas galinhas tontas às voltas, lá dentro. Ou eu correr atrás delas e as pobres esvoaçarem em círculos em frente à porta e não darem com a entrada e/ou saída. Estúpidas como nós humanos em muitas situações! Mas ver uma cabeça de galinha no momento que estou a preparar o jantar?! Merci, gracias, dank you, passa a outro!!

Hoje o tio fez anos, tentamos ligar mas existe um tal de fax que se antecipa e come os créditos do cartão (um fax!!! Imagine-se!)... Na sexta passada nasceu mais um bebé na família, lá longe. Do outro lado do oceano. Mas não é um oceano que separa ou une as pessoas. Querer bem às pessoas já é “uma passagem para a outra margem”, tal como querer bem aos outros seres viventes. Um destes dias deixo de comer carne de vez!… Mas seria desonesto para comigo fazer uma promessa desta envergadura assim sem mais nem menos, porque tudo o que é forçado acaba cedo. 

Bom, por falar em forçar! Volta lá mas é aos textos que tens de ler em vez de estares para aqui com devaneios do có có ró co tidiano!!

A piU
Barão Geraldo, 17 de Junho de 2012

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sair da rotina

A pessoa passa uma hora e meia no trânsito, seja de carro ou transporte, de sua casa até ao local de trabalho. Depois a pessoa volta para sua casa e lá vai mais hora meia. 15 horas por semana, 30 quinzenalmente… Arredondando as contas são dois dias no trânsito. Enfim, um fim de semana inteirinho!... Depois ao fim de semana vai-se para a fila do hipermercado, do restaurante fast food no shopping. É mais caro que ir a um restaurante normal, mas está ali à mão!... Depois se o dia estiver quente e para se ter contacto com a naureza pomo-nos no trânsito e vamos até à praia. Uma hora e meia para ir e duas para voltar. Depois é uma questão de sorte e atenção para não espetar a sombrinha no rosto da criançinha que tenta fazer um pequenito bolinho de areia no espaço que lhe foi confinado. E depois é hora de ir ao banho! Hmmm tá quentinho!! Será do sol? Ou da quantidade de bexigas que se banham? Hmmm que fim de semana agradável ao ar livre!! Voltamos para casa a sonhar com as férias de Verão. Quem sabe se a crise não for assim tão arisca possamos ir para Armação de Pêra no Algarve!! Eu cá gosto!! Tem um ar de subúrbio junto ao mar, por isso faz-me sentir em casa!! As coisas são carissimas, mas a água quentinha do Algarve!... Ninguém ma tire! Há filas para tudo, mas eu gosto daquela hora depois do jantar quando vamos à bica (café) e toda a gente passeia preguiçosamente e dá uma olhadela pelas bugigangas à venda na rua. Muita coisa jeitosa!! Comemos um doçinho de amêndoa para digerir o noticiário da tv que assistimos à hora do jantar.
Aaahhhhh! Como é bom desligar de tudo e estar de férias!! Opa! Tou com uma sensanção esquisita no meu pé… O senhor desculpe, pode espetar a sua sombrinha na areia?


A piU
Barão Geraldo, 14 de Junho de 2012

Espaço axial

    Espaço axial: linha, que partindo da axila descoberta pelo braço aberto, atravessa o espaço demostrando os limites físicos do corpo humano. Os movimentos rectilineos e circulares, tanto dos membros superiores como inferiores, desenham figuras no espaço que delimitam esse espaço axial. A proximidade e a distância de outros seres viventes do espaço axial do sujeito depende do próprio sujeito e dos modos locais dos grupos de sujeitos que interagem entre si. A proximidade física no metro em Copenhaga será, por supuesto, distinta da proximidade dos corpos num machibombo em Luanda. Se há quem dê um beijo e um abraço de juntar o peito há quem  “se limite” a estender a mão. Se há quem beije o outro no rosto como se tivesse a lançar bolas de ténis, ele tem outros que dão uma bacalhauzada (aperto de mão) com todos os dedos e a palma da mão inteirinha, com o devido calor humano.
Se há quem se põe em cima de nós para falar ao ponto de vermos o movimento da glote num vai e vem entusiasmado, outros que se nos aproximarmos se retraem mantendo a devida distância.
    Quanto a mim faz me confusão o encavalitanço desnecessário. A carruagem lotada junto à porta de entrada e saida de passageiros e o resto vazio. Parece-me duma tacanhez egocêntrica. Bloqueia-se a porta, as pessoas em cima uma das outras e outros que pegem o próximo!... E nas ruas!?... Mesmo havendo um monte de espaço em redor, nós vamos para cima uns dos outros. Terá haver com carências emocionais inconscientes? Eu vou para cima do outro para me sentir mais seguro ou eu vou para cima do outro para lhe mostrar que este espaço/ território é meu?
    Volvidos séculos depois do Da Vinci ter concebido este belo croqui parece que a relação com o nosso espaço axial e o dos outro é ainda algo obscuro. Faça-se luz em nossas mentes e corpos, pois há mais espaço no mundo do que nós podemos imaginar! Talvez não seja preciso nos encavalitarmos só porque sim. Falarmos por cima uns dos outro, pisarmos o outro que é para ele aprender quem chegou primeiro ou quem chegou por último mas com convicção. Haver espaço para todos não significa que esses espaços não sejam alvos de conflito e negociação. Porém, se individualmente estivermos centrados, quiça o conflito e a negociação sejam um pouquinho mais construtivos.


A piU
Barão Geraldo,14 de Junho de 2012

Show you are not afraid

E se eu tiver medo, qual o problema? E se eu quiser mostrar que tenho medo, mesmo não tendo? E se eu quiser ficar do lado dos fracos, dos vulneráveis, dos indesejados, por achar que os que desejam ser desejados são indesejados por si mesmos? E se não quiser mostrar nada a ninguém? E se eu não quiser provar nada de nada, por achar que o que está lá já lá está o que está e se alguém notar é porque se disponibilizou para tal? E se eu tiver medo do medo e fugindo para a frente choco com a minha coragem falsificada? E se eu tiver coragem de ter medo? Ter medo de ficar só, de não ser desejada, de não ser reconhecida? E se eu tiver medo das minhas contradições e tento plastificar as minhas emoções e digo: “ Eu cá sou amiga dos meus amigos, mas quando me pisam os calos!!...” ou “ Eu cá sou insociável e conflituosa, pelo menos foi o que me disseram na reunião dos comedores compulsivos de chocolate branco com amêndoas!” ou “ Eu cá sou muito calma. Não me meto com ninguém! Não tenho amigos, mas não me importo! Leio os meus livros enquanto fumo cigarros sem nicotina!”

E se o medo passar por mim e não me ligar patavina? Aaaaahhhh! Pobre de mim, coitada!!!


A Piu
Barão Geraldo, 15 de Junho 2012

Karmen

Baptizada na igreja da freguesia de Várzea da Ovelha e Aliviada, concelho de Marco de Canaveses, Maria do Carmo Miranda da Cunha zarpou com apenas um anito de idade dum Portugalito rural que nesse mesmo ano detonou uma monarquia secular dando vivas a uma República que rapidamente se tresmalhou numa ditadura. Talvez, a nossa querida Maria do Carmo se tivesse ficado por Marcos de Canavesses fosse uma ovelha tresmalhada num Portugal tristonho e tacanho. Ou talvez, pelo facto, de não ter permanecido tenha sido um alívio para ambas as partes: para ela e para a moralidade da santa terrinha. Mesmo assim a sua contemporânea Amália Rodrigues, com o seu talento inquestionável e a sua sóbria beleza e sensualidade, deu bom jus à portugalidade. Nunca mais tendo voltado ao seu país de origem à beira mar plantado, Carmenzita com seu estilo foi considerada a percursora do tropicalismo dos anos 60 no Brasil. Dá para imaginar a Carmito no Portugal do Deus Pátria Família cantando com aquele corpo escultural, adorado e invejado por determinadas mulheres, homens e travestis, com um bacalhau na cabeça? Bom, ‘tá bem!... Com peras, cerejas, morangos, laranjas e melancias na cabeça? Apesar de achar que nesse Portugal da tríade onde a fominha era muita, mesmo que a memória seja fraca para muitos, o colorido da fruta lusa seria uma afronta à moral e aos bons costumes. Ainda bem, Carmito que foste cantar para outras freguesias e que te deram o valor devido, mesmo que o teu catolicismo tenha sido uma armadilha para o teu destino!... Em prol desse tal catolicismo foste maltratado pelo teu último marido sem nunca teres querido se separar. Vai-se lá saber quantas mulheres ainda caem nessa esparrela em pleno século XXI? Bom, ele há homens (como mulheres) que passam pela vida dos outros e a coisa torna-se drástica….

    Mas começo a supor porque é que a rainha do samba para muitos nunca foi portuguesa… Pudera! O pai dela era barbeiro!!! De bigoduda estava safa!!... E como teve muito sucesso pelas Américas tanto do sul como do norte tosca não era não! E se foi chamada de Carmen foi porque seu pai, mesmo vindo lá das berças, gostava de ópera. Olha!... Pois, pois. Afinal o corridinho, o vira, o faducho não eram a selecção musical do senhor!! Ora pois! Nem tudo o que é óbvio, afinal o é.

    E mesmo que lhe tenham dito que o mundo ia acabar e que afinal não acabou… E mesmo que o mundo tenha acabado para a Carmen, para o mundo a Carmen não acabou. Se ficou abrasileirada, americanizada diluindo a sua portugalidade  pouco importa, parece-me. Não importa mesmo nada. Talvez o que importa é parar e tentar acompanhar o percurso dum sorriso que se desvanece, como um coração dá sinais que poderá colapsar. Entender como uma força da natureza se torna um produto comerciável. E talvez a pessoa que encarna esse produto comerciável deixe de ter vida própria, porque o esplendor vai para lá do que é humano.

Barão Geraldo, 14 de Junho de 2012