Os diminutivos são lixados. São ou não são? " Ai que bonitinho!", " Que velhinho tão fofinho!", " " Fica boazinha!", " Eu ajudo muito os pobrezinhos." Já não falando daquela música rock português 80's: " Ou tás quietinhos ou levas no focinho!" que se traduz no Brasil como: " Ou você fica quietinho ou você apanha no focinho"... É basicamente a mesma coisa. Sendo que aparentemente nós humanos não temos focinho e sim rosto com nariz, boca e olhos. Muitos consideram que nós somos os únicos animais racionais, embora possamos cometer algumas irracionalidades. Passo a dar um exemplo, que foi o que me trouxe aqui com a devida autorização duma querida amiga que me contou esta história da sua ilustre irmã, que acredito que essa amiga não quererá de deixar de ser irmã da mesma por este e outros eventuais episódios. A questão é que estão num patamar de entendimento sobre aqueles dois propósitos de vida universais: nós viemos aqui para servir ao todo naquela expansão de consciência nova era ou viemos para nos servir única e exclusivamente a nós mesmos, naquele swing do individualismo new age?
Diz a irmã dessa amiga assim para ela: " Olha só que tão bonitinha, a minha faxineira! Ela prefere ir vender bolos do que receber o auxilio emergencial!" Pessoal, malta que não está habituada a este tipo de mentalidade: ISTO EXISTE E É O PÃO NOSSO DE CADA DIA! E quem reagir de pronto ou tentar explicar que o auxilio emergencial é um direito que deveria atender a todos por variadíssimos motivos: para as pessoas evitarem o contágio nos seus trabalhos já precarizados, para as pessoas que trabalham como prestadoras de serviços nas mais variadíssimas áreas, e que muitos contratos estão suspensos pela situação atípica atual, É ROTULADO DE COMUNISTA A ESTA ALTURA DO CAMPEONATO! Ehehehe Ah! Imagina se dissermos à pessoa que se ela acha bonitinho a sua faxineira não recorrer ao auxilio emergencial porque é que a mesma, que é funcionária pública num órgão federal com todos os benefícios salariais e fiscais que isso possa ter nem que seja a segurança de ter um emprego talvez até vitalício, não aumenta o salário da sua faxineira e diminui a carga horária da mesma para que esta não se exponha tanto nos transportes públicos com a probabilidade de levar o vírus de casa em casa de cada patroa?
Ah! Mas isso é impensável! Sim! Porque ela precisa de trabalhar e não tem como limpar a sua casa! Ok! Se ela precisa de trabalhar para ganhar a vida e se o seu trabalho é valorizado, porque é que o da faxineira não há de ser valorizado com dignidade e a senhora funcionária pública juntamente com o seu marido, se esta for casada, partindo do principio que a mesma é hetero, limpam e ordenam a sua habitação de quando em vez. Isso faz muito bem à saúde: limpar e ordenar o nosso próprio espaço sem esperar que a faxineira ou a esposa que também trabalha o faça. Enfim, fica aqui a reflexão.
Essa questão do valor do trabalho e quem o exerce, se é mulher se é homem ou outro género dá pano para mangas. Aí voltamos lá acima aos propósitos de vida: se viemos para dar as mãos uns aos outros porque estamos juntos nesta aeronave que o planeta terra, ou se achamos que somos as tais e os tais que é mesmo assim cada um por si em beneficio próprio, achando que a existência e o trabalho da outra pessoa não é passível de apreço, de valorização que talvez até nem seja trabalho.
No meu ponto de vista, a questão já nem é se a pessoa é privilegiada ou não. Na realidade esse termo de privilegiado nunca o escutei tanto como no Brasil. Pudera! É dos países mais desiguais do mundo. Mas já que existem seres que tem acesso ou a oportunidade de ter acesso a saneamento básico, a saúde, a comida, a habitação digna, a informação de qualidade, a educação popular que desconstrói narrativas que são meramente para servir sim meia dúzia de privilegiados, ´porque não compartilham esses " privilégios", essas oportunidades de sermos mais seres humanos ligados pelo racional, mas também pelo afeto.
Olhem, eu tenho agradecido muito a oportunidade de estudar a arteterapia. Encontrei nessa área a mistura fina que procurava há anos: arte e saúde para levar ao máximo de pessoas, através da arte, a oportunidade de aprofundar no auto conhecimento como um caminho de cura.
Obviamente que estou a mergulhar no trabalho da Nise da Silveira, uma mulher brasileira médica e pioneira no movimento anti manicomial e que conversa com praticidade com Carl Jung. Que vem revolucionar com a sua emoção de lidar com as pessoas, ao invés de lhes dar electro choques e coisas assim e tal, muito ruim e muito mal. Ela era uma mulher privilegiada, porque pode estudar medicina numa época em que ela era a única mulher. Filha duma pianista e dum professor de matemática. Mas nem por isso deixou de ser leal aos seus princípios até ao final da sua vida, mesmo tendo sido presa durante 18 meses e afastada da profissão quase uma década entre os anos 30 e 40 durante o governo do ditador populista Getúlio Vargas. Para ela não deveriam haver classes sociais, toda a gente deveria ter direito a uma vida digna. Todos sem exceção! Os que estão dentro da caixinha, os que estão fora, os que estão dentro e fora. E o que caixinha é essa? Alguns saem da caixinha quando o afeto é esquecido. E todos e todos no fundo precisamos de dar e receber afeto sem "inhos", porque no momento que a irmã da minha amiga achou bonitinho não recorrer ao auxilio emergencial esqueceu que a sua irmã recebe esse mesmo auxilio. Por essa ordem de ideias a insensibilidade é que é sim "feinha".
Deixemos-mos, então, afetar pelo afeto ao invés de andarmos afetados com as nossas ( salvo seja) maniazinhas meritocratas. Lidar com afeto com os meritocratas também é uma emoção que requer despojamento de cinismo. Já que o que nos incomoda nos outros diz algo de nós, não necessariamente o mesmo. Isto é, o que precisamos de trabalhar dentro de nós para manter a lucidez do afeto, mesmo quando escutamos ou assistimos a algo que nos possa tirar do eixo. Voltar ao eixo é o grande desafio; Enfim, já é mais que tempo de nos cair a ficha que tudo isto é uma grande mandala com outras mandalas interligadas de geometria cósmica.
Ah! A emoção de lidar é uma expressão da Nise da Silveira, mulher inspiradora e muito corajosa por enfrentar uma lógica de agressividade exercida por médicos e psiquiatras do seu tempo. Mudemos a página DOS TEMPOS COM AFETO E EMOÇÃO DE LIDAR.
A Piu
Br, 14/10/2020