segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

PARA! DIGA-ME comemorando a independência dos países africanos de expressão lusófona, entre outras expressões linguísticas e culturais

 " - E o senhor general despreza as nossas tradições?

- Olhe, meu caro, se por tradições entendermos crimes como envenenar pessoas, queimar crianças, mutilar mulheres, sim, desprezo. Há tradições boas e tradições más. Acho estúpido apoiar uma qualquer prática apenas por ser antiga. Seguindo a mesma lógica teríamos de defender a escravatura. Os meus bisavôs, pretos como eu e você, eram escravocratas. Devo recuperar a tradição familiar?

- Não! Escravatura não!

-- Ainda bem. Olhe, conheço muito boa gente, aqui em Luanda, que tem imenso orgulho no passado escravocrata da família. Os escravos eram o ouro negro da época (...) Havendo procura, havia oferta. Você gosta de samba? 

- Gosto. Gosto muito.

- Então agradeça aos meus bisavós. Se eles não tivessem vendido escravos para o Brasil hoje você não poderia escutar Paulinho da Viola (...) Se não fosse a escravatura o Brasil não teria capoeira, não teria vatapá nem o candomblé. Sem a contribuição dos meus avós e de todas as grandes famílias escravocratas desta nossa bela cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, o Brasil não existiria. 

(...) olhou-o aterrado. (...) a escravatura foi uma coisa boa?

- Não. Escravizar alguém é um crime abominável. O tráfico negreiro enriqueceu algumas famílias africanas, não falando dos europeus, claro, mas arruinou o continente.

AGUALUSA, José Eduardo ' Barroco Tropical",Dom Quixote. 2009: Portugal.


Esta escrita luso angolana, por ser honesta e (auto) responsabilizadora, é desconcertante. Penso que responde em parte aquele verso do querido Mateus Aleluia:

 ' Quero contar o sofrimento que eu passei sem razão

O meu lamento se criou na escravidão
Que forçado passei"

Não sei se existe uma moral da história na História. Com certeza que precisamos  de estudá-la em diferentes ângulos e a muitas vozes para não cair no engodo das simplificações, dos lugares comuns como se dum roteiro televisivo e medíocre se tratasse onde não existem complexidades e dobras várias nas estruturas sociais pautadas a hierarquias, status e poder.

Estarmos informad@s e meditar sobre os assuntos abre-nos o olhar para nós mesm@S e para o 'outro' que também somos nós sem reducionismos, frases e ideias feitas. Como há famílias pretas escravocratas, há famílias portuguesas, holandesas, francesas, inglesas de origem operária e do campesinato, que além de exploradas, nunca se favoreceram com esse grande projeto escravocrata, patriarcal que mutila e mata mulheres e é infanticida. Só a titulo de curiosidade: no Brasil existe uma camada social que valoriza mais o seu pet ( animal de estimação) do que os meninos de rua. Só para dar um exemplo.

Todos os dias são dias de meter a mão na consciência e ressignificar o paradigma. Independentemente se é Natal ou Carnaval.

Inté!

A Piu
Campinas SP 28/12/2020




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