Quanto ao José Barata Moura,este foi em certa medida o nosso Raul Seixas. O Raul Seixas da criançada, vá. Da criançada seventi, pós 25 de Abril. Quem na minha geração não conhece o Barata Moura onde é que tem andado? Assim que chegava o meu aniversário o dia começava logo com os LP's do "Fungagá da Bicharada", o " Come a papa Joana, come a papa" e " A bola do Manel" no gira discos/ vitrola. Isto antes da malta amiga/ pessoal/ galerada amiga chegar para a festa. Logo, não era aquele "Toca Raú!" de fim de festa onde a mousse de "chiclate", o salame de "chiclate", a gelatina de morango e as sanduiches/ lanchinhos em triangulo de pão de forma já tinham desembuchado com várias doses de laranjada. Nãããã! Barata Moura era para "cortir" mesmo antes dos convidades chegarem! O cão Dom Pantaleão e cão apenas cão era a minha preferida. Barata Moura com a sua voz potente apresentava o Dom Pantaleão com a sua soberba e depois baixava o tom de voz para apresentar o cão apenas cão que não precisava de opulência nem ostentação.
Pelo que sei o Barata Moura não é a porra louquice do Raul Seixas, mas acredito que ainda hoje se um de nós colocar numa festa ( quando a pandemia se for) um " Come a papa Joana come a papa" vai ser um delírio. Aqueles que já poderão estar um pouco regados ainda pode ser que chorem e tirem da sua mochila aquele velho ursinho já desbotado. Uns farão aquela velha piada do 'Come o papa, Joana come o papa". Sim,é uma piada portuguesa blasfémica. Mas também porque não? Tivemos que os aguentar tanto tempo, tantos séculos de bico calado ou a rir pela calada... E se o papa for um fulano com humor e amor no coração vai entender que não é nada personalizado e que o tal do Vaticano precisa de repensar toda a sua estrutura. Vai entender que o riso é liberta dor e ainda pedir todas as desculpas pelo dano causado em muitas sociedades e culturas, e assim, quem sabe, as suas práticas possam ser mais coerentes com a teoria de amor universal.
Já o Avô Cantigas nunca me convenceu muito. No inicio da sua carreira era um jovem homem saltitão com uma peruca branca e uns óculos com umas jardineiras a fazer de avô. Mais tarde, mais velho a fazer de avô jovial. Cantas bem, mas não me alegras. Com todo o respeito pelo Carlos Alberto Vidal, que ao que consta antes de ser o avô cantigas, foi considerado nos anos 70 o pioneiro do rock progressivo com o seu álbum Changri-lá. E esta, hein?
Olhando à distância que os ícones da minha infância era tudo malta de esquerda! O Barata Moura,que além de cantor é da filosofia e foi reitor da universidade de Lisboa, foi e talvez ainda seja do Partido Comunista. O Sérgio Godinho que também é um cantor de intervenção para adultos e crianças também é da malta da esquerda. Esses jargões de direita e esquerda até já podem estar um pouco ultrapassados, mas o que é facto é que alguém que abre alas, rompe com a mentalidade conservadora, tacanha, provinciana dum país com a mania das grandezas em que a distribuição é só para uns tantos fazem toda a diferença na formação de um cidadão e cidadã desde a mais tenra idade.
Ah! O José Saramago, que ganhou o primeiro Nobel da literatura, também era comuna! Eu já conheci muitos comunas portugueses e devo dizer quando estes quando estão na oposição fazem um trabalho incrível. Uns, nem todos. Mas alguns, nem todos, quando chegam ao poder é um "vê se te avias", é um ' quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte". Outros ainda infantilizam as gerações seguintes, nomeadamente a minha. Pois acham que eles são os guardiões da revolução e nós não entendemos nada de nada. Talvez por isso as coisas chegaram no ponto em que estão. Um neo liberalismo a dar ares de democracia.
Da minha parte só posso agradecer a estas figuras que fizeram a sua parte nomeadamente junto de nós crianças dessa época. E que hoje podemos olhar para trás com sentido crítico e entender um pouco melhor o que ainda faz sentido, o que não faz mais sentido e o que podemos agregar à utopia de estarmos unidos com solidariedade, humanismo e afeto.
A Piu
Campinas SP 11/07/2021
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