domingo, 4 de julho de 2021

A REVOLUÇÃO DO CORAÇÃO

- Trotski ferrou porque quis. Não soube chegar ao poder, porque tinha dúvidas. Stalin pode ter sido uma besta, mas era um homem de ação.
- Que horror! Você 'tá defendendo esses expurgos!
- Sem trocadilho, Trotski é um picareta. Ressuscitar esse cara é coisa de quem está namorando o fascismo.
- Eu te desprezo, Oscar.
- Mas gosta de dormir comigo.
- Porque não pintou outro. E eu não pertenço a você. Eu sou livre.
- Eu duvido. Você é muito moralista. Você gosta de Maria Liberal como leva a vida. Você só é capaz na teoria.
- Ah é! Escuta aqui, Rivaldo. - o tal do Torres que presencia este diálogo de pombinhos- Voce quer trepar comigo?
- Como?
( a mulher tira a blusa e fica com os seios de fora) Você me acha gostosa?
- Claro!
- Pois vou mostrar que também sou ótima na prática também.
- Pára com isso! O Torres é um cara político!
- Ele é homem, não é?
- Você é a minha namorada, Paulinha.
- Paulinha porra nenhuma. Eu sou Paula Nelso e eu não sou propriedade de ninguém.
- Você 'tá sendo ridicula.
. Babaca.
- Mas fui o primeiro.
- Mas não vai ser o último, seu puto stalinista.
( enrolam-se, beijam-se e deitam-se na cama do beliche. O homem pede para o Torres sair)
Trecho dum diálogo do filme 'Alma Corsária' (1993) de Carlos Reichebach.
Aqui temos o segundo trecho áureo deste filme. Vamos começar lá por cima, passo a passo. Quem nunca conheceu um Trotskista? O que eu conheci não dava para acreditar... Um ótimo pianista e compositor, mas um copinho de leite previlegiado que defendia a luta armada; como se Portugal vivesse nos anos 90 tal qual uma Rússia czarista. Que viagem! Por acaso ele acreditava no Trotski mas podia ter-se filado no partido do Peter Pan. Ía dar ao mesmo. Já não falando que vivia num bairro nobre de Lisboa, onde se encontram os consulados. Talvez ele tivesse um plano mirabolante. Tipo um piano feito de pudim molotof para oferecer numa noite de gala no seu bairro residencial. Sei lá! Sei que estou fora dessa viagem. AInda me cruzei com alguns por uma universidade brasileira. Resultado: assim que senti o cheiro saí de fininho tentando não ter pensamentos cínicos. Que o cinismo também é um engodo, de verdade. Mas em doses brandas é libertador. Desde que saibamos qual a nossa intenção. Se é de libertar ou de oprimir, dominar. Faz toda a diferença. Pois não é?
No entanto, não deixei de ler a biografia da Frida Kahlo para ter mais uma noção de como mulheres como ela e como a Pagu foram desconsideradas pelos seus companheiros camaradas que nunca abriram mão do seu machismo. Embora com elevados ideais de revolução popular. Enfim.
De seguida o personagem defende o Stalin e acha que este não é fascista. 'Tá. Precisa de fazer umas leituras e agora com a net pode pesquisar documentários.
De seguida o diálogo descamba... Até há bem pouco tempo para mim esse desandar era surpreendente por falta de hábito, mas agora já entendi a onda. Mistura-se aqui com uma facilidade politica e homens de Estado, de regimes autoritários e totalitários com sexo... Enfim. Gostaria de dizer: sem comentários quanto a esse oportunismo de parte a parte. Mas escrevo: um está com o outro porque para ela não pinta mais ninguém e para ele, ela foi a primeira, para todos os efeitos. Além de infantiloide é uma relação abusiva que distorce todo e qualquer ideal de mudança social.
Depois, ela com o seu orgulho ou vaidade pergunta para o Torres, dando uma de libertária, se ela não é gostosa. ( Aqui paro uns segundos para respirar fundo, passar as mãos pelo rosto e avisar que o que escreverei a seguir tem a ver com a minha sensibildade, logo cada um e cada uma faz da sua vida o que quiser). Eu tenho um ranço profundo com o conceito "gostosa" e "gostoso" ou "gostose". Aparece-me sempre uma imagem dum marshmallow branco, rosinha e aquele azul bebé próprio dos corantes e conservante a la parque de diversões da Disne... Uma coisa dum açucarado artificial que só visto e sentido. Uma objetificação do próprio corpo e do corpo alheio que nem dá para entender na totalidade, mas adiantando que essa objetificação é resquicio da colonização de corpos, o seu e o dos outros, numa lógica mercantil e posteriormente capitalista e neo liberal. Tipo: " Me coma como se eu fosse um X burguer cheio da molho de alho, maionese e ketchup. Lambuzemo-nos na nossa carência, no esquecimento de sabermos quem somos e o que viemos aqui fazer e na necessidade de fazermos joguinhos de ciúmes com @ noss@ parceiro para nos sentirmos gente e assim acharmos, equivocadamente que somos livres. Isso não será tóxico? Que revolução social se sustenta com essas interações no micro?
Desconstruir o patriarcado leva tempo. Anos, décadas, séculos. Mas é urgente assumirmos as nossas práticas (in)conscientes para mudar. Ah! E não nos ofendermos, nem personalizarmos quando alguém fala que o sindrome da gostozice não é emancipatório, tampouco revolucionário. Se alguém fala isso, constantemente, talvez seja um gesto de amor e não um enfiar o dedo na cara. Quando alguém fala em auto conhecimento não tem a ver com livrinhos de beira de estrada ou cursos de como ter sucesso num curso ou palestra de 2 horas. Fica também aqui a reflexão: quando um homem ou uma mulher ou outro género qualquer persegue uma outra pessoa duma forma pornográfica isso não é fascismo? E ainda me pergunto quais as intenções por detrás dessa perseguição? É "simplesmente divertir-se" ou faz parte duma associação sinistra cibernáutica? Pergunto só, sem acusar, e sim para que possamos meter a mão na consciência e no coração para que brote e se cure a alma, a psique segundo Jung para dar aquela cientifizada.
Vitória ao entendimento e à humildade de saber receber e dar amor, mesmo quando nos desconforta, sem estar sempre à defesa com os velhos mecanismos e jogos emocionais, evocando outras pessoas para nos sentirmos gostoses e desejades. E isto muitas vezes sem nos darmos conta do lugar que ocupamos ainda numa sociedade tão hierarquizada.
E lá vai clichezão: só o amor cura! Ah poizé!
Abraço sincero no coração
A Piu
Campinas SP 04/07/2021


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