domingo, 4 de julho de 2021

POLITICAMENTE (IN)CORRETO


Existem vidas nas favelas, para além dessas que a policia militar diariamente mostra para a população. Uma comunidade ordeira, trabalhadora e honesta, com conceito de família, beleza e diversão.
Fotografias feitas nos anos 83 e 84 no projeto que chamei Quilombo Hoje, no Morro do Salgueiro, Rio de Janeiro.
@januariogarciaoficial
Ontem, ao ir para o posto de saúde, a vários quilometros de distância do meu lar doce lar avistei várias comunidades perto da rodovia que nos leva até ao aeroprto. Rodovias, na minha terra são auto estradas, que nos fazem acreditar que vivemos numa sociedade desenvolvida onde a habitação, o saneamento básico, a comida, a saúde, a educação estão ao alcance de todos. Olhem só... Eu nem voto aqui nesta terra... Isso não é papo de comunista e sim de qualquer cidadão que preze por democracia e dignidade pela vida humana, animal e vegetal, além de mineral. Desde já agradeço a compreensão, que dispensa polaridades como se a vida se tratasse dum campeonato de futebol ou de um oba oba de espiritualidade gourmet.
O uber passa e avista-se o shopping Bandeirantes. Já o nome diz muita coisa. Shopping= consumismo. Bandeirantes= invasores que conquistaram à força.
Pergunto em voz alta para a minha filha o porquê dum shopping no meio de lugar nenhum. Resposta que arruma num canto a minha pretensão alternativa: " Tu não vives aqui, mas há quem viva." Do meu lugar respondo quando avisto a comunidade " Mas o que um trabalhador comum vai consumir nessa catedral do consumo? Vai passear e quanto muito comer e olha lá!" Na minha visão o que deveria estar no lugar daquele shopping era um centro cultural com uma grande biblioteca, espaços verdes com anfiteatros para todos.
No final da viagem chegamos um lugar perto da fábrica da Mercedes. O condutor diz que aquela localidade chama-se Jardim Mercedes. Pergunto se cresceu à custa dos trabalhadores dessa empresa. 'Não, foi um lugar invadido há 15 anos por pessoas que procuram lugar para morar. Depois a perfeitura legalizou e tratou do saneamento básico.' Na minha sensibilidade não são invasores e sim pessoas que procuram simplesmente um lugar para viver com as sua familias ou solos...
Falo da imensa favela que existe junto ao aeroporto de Campinas. Ele, um homem negro, fala que tem lugares perigosos. Faz-se silêncio. Talvez eu tenha falado algo de inconveniente e tenha passado por patricinha/ betinha? Será?
A minha filha avisa que falar favela é crime e que tem muitas pessoas das comunidades que consomem no shopping. Ok, vou deixar de falar favela e sim comunidade. Mas na minha experiência de vida, crime é fechar os olhos para a desigulade social, não abrir mão dos previlégios ( principalmente homens brancos hetero e até homo com acesso à educação mas acham que mulheres e homens existem para os servir nas suas necessidades mais básicas que é amaciar o seu ego performático) para dar a mão a outros e deixar-se levar no canto da sereia do consumismo neo liberal. Depois aliviei (...) quando o Januário Garcia fala em favelas. Ironicamente faleceu com covid no dia em que me vacinei contra a mesma. Memória eterna a Januário e a todas as vitimas da "gripezinha". Que a sua passagem seja leve e em paz.
Bora ser gente de verdade com verdade? Vitória a quem olha para dentro com profundidade e não esquece de olhar ao redor e se elevar com as suas ações. Porque espiritualidade que nega desigualdades sociais e fecha a cara para movimentos sociais e lutas ancestrais também cheira a esturro. Assim como punhos erguidos arrogantemente, e eu não me excluo, não agregam em nada, só desmobilizam.
Gratinados por me ler até aqui.
A Piu
Campinas SP 03/07/202





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