sábado, 21 de novembro de 2020

O MENINO NA RODA DA CIVILIZAÇÃ0



Quando chegou na idade de seis anos saiu da aldeia pela mão dum missionário para estudar na aldeia grande dos napë.. Despediu-se dos familiares e de tudo o que lhe era familiar. Os xapiripë nunca mais o visitaram em sonhos. Aprendeu uma outra língua e quase quase esqueceu a sua. Uma vez, em sonho, o avô apareceu e sussurrou no seu ouvido esquerdo: " Não se esqueça que é filho do coração da floresta, mas me fale se os napë são tantos como as estrelas que existem no céu. Me conte em sonhos o que eles fazem com o lixo já que vivem todos numa aldeia tão grande a perder de vista."
Agora o menino yanomami adotara o nome de João. Os seus tempos de seminário foram duros, a compaixão , o amor e o perdão ensinados com castigos. Mas sobreviveu.
Depois foram para uma aldeia maior dos napë onde a queda do céu que o seu avô falava em sonhos era verdade, naquela aldeia a perder de vista. Na universidade tornou-se libertário, ateu, defensor dos direitos do seu povo, lá longe com uma memória difusa da sua infância.
Na beira do igarapé João Libertário, como era conhecido na aldeia grande dos napë, conversa com o pajé. Conta-lhe das vantagens de ser ateu, do sentido da vida na aldeia grande dos napë em ser ateu e que realmente com tudo o que tem acontecido com o seu povo o único que resta é ser ateu.
O pajé fica um longo tempo olhando para a água correndo entre as pedras do igarapé e pergunta olhando os olhos no rosto de João Libertário refletido na água,: " Entendi o que é ser ateu. Mas não entendi se você é ateu ou indígena?"
O pajé fecha ligeiramente os olhos e os xapiripë aconchegam-se suavemente nas suas pálpebras.
- História baseada em relatos verídicos-
A Piu
Campinas SP 21/11/2020
foto: claudia-andujar


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