segunda-feira, 1 de maio de 2017

BRAZIL OLHO NO OLHO


Inicio dizendo: eu amo profundamente o Brasil no sentido lato mulato democrático do litoral. Sou portuguesa, anti fascista, logo tenho algumas relutâncias senão muitas com discursos patrióticos. Mas adoro o Brasil e estou profundamente agradecida por todos os processos intensos de auto conhecimento que tenho aqui vivido desde há cinco anos a esta parte. Tenho aprendido a abraçar coração com coração sem pressa, a respirar com mais profundidade e a ser mais gentil e doce, assim como mais empreendedora no sentido profissional do termo. Tenho aprendido a descartar-me de velhos padrões que já não servem. Também tem a ver com os ambientes que tenho escolhido circular. Mas duma maneira geral, no Brasil, quando somos gentis recebemos gentileza. Tenho encontrado pessoas que ajudam generosamente no que podem. Muito obrigada mesmo. Também tenho aprendido muito mesmo com o povo nativo. Com os indígenas. Haux haux haux hau haux.
Em 1996 eu conheci o Brasil. A tal da cidade maravilhosa. Rio de Janeiro. Eu acho que nunca me sinto tão entusiasmada, anteriormente, como com essa viagem. Nessa época conheci o Matogrosso, onde mantive um contato mais próximo entre 1999 e 2001. Rio de Janeiro: terra dos morros, do futebol, do Carnaval e da desigualdade abismal. Matogrosso: terra de índio que tem de enfrentar latifundiários onde a lei do Texas fala mais alto. Depois, em 2001 conheci o Amazonas, Pará, e todo o litoral nordestino até ao sul da Bahia, passando por Minas Gerais. Mais tarde conheci mais a sul, onde o país tem alguma pretensão de ser mais desenvolvido. Mas a desigualdade e o pensamento feudal está lá, embutido.
De todas as vezes que eu vinha ao Brasil eu sempre sentia e sinto uma enorme dificuldade em entender estas discrepâncias de classe, aliadas ao servialismo e à violência gratuita com que se tira a vida a alguém como quem come um espetinho de queijo coalho com uma cervejola á beira mar.
Aqui, eu conheci trabalhos que até então não faziam parte do meu referencial. Manobrista. Alguém sabe o que é, fora do Brasil? Faxineira e babá a tempo inteiro ou mesmo a tempo parcial. Alguém tem assim com tanta frequência, fora do Brasil? Falo do norte a sul da Europa que é o que eu conheço. Da Dinamarca até Portugal, passando pela Alemanha, França, Holanda, Espanha, Itália que é o que conheço melhor. Eu não conheço ninguém e muitas são pessoas instruídas de bem com a vida.
Sempre tive muita dificuldade de entender esta alegria toda de oba oba. Cansa. E olha que eu sou festeira. Mas parece que não soa a verdade. Também tenho dificuldade com o exagero da cordialidade. A pessoa está lixada por dentro mas finge que está tudo bem. Parece que é uma forma de se auto reprimir e reprimir o seu interlocutor. Aí já é mesmo um choque cultural e social! Tenho a impressão que são resquícios da escravatura e das ditaduras mais recentes do último século. Eu acho que algumas vezes posso passar pela portuguesa louca que fala tudo na cara, com movimentos rápidos de braços e mãos, e só sorri e ri quando sente mesmo. Eu prefiro passar por "brabinha" de vez em quando. Porque sei que não estou a mentir nem para mim nem para ninguém. E confirmo uma vez mais que a Cultura do Carnaval, do oba oba, da cordialidade exagerada ( a cordialidade é boa quando há diálogo e escuta) é uma forma de manter as pessoas entretidas de bola baixa. Porque o que vem de cima, dos mandatários... Vou-te contar.
O que tenho para dizer neste final de dia é que temos que cultivar a nossa paz interior e estarmos mais atentos uns aos outros sem preconceito de pobre ( a maioria dos ricos daqui são de origem pobre. Olha a falta de memória!), rico (porque há ricos gente boa e consciente), de negro, de índio (ambos com tanto para ensinar), de mulher (todos nascemos do ventre da nossa mãe. Os de laboratório ainda não estão na praça. Acho), de homossexuais ( eu tenho vários amigos de todas as classes. Desde o adolescente da periferia que está a descobrir a sua orientação até ao professor universitário). Bora ser gente de verdade uns para os outros e saber que o trabalho liberta-nos e que o valor do mesmo deve ser recompensado dignamente? Cuidar das nossas crianças, jovens e idosos com respeito sem distinção de classe, cor e outras tretas que nos separam. Já é tempo de parar com este olho por olho, dente por dente. Mais por olho no olho. Não faz nada mal e só faz muito bem! Eu gosto de estar aqui no Brasil e quero continuar aqui, escolhendo e sendo escolhida por parcerias, companheirismos muito massa de coração sem preconceito e sem achar que somos um perigo uns para os outros. O que nos une? Sermos seres humanos? Já é muita coisa, não?
beijuuuuuuuuu
Piu
Brasil, 29/04/2017


Sem comentários:

Enviar um comentário