sexta-feira, 6 de julho de 2012

As mulheres e os homens que choram de comoção

O homem quis fazer a revolução, mas queria fazê-la sozinho.
O outro homem disse-lhe que também podia contar com ele. Que também queria fazer a revolução. O homem pensou, pensou um pouco e concordou. Mas continuou a achar que seria melhor ser ele a decidir. Muitas cabeças, muitas sentenças. O segundo homem disse-lhe que as revoluções são só um momento. Algo efémero. Importantes, mas efémeras. As revoluções. O desafio, disse o segundo homem, o aliciante é o depois. Esse depois perseverante que poderá defender essa tríade da Revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. (Mas afinal o que resta dessa tríade?)

O primeiro homem talvez nunca tenha pensado realmente numa revolução ou talvez tenha pensado que no depois da mesma ele queria era estar bem, num bom lugar, num lugar de prestígio. O primeiro homem talvez tenha pensado nisso, mas não o disse. Não se revelou. O segundo homem pressentiu, mas duvidou que o primeiro homem talvez tenha pensado nisso acerca do depois.

Os dois homens colocaram a hipótese de vir um terceiro, um quarto, um quinto homem. Vários homens. Muitos números, para que essa revolução, que o homem queria fazer sozinho, tivessem impacto. E vieram muitos e muitos homens. Homens e mulheres. E choraram de alegria. Choraram de comoção. Choraram a sua tristeza, o seu desânimo até ali vivido. O primeiro também estava contente. Estava ciente que iria fazer o bem para todos os outros homens e mulheres.
Talvez ele não tenha dito ou talvez até nem tenha pensado realmente, mas ele queria o bem para todos os homens e mulheres que choravam de comoção por finalmente vislumbrarem a possibilidade de juntos realizarem uma mudança nas suas vidas. De mudar para melhor, onde homens e mulheres se sintem respeitados e respeitadas. Onde se sintem pessoas e não números descartáveis. Onde se sintem gente em vez de colaboradores de tal empresa de callcenter ou de escola. Dando aulas para crianças, adolescentes cujo o nascer do sol do dia seguinte será uma incógnita. E se o sol não mais nascerá essas pessoas desistirão de sair à rua e aquecer o peito das crianças que têm uma vida pela frente, dos idosos que deveriam merecer acabar o resto dos dias dignamente e delas próprias que na força da sua vida merecem ser valorizadas no seu local de trabalho, entre amigos, na família.

O homem queria fazer a revolução sozinho, talvez achasse que as suas ideias eram óptimas. Tinha já tudo pensado. Porém, esquecia-se ou simplesmente não lhe ocorrera, que nem sempre o que é o melhor para nós o é para os outros. O homem talvez não tivesse reflectido que quando os outros homens e mulheres, que choravam de comoção com uma vontade imensa de reescrever a sua história, soubessem que o homem queria fazer a revolução sozinho dir-lhe-iam que essa revolução que ele queria fazer sozinho não era uma revolução. Nem efémera sequer. Era sim uma reprodução categórica do que já estava sendo praticado. E o que estava sendo praticado já não servia. E o homem continuou achando que estava a fazer a revolução e que as suas ideias iriam mudar o sistema político. Mas o homem, depois de muito deambular pelos seus desejos e quereres, olhou para o lado e não estava ninguém. Ninguém. O homem sentiu-se profundamente só. Não se sabe se pensou, pelo menos não disse, se queria continuar a fazer a revolução sozinho ou se porventura estava realmente decidido a alterar esse tal de sistema político.

Br, 3 de Julho de 2012
As mulheres e os homens que choravam de comoção começaram a se juntar. Primeiro numa praça, no centro da cidade. Era primavera; já não estava frio. Alguns deles e delas acamparam nessa praça durante dias a fio. Noutras praças de outras cidades aconteceu o mesmo. Nos jornais nada ou quase nada falaram do sucedido. Todos os finais de tarde as pessoas reuniam-se para falar. Os jornais, tampouco a televisão cobriram tal acontecimento denominado de assembleia popular. Passados tantos anos as pessoas se juntavam sem pretensões partidárias para discutir inquietações sociais. Para serem cidadãos e cidadãs activas. Mas muito pouco ou quase nada se falou na comunicação social que pessoas de várias proveniências sociais se juntavam nas praças portuguesas para discutir finalmente o que era uma democracia participativa. Depois dos homens e as mulheres terem sido encostados à parede, vivendo directamente as consequências da corrupção, das especulações financeiras, aos poucos foram reagindo. Mas o que se falava nos midia era dos indignados de Espanha, de Inglaterra, de França, depois do Wall Street (que vindo a posteriori auto designavam-se mentores de tal indignação que se fazia sentir por vários pontos do planeta, nomeadamente no Médio Oriente). Mas o que interessava é que as pessoas se juntavam na rua. Precisavam de expor a sua indignação, de expurgá-la. Reclamavam e reclamavam do que estava mal. Reclamavam de tal modo que algumas vezes as estratégias de se organizarem eram quase nulas. Além
de sobreporem as suas falas. Reclamavam e reclamavam que por vezes se esqueciam de propor medidas concretas, alternativas eficazes pela sua simplicidade sem simplismo.

            Mas os homens e as mulheres que tinham chorado de comoção precisavam de falar sobre a sua indignação. De falar e sentir que não estavam sós nos seus sentimentos. Outros haviam que sentiam o mesmo, que viviam na mesma precariedade. Os homens e as mulheres reclamavam muitas vezes sem saber muito bem porque reclamavam. Reclamavam porque o presente e o futuro eram uma trilha tortuosa onde a qualquer momento as pessoas ficariam sem o seu emprego e sem nada a que se agarrarem. Indignadas por serem tratadas como nada. Como nada de nada. Desde o trabalhador braçal ao qualificado. Ninguém escapava. E as mulheres e os homens juntaram-se, porque já não aguentavam mais tanta mentira, tanta negligência. Havia outros e outras que também reclamavam sentados no seu sofá em casa. E os que estavam na praça propuseram trazerem os sofás para a rua. Decorria o ano de 2011; depois veio o 2012 apocalíptico. Nada aconteceu. O mundo não acabou, mas nada também mudou. O senhor primeiro-ministro mais os seus muxaxos vieram dizer às pessoas para emigrarem para as ex colónias (Angola e Brasil) que lá precisavam de professores… A comitiva desgovernada só esqueceu de perguntar a esses países qual o interesse em receber professores licenciados num sistema de educação cheio de lacunas. A comitiva dos desgorvenantes alem de ofensivos com os homens e as mulheres do seu país eram arrogantes com aqueles que achavam que eram do terceiro mundo. Talvez os espelhos já se tivessem rachado há muito. E não contentes com tal afronta, chamaram aos contribuintes de chorudos impostos que estavam a ser piegas. E os piegas continuaram a reclamar. Uns já no limiar da pobreza, outros reclamavam entre uma garfada e outra gourmet. Cada um com as suas razões todos reclamavam, pois mais vale um garfo na mão e uma reclamação do que um garfo numa boca cerrada e reclamações a se dissiparem no ar.

            Depois as mulheres e os homens tiveram uma ideia! “Vamo-nos inspirar no que os outros estão a fazer noutros pontos do planeta. Vamo-nos inspirar no que já foi escrito e feito anos atrás!”
            Aos poucos as pessoas perceberam que tudo dá trabalho. Que é necessário uma imensa capacidade de escuta, que as ideias e opiniões dos outros têm o seu valor e principalmente, principalmente! Largarem esse desporto (ou será vicio?) da maledicência tão feroz e inconscientemente praticado em terras lusas. Dar valor às opiniões alheias. Desde que essas opiniões sejam construtivas para um bem-estar comum. (Será isso é possível?) Dar valor aos seus interlocutores e se possível nutrir admiração pelos mesmos sem bajulação. Já agora.

            As mulheres e os homens que de comoção choraram começaram a compreender que a mudança estava si mesmas. Nas suas atitudes do dia a dia, no modo como se colocavam diante de si mesmos e dos outros., como se implicavam, como se comprometiam com a sua palavra e as suas acções. Como uniam as grandes e pequenas teorias com a prática do dia a dia. Qual a capacidade de olhar para si e para o lado?
 Os homens e as mulheres começaram a entender que só com humildade de caminhar juntos com a generosidade de saber dar e receber seria possível que alguma coisa mudasse. Houve quem entendesse tal emboscada e pusesse em prática, outros houve que entenderam mas na prática a coisa era mais custosa. Outros ainda tiveram dificuldade em entender ou até mesmo resistiram a tal entendimento, talvez porque considerassem que suas convicções não se coadunavam com a humildade. Provavelmente achassem que humildade significasse se submeterem, se anularem. Porém não lhes ocorreu até então que humildade podia ser a capacidade de se propor ao invés de se impor, a capacidade de mediar vontades, opiniões como um maestro de música.

            Talvez essas mulheres e homens que hoje choram de comoção um dia estejam todos juntos em diferentes vozes, solos e coro disponíveis para criarem uma grande orquestra.


A piU
Lx, 5 de Julho de 2012

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