Quando acordou tinham-se passado 20 anos. Não sabia onde estava. Olhou ao redor e viu um rosto conhecido, porém envelhecido. A sua língua estava dormente. Os lábios secos tocaram-se suavemente. Pronunciou um “mmmm” baixinho. Uma lágrima daquele rosto em frente ao seu verteu-se. Os seus olhos arregalaram-se o quanto puderam. Como um suspiro pronunciou “ãããã’. Um sorriso alterou o percurso das lágrimas daquela mulher pelas rugas dos seus olhos. “ Eeeeee” foi perlongado. A sua imagem refletiu-se nas retinas daquele seu filho há tanto adormecido.
De origem germânica achtung! servia como interjeção chamativa para perigos e paisagens deslumbrantes. Mais a norte, nos países escandinávos,ACHTUNG!! é considerado o espirro oficial dos vikings. Em terras lusas utiliza-se a expressão "Arre!!" quando alguém está arreliado. "Arretung!" é uma espécie de grito de guerra dos trabalhadores da classe precária, que desunidos nunca vencerão.
segunda-feira, 28 de junho de 2021
AS PAREDES TÊM OUVIDOS
Durante muitos anos forram-me com aquele papel grosso de parede com uma textura que dava para limar as unhas. Na sala de jantar o papel era dum tom verde seco para dar aquele ambiente romântico e também utópico às longas reuniões que se faziam noite adentro entre a leitura da nova peça escrita por alguém que foi afastado pelo partido. Aqui entre nós: as paredes têm ouvidos, mas eu mantenho a honestidade e o medo de não pronunciar esse nome do artista que virou maldito até ao seu suicídio. Mathias é o meu dono apesar de ele não me ter comprado e sim o partido ter me oferecido para esse conceituado encenador. Eu localizo-me até hoje no centro da cidade. Mathias agora vive no campo, depois da queda do muro não quis voltar aonde guardava belas, melancólicas e trágicas memórias. Depois que lhe mostraram as escutas instaladas em mim pela KGB decidiu morar no Brasil, no interior do Estado de São Paulo. O que conto a seguir escutei dum sonoplasta da ex companhia teatral de Mathias seu amigo íntimo. Escutei na minha entrada principal quando me puseram à venda assim que a especulação imobiliária disparou em flecha: Mathias, um dia cruzou-se com um homem de idade bastante avançada e por momentos teve a sensação de que conhecia aquelas feições de algum lugar. Nessa noite sonhou com o dia em que os nazis levaram o seu pai em Leipzig, tinha ele 3 anos. Quem o algemou era aquele homem, mas muito mais jovem claro. com quem se cruzara numa rua de Bauru. Na manhã seguinte, ao som de Uakti, comeu um strudel feito por ele mesmo e bebeu uma água de coco. Depois deu um longo suspiro. Enquanto uma nuvem passava do Oeste para Leste.
CAUSOS TRANSVERSAIS
Álvaro, filho de Alzira e António, chegou sozinho de navio aos 12 anos de idade ao outro lado do oceano, ao outro lado do mundo. Entrou clandestinamente num navio e depois de ser descoberto passou a descascar batatas no convés. Menos mal! Não passava fome como na terra da sua família que deixara para trás. Quando chegou ao porto de Santos aquilo era tão grande e inusitado que sentiu saudades da miséria da santa terrinha, como se habitou a ouvir e a chamar ao lugar onde nascera e crescera entre ovelhas, água benta e carpideiras. Sim, era um lerdo... Sentia-se um lerdo pois no seu coração não habitava malandragem. Até aprendê-la para sobreviver.
sábado, 26 de junho de 2021
CAMÓNE! CAMÓNE!
ANCESTRALIDADE
Olhando para a ancestralidade é revisitar lugares esquecidos e dobras não tão evidentes da História, que a oficial não conta. Honrar quem veio antes para caminhar adiante com mais presença e leveza.
quarta-feira, 23 de junho de 2021
GATO ESCONDIDO COM A CAUDA DE FORA
sábado, 5 de junho de 2021
QUANDO OS OBSTÁCULOS DO ENIGMA CHEGAM QUASE AO FIM
Agora ela podia respirar de alívio. Talvez o mais difícil do que ela considerava enigma estava desvendado. Ela para eles era um enigma, talvez fosse isso que os atraísse ao mesmo tempo que os desconfortava. Não estavam habituados, provavelmente. Não que as mulheres com que se relacionassem não fossem potentes, eles é que provavelmente não davam o valor pleno e estas nunca tinham aberto o peito e dito: "Vem cá dizer isso olho no olho. Um dia ainda havemos de rir juntos de tudo isto."
Talvez nunca tivessem convivido com ninguém que não se encolhe quando lhe pisam muitas vezes os calos. Alguém que não treme de terror perante uma babaquice camuflada, logo não assumida. Não, não era um caso de polícia e sim um caso de amor distorcido que o tempo, com os seus entendimentos vários colocaria tudo no seu lugar sem berros, talvez com choro, com riso, silêncios, hesitações, murmúrios. Duma coisa ela estava ciente, mesmo não se conhecendo pessoalmente. Cruzar na rua é um momento fortuito que não tem o volume de se mostrarem à distância na sua capacidade de sentirem ansiedade, admiração, euforia melancolia, diria até amor confundido com ciúme e orgulho ferido, vaidade com base em velhos padrões de comportamento em que o homem pode e deve ser desejado, bajulado por um séquito de mulheres ao passo que uma mulher não pode, segundo os mesmos, de ter a sua rede de amigos, sejam estes do seu meio profissional ou não. Ela já conhecia essa velha história com contornos muito mais pesadas. Tivera uma filha com um sujeito mulherengo que lhe infernizara a vida e acusava a de infidelidades, deslealdades que ele sim cometia. Uma loucura de cair cabelo e de rir para não chorar. Agora, ao fim de tanto tempo, ela já sabia lidar com essa masculinidade distorcida, pois ao invés de se celebrar o encontro sabotava-se o mesmo. Saberiam os dois homens que aquela mulher, como muitas, em algum momento pudesse o correr risco de vida por conta dessa masculinidade que acha que pode tratar a mulher de qualquer jeito? Bom...
Mas ela agora sentia que aquela etapa mais difícil de ultrapassar estava quase a chegar ao fim.
Uma boa história de superação de obstáculos é aquela em que o vilão não é só vilão nem o bom mocinho é só mocinho bom.
Dois irmãos frente a frente, lado a lado. Diferentes e iguais na sua conduta. Apesar de algumas vezes se rivalizarem eles eram amigos de coração e muito provavelmente eles se identificariam um com o outro no que há de mais sublime e também sombrio um no outro. E esse era o grande obstáculo que a mulher teria de desfazer.
Era vertiginoso concluir isso, pelo menos para aquela mulher. Mas ao mesmo tempo libertador.
Aguardariam ambos que ela lhes dissesse: Tá tudo bem? Eu amo-vos incondicionalmente porque também tenho aprendido muito com vocês. A me posicionar ainda mais e discernir as suposições, fruto de inseguranças e crenças de não merecimento de amor. Despotismo...
Ela agora voltaria a escrever com todas as letras , como se se falasse olhos nos olhos: Desejar, amar uma mulher não passa por oprimi-la. Se vocês acham que ela não é confiável talvez tenham de rever se vocês são confiáveis e se porventura ambos, cada um a sua maneira não projetam nas mulheres as vossas crianças feridas. Mas se ela não é confiável, afastem-se dela.
Ela agora sentia alívio em confirmar que aquele que assumiria, assumira o papel de vilão durante um largo tempo fazia esforços, pelo menos aparentemente, para valorizar as mulheres. Ao passo que o seu irmão, que era boa gente, algumas vezes deixava escapar alguns acessos de ciúmes. Ambos mereciam ser amados, mas para isso precisavam de baixar a guardar e aprender A amar. Isso ensina-se? Talvez. . Mas exercita-se.
A mulher sorriu. O homem já não rivalizava mais com o seu irmão tal qual bebê chorão. O seu irmão, apesar de boa gente, olhava para si mesmo com mais cuidado e atenção para que ambos passo a passo dispensassem a broderagem. No fundo no fundo ambos sabiam que a broderagem não os fazia felizes, tampouco a vaidade de serem bajulados e que os levaria acessos de raiva fruto de ciúmes. Eles queriam mais que isso, A mulher respirou de alívio quando vislumbrou uma luz ao fundo do túnel para todo aquele engodo, aquela cilada que o homem que assumira mas não o papel de vilão criara para todas as partes envolvidas. O seu irmão e aquela mulher só podiam agradecer aquela oportunidade. A mulher esperava ainda o dia em que todos se pudessem olhar nos olhos sem grandes dissertações, nenhuma aliás, e riem-se como quem diz: Já passou! Tá tudo bem agora! Viva o amor.
A Piu
Campinas SP 05/06/2021