Diário de bordo,
Entre Abril, sonhos e
afazeres mil e o tal Maio maduro Maio de quem o pintou.
Há vacas no caminho. É
de noite. A caminho da serra com cachoeira seguimos o corta mato que
vai de casa até à estrada de asfalto. Pisamos bosta de vaca e
tememos os impulsos bovinos. Fuuuuuu! Ainda bem que comem ervas. E
bostinha de vaca, quando seca, até parece wetabix. Belhaque! Ehehe!
Voltamos para trás para fazermos o caminho maior e pedir a um
vizinho para emprestar uma torneira por instantes. Somos acompanhadas
pelo atalho da fazenda por dois vizinhos. Um deles ainda vem fardado
do serviço militar. Será que a sua farda incute mais respeito às
vacas e os respectivos bois? Os vizinhos dizem que na noite elas se
assustam e que correm em linha recta. Não há que temer… Bom, se a
minha linha recta for a mesma que a manada… Valeu! Boa Páscoa,
mesmo para você que trabalha nesse dia!
Caminhamos pela trilha até à cachoeira. Tento
dar conta das leituras. Entre uma leitura e outra, confirmo que
viver, partilhar momentos com as pessoas tem tudo a ver com o tal
“Ensaio sobre a dádiva” do Mauss que estou a ler. Tranquilizo-me
por não estar a ler consecutivamente, como até desejava. Viver para
compreender as leituras realizadas acaba por ser um caminho que
encontro sentido.
Tomamos banho de
cachoeira. A força da água e da natureza é sempre aquela força.
Mas já anseio um vislumbre de mar. Cheiro a peixe e maresia. Será
que quem cresceu junto ao mar carrega este karma? Tive uma professora
chilena que dizia que quando veio para Portugal não se conseguia
orientar. Faltavam-lhe as Cordilheiras. Mas eu acho que como era
pintora sempre podia pinta-las na imaginação.
(…)
De manhã corremos pelo
caminho das vacas para pegar o ônibus para ir para a escola. As
vacas não estão lá. Duas águias poisam numa árvore no instante
que passamos. Seria bom elas nos darem uma boleia/ carona como nos
filmes animados. Poupávamos tempo e dinheiro e podíamos ver o
percurso de cima.
O caminho é de barro
vermelho. Na sala dos computadores, depois de ter saído por
instantes, vejo uma longa trilha de terra. Epa! Alguém trouxe os
sapatos sujos… Espero não ter sido eu, auto convenço-me. Quando
chego ao meu lugar está uma instalação de terra seca… Epa! Fui
eu… A urbanoíde que agora vive na roça… A urbanoíde que nem
capinar sabe, que nem uma singela hortinha ou umas flores sabe
plantar… Pelo menos, tem de ter mais cuidado quando chega à urbe!
Maio está à porta.
Depressa, devagar. O tempo galopa preguiçosamente. Parece que foi
ontem que chegámos e parece que já faz tanto tempo. Novos amigos
aparecem, mais a saudade dos outros que estão longe fisicamente.
Quem te de se encontrar, encontra-se nalgum momento. Acredito.
Primeiro de Maio. Sonho
que sonho que já não é um sonho que quem trabalha tem direito a
ter uma vida digna de não ser precária.
Depressa e devagar
vamos conhecendo e dando-nos a conhecer. Quando há sol o verde fica
mais vivo e aquece o peito. Quando chove e o domingo fica cinzento o
dia inteiro é bom ter amigos em casa e crianças a correr pela casa,
mesmo quando só fazem disparates e o exercício de relativização
tem de ser accionado.
Depressa, a lua tá
muita grande e amanhã é dia da mãe! E ela é às vezes é de luas!
Hoje ela tá numa lua boa! Lá com o seu nariz vermelho vai viajando
com o público.
Devagar, devagarzinho
adormecemos por que amanhã é outro dia e qualquer dia já é outro
mês, e mais outro mês, e outro ano e outra década. Devagar,
devagarzinho que os dias são para se viverem, saboreando-os.
Depressa, depressinha
digo um “I aí?” para que a lembrança de quem nós gostamos não
caía no esquecimento.
Barão Geraldo, 6 de
Maio de 2012
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