quarta-feira, 9 de novembro de 2016

OH DOG! OH MY DOG! CAN YOU GIVE ME A BIO LIGHT CIGARRETE? ( tradução livre: Oh cachorro divino! Oh meu cachorro endeusado! Passas um cigarro bio light aromático medicinal?)

" Não é um sinal de boa saúde mental estar bem adaptado a uma sociedade adoentada." Jiddu Krishnamurti
HÁ MUITO TEMPO...
.
Quando eu era rapaz
(digamos, há cinquenta anos)
havia gente grande e ingénua
que se assustava com uma zaragata de rua
ou com uma bravata de bêbados
num bar. E diziam:
«Deus meu, que dirão os americanos!»
Para alguns,
ser ianqui, naquela época,
era como ser quase sagrado:
a Emenda Platt, a intervenção
armada, os couraçados.
Então não se podia imaginar
o que hoje é o pão quotidiano:
o rapto de um coronel
gringo ao jeito venezuelano,
ou de quatro agentes provocadores,
como na Bolívia fizeram os nossos irmãos;
nem os definitivos barbudos da Serra, claro.
Há cinquenta anos
na primeira página dos jornais, nada menos,
vinham as últimas notícias do beisebol
vindas de Nova Iorque.
Caramba! O Cincinnati ganhou ao Pittsburg,
e o St. Louis ao Detroit!
(Compre a bola marca ‘Reich’, que é a melhor).
John, o boxeur,
era o nosso modelo de campeão.
Para as crianças, o óleo de Castor Fletcher
era o remédio indicado
em casos (rebeldes)
de enterite ou indigestão.
Um jornal
muito moderno tinha
uma página diária, em inglês, para os ianquis:
«Jornal cubo-americano
com as notícias do mundo».
.
Não havia como sapatos Walk-Over
e pastilhas do Dr. Ross.
O sumo de ananás
deixou de sê-lo:
a Fruit Juice Company
chamou-se ‘Huelsencamp’.
.
Viajávamos para Munson Line até Mobila,
para Southern Pacific até Nova Orleães,
pela Ward Line até Nova Iorque.
.
Havia Nick Carter e Buffalo Bill.
Havia a lembrança imediata gordurenta esférica de Magoon,
gangster oleoso e governador,
entre ladrões e ladrões, Ladrão.
Havia o American Club.
Havia o composto vegetal de Lidia E. Pinkam.
Havia o Miramar Garden
(tão fácil que é dizer jardim em espanhol).
Havia a Cuban Company para viajar de combóio.
Havia a Cuban Telephone.
Havia um tremendo embaixador.
E acima de tudo, cuidado,
os Americanos vêm aí!
(Outras pessoas que não eram tão ingénuas
costumavam dizer:
O quê? Vêm aí?
Mas não estão cá já?)
.
De todas as maneiras,
elas sim eram grandes,
fortes,
honestos até mais não poder.
A nata e a flor.
Eram o nosso espelho
para que as eleições fossem rápidas e sem discussão;
para que as casas tivessem sempre muitos andares;
para que os presidentes cumprissem com a sua obrigação;
para que fumássemos cigarros de tabaco virgínia;
para que mascássemos chewing gum;
para que os brancos não se misturassem com os pretos; .
para que usássemos cachimbos em forma de ponto de interrogação;
para que os funcionários fossem enérgicos e infalíveis;
para que não rebentasse a revolução;
para que pudéssemos puxar a corrente do autoclismo
com um puxão enérgico.
.
Mas aconteceu
que um dia vimo-nos como as crianças que se tornam homens
e descobrem que aquele tio venerávelque as sentava ao colo
esteve preso por falsificador.
Um dia soubemos
o pior.
.
Como e porquê
mataram Lincoln no seu camarote mortuário.
Como e porquê
os bandidos lá são depois senadores.
Como e porquê
há muitos polícias que não estão na prisão.
Como e porquê
há sempre lágrimas na pedra dos arranha-céus.
Como e porquê
Texas foi separado e levado de um só golpe.
Como e porquê
já não são mexicanos o pomar e a vinha da Califórnia.
Como e porquê
os fuzileiros navais mataram a infantaria de Vera Cruz.
Como e porquê
Dessalines viu arreada a sua bandeira em todos os mastros de Haiti.
Como e porquê
o nosso grande general Sandino foi traído e assassinado. .
Como e porquê
nos encheram o açúcar de esterco.
Como e porquê
cegaram o seu próprio povo e lhe arrancaram a língua.
Como e porquê
não é fácil que este nos veja e divulgue a nossa simples verdade.
Como e porquê
.
Vimos de muito atrás, muito atrás.
Um dia soubemos tudo isto.
A nossa memória guarda as suas lembranças.
Crescemos, simplesmente.
Crescemos, mas não esquecemos.
.
Nicolás Guillén

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