Naqueles anos, depois que mudara a página começara a ler e a falar de trás para a frente, de baixo para cima. Quando colocava a cabeça de lado lia na diagonal. Começou a ler o mundo na diagonal e a interpretá-lo com rodopios em espiral e pequenos momentos de suspensão. O poeta deixara algumas palavras escovadas ecoando vozes antigas, vozes que não se escreviam, mas que se inscreviam no vento, no curvar daquela montanha que se queria alta e que continuava a escrever o seu crescimento. Naqueles anos, enquanto mudava a página as pernas e os braços cresciam e isso doía um pouco. Por vezes doía muito. Foi então que começou a falar o idioma das larvas incendiadas. Esse idioma umas vezes soava faisquento, porque gutural. Outras vezes era como um cântico que se desejava que não findasse. Nem todos apreciavam o idioma das larvas incendiadas. Mas naqueles anos, depois que mudara a página e o mundo se apresentava rodando cada vez mais rápido e mais lento o idioma das larvas incendiadas insistia em se enraizar. Depois de incendiadas, as palavras estrelavam no ar como fogos de artificio. Depois ficava o silêncio. No silêncio o idioma das larvas incendiadas ganhava sentido, conteúdo. Rodopiando no silêncio como faíscas.
pipiripipiu
Brasil, 6.5.2014
texto inspiradão nas "Memórias Inventadas" de Manoel de Barros
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ilustração: Inês d'Espiney |
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