O ciclo da interdição- não te aproximes, não toques, não consumas, não tenhas prazer, não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não ser na sombra e no segredo. (...) Renuncia a ti mesmo sob pena de seres suprimido; não apreças se não queres desaparecer. Tua existência só será mantida à custa de anulação. (...)
A lógica da censura- supõe-se que essa interdição tome três formas; afirmar que não é permitido, impedir que se diga, negar que exista.
Foucault, Michel, História de sexualidade, a vontade de saber.2013, p.94
Em 1964
a Isabel teria uns três anos quando foi encontrada no meio do mato perto de
Luanda em Angola. As pessoas da sua aldeia fugiram com a chegada das tropas
portuguesas. Durante muito tempo foi a "mascote" daquele batalhão. Tinha sido
adotada pelo "inimigo". Mais tarde foi adotada pela família do comandante em
Portugal. Inimigo vem entre aspas, porque atrás dos conflitos entre Estados,
potências e outras indecências estão pessoas. De um lado e outro. Transitando
com um coração dentro de si. Umas vezes mais mole outras mais duro. Conheci a
Isabel talvez nos anos 90 em Lisboa, nas andanças do teatro. Mais tarde, em
2009, conheci casualmente a sua história no exato momento em que precisava de
fazer um trabalho sobre parentesco. Quando conversamos, das primeiras coisas que
a Isabel disse foi:"Tive várias mães. No batalhão,eu era a filha de todos."
Perguntei se tinha curiosidade de voltar a Angola e conhecer a sua familia
biológica. Respondeu que não. Moral da história: a Isabel foi protagonista de
uma história de amor em tempos de guerra. Guerra essa, como todas as guerras,
cheia de lavagens cerebrais. Convicções de punho batendo no peito defendendo o
Império vão:"Angola é nossa! Angola é nossa!"
Não, Angola não é nossa! Nada é nosso. Se alguma coisa que é nossa e podemos dar e receber é Amor, Cuidado, Proteção e Paz.
Porque me lembrei desta história? Porque hoje é dia das mães do outro lado do oceano e próximo domingo é cá. Logo, lembrei-me de prestar homenagem aos homens e mulheres que não se esquecem de serem seres viventes e qualquer um tem o tal instinto maternal, mesmo em tempo de guerra e outras adversidades.
Ana Piu
Brasil, 4.5.2014
foto: imagem de arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril, não consta que a criança seja a Isabel. Mas talvez seja. Quem sabe?
Não, Angola não é nossa! Nada é nosso. Se alguma coisa que é nossa e podemos dar e receber é Amor, Cuidado, Proteção e Paz.
Porque me lembrei desta história? Porque hoje é dia das mães do outro lado do oceano e próximo domingo é cá. Logo, lembrei-me de prestar homenagem aos homens e mulheres que não se esquecem de serem seres viventes e qualquer um tem o tal instinto maternal, mesmo em tempo de guerra e outras adversidades.
Ana Piu
Brasil, 4.5.2014
foto: imagem de arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril, não consta que a criança seja a Isabel. Mas talvez seja. Quem sabe?